Acórdão nº 02083/20.8BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 25 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelANA PAULA PORTELA
Data da Resolução25 de Novembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na secção do Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO: 1. A SPMS - SERVIÇOS PARTILHADOS DO MINISTÉRIO DA SAÚDE, EPE vem interpor recurso jurisdicional de revista para este STA, nos termos do art. 150º CPTA, do acórdão do TCAS, de 02.06.2021, que concedeu provimento ao recurso interposto por A……………………., L.DA, revogando a sentença de 02.02.2021 do TAC de Lisboa – que julgara improcedente a ação administrativa urgente de contencioso pré-contratual para condenação à prática de ato administrativo de adjudicação, e quanto ao pedido de condenação, julgara ainda extinta a instância por impossibilidade superveniente da lide, nos termos do art. 277º, al. e) do CPC ex vi do art. 35º, nº 1, do CPTA - e, em substituição, condenou a ora Recorrente a adjudicar a proposta da Autora, ora Recorrida, sem prejuízo da aplicação do disposto no artigo 45.º do CPTA.

  1. Nos presentes autos são contra-interessadas as sociedades B……….., Lda e C……………………, Lda.

  2. Para tanto, alegou em conclusão: “O recurso interposto deve ser admitido e proceder, porquanto: “1.(...) 6. O acórdão recorrido padece de erros de julgamento por três ordens de razões… 7. Primeiro, o ato administrativo impugnado encontra-se devidamente fundamentado, nos termos do artigo 153.º do CPA, conforme resulta da Informação n.º 0870/DAG-UAP/2020, de 2 de dezembro de 2020, cujo texto foi transcrito no facto provado G).

  3. Resulta dessa Informação que “[a] eclosão e desenvolvimento da pandemia de Covid 19 em Portugal determinaram, como referido, o cancelamento de todos os eventos anteriormente planeados e a desistência da realização de novos eventos, até porque a mesma se mostraria inviável, atentas as condicionantes resultantes das diretrizes da DGS e mesmo as regras e limitações impostas à realização de eventos que impliquem a concentração de pessoas no mesmo local.” (pp. 16 e 17 do acórdão recorrido, sem destaque no original).

  4. Assim, a fundamentação é claramente suficiente, porque do contexto em que foi praticado o ato e considerando os motivos identificados no mesmo, é possível a um destinatário normal apreender as justificações apresentadas, as quais resultam, em todo o caso, de senso comum e conhecimento público e notório.

  5. Ao assim não entender, o acórdão recorrido viola as disposições conjugadas dos artigos 79.º, n.º 2 do CCP e 153.º, n.º 1 do CPA.

  6. Segundo, a factualidade aditada pelo Tribunal Central Administrativo Sul (factos provados H) a M) do acórdão recorrido) não permite extrair a inexistência de perda do interesse da entidade adjudicante. Com efeito, os dois pressupostos aplicativos do artigo 79.º, n.º 1, alínea d) do CCP encontram-se preenchidos.

  7. Por um lado, como o Tribunal a quo bem considerou, a pandemia e a declaração do estado de emergência são posteriores à decisão de contratar e à apresentação de propostas, e, consequentemente, são “circunstâncias supervenientes em relação à decisão de contratar” (cf. ponto II do sumário do acórdão recorrido), quer do ponto de vista objetivo, quer do subjetivo.

  8. Por outro lado, e ao invés do que se decidiu no acórdão recorrido, verifica-se que a limitação de realização de eventos presenciais, decorrente da pandemia COVID-19, foi determinante para deixar de se verificar um dos pressupostos que motivou a decisão de contratar deste procedimento, a saber: a necessidade aquisitiva.

  9. Ora, se não pode haver eventos presenciais para transmitir em livestreaming na internet, não há, obviamente, qualquer necessidade de adquirir tais serviços.

  10. É totalmente irrelevante, para o efeito, que a SPMS tenha promovido eventos online (indicados no facto provado I.), porque para a realização de um webinar não é sequer necessária a contratação de um prestador de serviços externo, visto que as plataformas em que aqueles são realizadas são de acesso público, não sendo necessária a aquisição de qualquer trabalho especializado. É igualmente insignificante a promoção dos procedimentos, e celebração dos contratos, identificados nos factos provados J) a M), porque os mesmos foram desenvolvidos pela SPMS, nos termos do Decreto-Lei n.º 19/2010, de 22 de março, ao abrigo de um contrato de mandato administrativo, “para a Direção Geral da Saúde”.

  11. Ao assim não entender, o acórdão recorrido faz errada aplicação do Direito aos factos provados dele retirando conclusões que os mesmos não consentem e viola o referido artigo 79.º, n.º 1, alínea d) do CCP.

  12. Terceiro, ainda que se entendesse que a fundamentação do ato administrativo é insuficiente, como decidiu o Tribunal a quo – o que não se concede –, tal deveria ter conduzido à mera anulação do ato administrativo impugnado, em função do efeito constitutivo da decisão judicial de anulação. A reconstituição da situação hipotética atual ao abrigo do artigo 173.º do CPTA não significa que a entidade adjudicante deva ser condenada, sem mais, a adjudicar a proposta da ora Recorrida.

  13. Com efeito, nesse caso, deveria ser conferida a possibilidade de a SPMS praticar um novo ato de não adjudicação devidamente fundamentado ou, ainda que assim não fosse, deveria condenar-se a SPMS a retomar o procedimento na fase procedimental em que o mesmo se encontrava aquando da decisão de não adjudicação, a saber, em fase de apreciação da pronúncia apresentada e de elaboração de um novo relatório final, nos termos do artigo 148.º, n.º 2 do CCP, uma vez que ainda fora apreciada a audiência prévia apresentada pela Contrainteressada.

  14. Ao assim não entender, condenando a entidade demandada a adjudicar a proposta da Recorrente, o acórdão recorrido viola os artigos 173.º, n.º 1 do CPTA e 148.º, n.º 2 do CCP.

    Nestes termos, e nos melhores de Direito, sempre com o douto suprimento de V. Ex.as, deve o presente recurso de revista ser admitido e julgado procedente e, em consequência, o acórdão recorrido revogado e substituído por outro que:

    1. Julgue totalmente improcedente a ação proposta pela Autora, ora Recorrida, ou, se assim não se entender, b) Julgue a ação apenas parcialmente procedente, limitando-se a anular a decisão de não adjudicação e a revogação da decisão de contratar.” 3. A Recorrida, A…………………………., LDA., deduziu Contra-Alegações, concluindo: “A) - Quanto à inadmissibilidade do recurso de revista (...) B) Quanto ao mérito do recurso XXIII. O Acórdão recorrido não merece qualquer censura.

    1. No caso em apreço, veio a Recorrida justificar o recurso à causa de não adjudicação prevista na al. d) do nº 1 do artigo 79º do CCP, com o seguinte fundamento: “é evidente que a realidade existente à data da decisão de contratar se alterou por completo, por razões alheias e imprevisíveis à Entidade Adjudicante, afetando os pressupostos da decisão de contratar, na medida em que, na ausência de eventos, a necessidade que se visava satisfazer com a celebração do contrato, consubstanciada na sua transmissão em livestreaming, pura e simplesmente, desapareceu.” XXV. Ora, é desde logo notório que não resultam da decisão de não adjudicação quais os eventos que em concreto foram cancelados pela Recorrida, por força da eclosão e desenvolvimento da pandemia de Covid 19.

    2. A decisão da Recorrida de não adjudicação, alegadamente motivada pelo cancelamento/desistência de eventos, por força da pandemia Covid 19, é manifestamente genérica, vaga e simplista, no que toca à enunciação/especificação dos eventos que a Recorrida alegadamente cancelou/desistiu, e para os quais necessitou, outrora, de adquirir serviços em livestreaming.

    3. Não é possível, avaliar se a Recorrida perdeu de facto o interesse em contratar em virtude da eclosão e desenvolvimento da pandemia Covid 19, na medida em que a mesma não especifica na decisão de não adjudicação proferida, quais os eventos que em concreto foram cancelados pela Recorrida, de forma à Recorrente e ao Tribunal poderem fiscalizar se de facto tais eventos foram mesmo cancelados pela Recorrida, e se os serviços de transmissão em livestreaming de tais eventos não foram adjudicados a outras entidades, por forma a concluir-se pela perda do interesse em contratar por parte da Recorrida.

    4. Na decisão de não adjudicação proferida, não logra assim a Recorrente substanciar os termos em que os eventos supervenientes à decisão de contratar, da pandemia e do estado de emergência, se repercutiram na sua atividade ou conduziram a uma perda do interesse em contratar.

    5. Comprovando-se a verificação de circunstâncias novas e supervenientes, que não existiam à data de abertura do procedimento, não se mostra comprovado que essas circunstâncias ponham em causa os pressupostos da decisão de contratar ou que sejam a causa da perda do interesse em contratar ou que, tão pouco, impossibilitem a adjudicação.

    6. Não só a Recorrente não logrou concretizar factualmente a alegação vaga e genérica que aduziu para fundamentar a decisão de não adjudicação, como se mostra demonstrada factualidade demonstrativa da continuação durante todo o ano de 2020 de múltiplos eventos promovidos pela Recorrente e a abertura de um novo procedimento com um objeto parcialmente semelhante ao que foi revogado (Veja-se o facto M) do elenco dos factos dados como provados).

    7. Em face do dever de adjudicação, previsto no artigo 76.º, n.º 1 do CCP, e das cláusulas típicas de não adjudicação previstas nas várias alíneas do artigo 79.º do CCP, não pode a entidade adjudicante limitar-se a uma alegação vaga e pouco concretizada para fundamentar a decisão de não adjudicação e da revogação da decisão de contratar, sob pena de ilegalidade.

    8. Estando em causa uma exceção ao dever de adjudicar, a sua convocação tem de ser devidamente fundamentada do ponto de vista material, pois está em causa saber se se verificam as circunstâncias invocadas pela entidade adjudicante que possibilitam não adjudicar.

    9. Nestes termos, quer porque a Recorrente não explicitou ou concretizou devidamente a decisão de não adjudicar, sob uma alegação sucinta e simplista de razões, quer porque se mostra demonstrada factualidade que não permite...

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