Acórdão nº 0210/18.4BELLE de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 25 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelSUZANA TAVARES DA SILVA
Data da Resolução25 de Novembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – RELATÓRIO 1. Em 19 de Abril de 2018, a A………… LDA, com os sinais dos autos, apresentou no TAF de Loulé, acção em processo urgente de contencioso pré-contratual (artigo 100.º do CPTA), no âmbito da qual impugnou o acto de exclusão da sua proposta do concurso público para a concessão da exploração do serviço de transporte regular de passageiros entre Cabanas e a Ilha de Cabanas.

  1. Por sentença de 7 de Maio de 2020 foi a acção julgada improcedente.

  2. Inconformada, a A………., LDA interpôs recurso daquela decisão judicial para o TCA Sul, que, por acórdão de 15 de Outubro de 2020, concedeu provimento ao recurso e julgou procedente o pedido de anulação do acto de exclusão da proposta do concurso.

  3. A DOCAPESCA - PORTOS E LOTAS, SA, com os sinais dos autos, discordando do teor da decisão do TCA Sul, interpôs recurso de revista para este Supremo Tribunal Administrativo, o qual foi admitido por acórdão de 14 de Janeiro de 2021. Na decisão de julgamento que proferiu em 8 de Abril de 2021, este Supremo Tribunal Administrativo decidiu negar provimento ao recurso, mantendo o decidido no acórdão do TCA Sul, embora com outra fundamentação.

  4. Notificado deste último acórdão, o Ministério Público junto deste Supremo Tribunal Administrativo veio interpor recurso para uniformização de jurisprudência, nos termos do disposto no artigo 152.º, n.º 7, do CPTA, indicando como fundamento a existência de contradição quanto à mesma questão fundamental de direito entre o acórdão proferido nestes autos e o acórdão proferido pela Secção do STA em 27 de Setembro de 2018, no processo n.º 0322/16.9BEFUN (0464/18).

  5. O MP, nas alegações do recurso, concluiu do seguinte modo: «[…] I. Mostram-se reunidos todos os pressupostos legais exigíveis para a admissão do recurso para uniformização de jurisprudência, previstos no art.º 152.º, n.ºs 1, 2, 3 e 7 do CPTA, conforme se demonstrou no requerimento de interposição de recurso e nos pontos 1 a 4 acima enunciados, em termos que aqui se dão por reproduzidos.

    1. Resulta com nitidez do disposto nos art.ºs 54.º n.º 1 e 5 e 69.º n.º 1 da Lei n.º 96/2015, de 17/8, que a assinatura electrónica tem de ser aposta em todos os documentos apresentados, independentemente de estarem ou não contidos num ficheiro assinado, sendo esta interpretação das citadas normas legais a que se mostra mais consentânea com a unidade do regime instituído pela Lei n.º 96/2015 e a que possui inteira correspondência verbal na letra da lei.

    2. Não se mostra possível vislumbrar na referida lei um pensamento legislativo que tenha pretendido excluir da assinatura electrónica individual os documentos contidos num ficheiro PDF, não podendo o intérprete distinguir onde a lei não distingue, uma vez que tem de presumir que o legislador soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, como se prevê no art.º 9.º do CC.

    3. Em consequência, deverá ser uniformizada jurisprudência nos termos constantes da decisão proferida no acórdão fundamento, no sentido de que “a submissão de uma proposta num ficheiro em formato PDF assinado digitalmente que agrupou vários documentos autónomos não assinados electronicamente, não cumpre a exigência da assinatura individualizada de cada documento que a constitui, sendo essa não assinatura de cada um dos documentos que integra a proposta causa de exclusão desta”.

    […]».

  6. Não foram produzidas contra-alegações Cumpre apreciar e decidir II – FUNDAMENTAÇÃO 1. De facto Remete-se para a matéria de facto dada como provada nos acórdãos alegadamente em contradição, a qual aqui se dá por integralmente reproduzida nos termos do artigo 663.º, n.º 6, do CPC.

  7. De Direito 3.1. Da admissibilidade do recurso 3.1.1.

    O presente recurso para uniformização de jurisprudência foi interposto pelo Ministério Público ao abrigo do disposto no n.º 7 do artigo 152.º do CPTA e, por isso, não tem qualquer influência na decisão da causa, visando exclusivamente, como se afirma naquele preceito do CPTA, a emissão de um acórdão de uniformização sobre o conflito da jurisprudência.

    3.1.2.

    Porém, este recurso tem igualmente como pressuposto do exercício do poder de uniformização da jurisprudência que exista uma efectiva contradição entre o decidido nos acórdãos que são indicados como estando em contradição entre si quanto à decisão da mesma questão fundamental de direito.

    Importa, por isso, antes de mais, verificar se ocorre a invocada contradição entre o decidido por este STA em 8 de Abril de 2021 e o decidido no acórdão que foi proferido também por este STA em 27 de Setembro de 2018, no processo n.º 0322/16.9BEFUN 0464/18 (acórdão fundamento), que já transitou em julgado.

    Lembre-se que os requisitos de admissibilidade do recurso para uniformização de jurisprudência são os seguintes: i. que exista contradição entre acórdãos do TCA ou entre um acórdão de um TCA e um acórdão anterior do STA ou ainda entre acórdãos do STA; ii. que essa contradição recaia sobre a mesma questão fundamental de direito; iii. que se tenha verificado o trânsito em julgado do acórdão impugnado e do acórdão fundamento; iv. que não exista, no sentido da orientação perfilhada no acórdão impugnado, jurisprudência mais recentemente consolidada no STA.

    Acresce que se mantêm os princípios que vinham da jurisprudência anterior (da LPTA) segundo os quais: i. para cada questão relativamente à qual se alegue existir oposição deve o recorrente eleger um e só um acórdão fundamento; ii. só é figurável a oposição em relação a decisões expressas e não a julgamentos implícitos; iii. é pressuposto da oposição de julgados que as soluções jurídicas perfilhadas em ambos os acórdãos - recorrido e fundamento - respeitem à mesma questão fundamental de direito, devendo igualmente pressupor a mesma situação fáctica; iv. só releva a oposição entre decisões e não entre a decisão de um e os fundamentos ou argumentos de outro.

    (cfr.

    entre muitos outros o acórdão STA Pleno de 20 de Maio 2010 no proc. 0248/10).

    Assim, entende-se que é a mesma a questão fundamental de direito quando: i. as situações fácticas em ambos os arestos sejam substancialmente idênticas, entendendo-se, como tal, para este efeito, as que sejam subsumidas às mesmas normas legais; ii. o quadro legislativo seja também substancialmente idêntico, o que sucederá quando seja o mesmo o regime jurídico aplicável ou quando as alterações legislativas a relevar num dos acórdãos não interfiram, nem directa nem indirectamente, na resolução da questão de direito controvertida.

    Atenta a complexidade destes requisitos o legislador impõe, além do mais, que na petição do recurso sejam identificados, de forma precisa e circunstanciada, os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada – n.º 2 do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.

    3.1.3.

    O Recorrente MP entende que é a mesma questão fundamental de direito que foi tratada nos dois arestos, identificando-a com o problema de saber se o artigo 54.º, n.º 5 da Lei n.º 96/2015 exige que todos e cada um dos documentos de uma proposta inserida em plataforma electrónica tenham de ser assinados electronicamente de forma individual.

    Na factualidade subjacente ao acórdão proferido nestes autos estava em causa a legalidade da proposta em que a submissão de diversos documentos tinha sido efectuada através de um único ficheiro/documento em suporte PDF, no qual se havia aposto uma assinatura electrónica, tendo sido considerado que a proposta assim apresentada cumpria as exigências do artigo 54.º da Lei n.º 96/2015 e era por isso válida, inexistindo fundamento para a respectiva exclusão nos termos da alínea l) do n.º 2 do artigo 146.º do CCP.

    Já na factualidade subjacente ao acórdão fundamento estava igualmente em causa a submissão de uma proposta em que todos os documentos integravam um único ficheiro PDF, com assinatura aposta na primeira página, mas aí decidiu-se, em linha com jurisprudência anterior deste Supremo Tribunal Administrativo, expressamente indicada no texto da decisão que, para cumprir o disposto no artigo 54.º da Lei n.º 96/2015, era necessário que cada um dos documentos fosse assinado electronicamente, não bastando a assinatura do ficheiro ou pasta em que os mesmos estivessem contidos, agrupados ou compactados.

    Resulta evidente, portanto, que estão reunidos os pressupostos legais para a admissão do presente recurso para uniformização de jurisprudência, tendo em conta que, perante uma factualidade idêntica, na vigência do mesmo quadro legislativo e subsumindo os factos ao mesmo direito, as decisões indicadas divergiram quanto à interpretação jurídica a dar, desde logo, ao disposto no artigo 54.º da Lei n.º 96/2015.

    3.2. Da correcta interpretação do direito 3.2.1.

    A divergência entre os julgados centra-se numa diferente interpretação normativa do disposto no artigo 54.º, n.º 5 da Lei n.º 96/2015, de 17 de Agosto que sucedeu ao disposto no artigo 27.º da Portaria n.º 701-G/2008, de 29 de Julho, cujo teor passamos a transcrever: Artigo 54.º da Lei n.º 96/2015 Assinaturas eletrónicas 1 - Os documentos submetidos na plataforma eletrónica, pelas entidades adjudicantes e pelos operadores económicos, devem ser assinados com recurso a assinatura eletrónica qualificada, nos termos dos n.ºs 2 a 6.

    2 - Os documentos elaborados ou preenchidos pelas entidades adjudicantes ou pelos operadores económicos devem ser assinados com recurso a certificados qualificados de assinatura eletrónica próprios ou dos seus representantes legais.

    3 - Os documentos eletrónicos emitidos por entidades terceiras competentes para a sua emissão, designadamente, certidões, certificados ou atestados, devem ser assinados com recurso a certificados qualificados de assinatura eletrónica das entidades competentes ou dos seus titulares, não carecendo de nova assinatura por parte das entidades adjudicantes ou do operador económico que os submetem.

    4 - Os documentos que sejam cópias eletrónicas de...

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