Acórdão nº 0648/20.7BELRA de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 25 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelCLÁUDIO RAMOS MONTEIRO
Data da Resolução25 de Novembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACORDAM NA SECÇÃO DO CONTENCIOSO ADMINISTRATIVO DO SUPREMO TRIBUNAL ADMINISTRATIVO I. Relatório 1.

A…………, SA. - identificada nos autos – recorreu para este Supremo Tribunal Administrativo, nos termos do artigo 150.º do CPTA, do Acórdão do Tribunal Central Administrativo do Norte (TCAN), de 25 de maio de 2021, que negou provimento ao recurso que havia interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) do Porto, Juízo de Contratos Públicos, de 4 de março de 2021, que, no âmbito da ação de contencioso pré-contratual que propôs contra o MUNICÍPIO DE AVEIRO, B…………, SA e C…………, SA, julgou procedente a exceção de falta de interesse em agir, absolvendo a entidade demandada e os contrainteressados da instância.

  1. Nas suas alegações, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: «I. Em primeira instância, o juízo de Contratos Públicos do TAF do Porto decidiu, em sentença, que a demandante carecia de interesse em agir porquanto «[...] assistindo à Entidade Demandada a possibilidade de abertura de novo procedimento pré contratual com o mesmo objeto na modalidade de ajuste direto ao abrigo do nº 3 do art. 24.º do CCP, a A. já não poderia sequer ser convidada, pois que a sua proposta no procedimento em causa nos autos não foi apenas com fundamento no art. 70.º, n.º 2 do CCP como também do art. 146.º, n.º 2 al. l) do CCP. […]», tendo o tribunal apreciado, a título incidental, a causa de exclusão do artigo 146.º, n.º 2, al. l) do CCP, no sentido da improcedência do pedido de revogação da decisão de exclusão, quanto a esse ponto, e nessa medida, fazer proceder a exceção de falta de interesse em agir.

    II. Decisão essa da qual interpôs recurso na qual contrapôs a decisão do Tribunal de manter a exclusão com fundamento no artigo 146.º, n.º 2, al. l) do CCP, o que, em consequência, e no sentido da decisão proferida em primeira instância, asseguraria o interesse em agir da demandante, permitindo prosseguir a ação.

    III. Sucede que, lamentavelmente, o Tribunal recorrido vai mais longe na sua interpretação afirmando que, como acima citado, «[…] a procedência da pretensão anulatória da deliberação de 02.7.2020 da Câmara Municipal de Aveiro, na parte em que admitiu a proposta da contrainteressada e adjudicou a esta o contrato, nunca traria qualquer vantagem, direta ou indireta, para a esfera jurídica da Recorrente […]», restringindo, no essencial, o interesse em agir dos impugnantes em processo de contencioso pré-contratual que tenham a possibilidade de obter a adjudicação no próprio procedimento pré-contratual. E assim sendo, o Tribunal recorrido nem sequer se pronunciou quanto ao mérito, de fundo, do recurso interposto.

    IV. Pelo que a questão central sub judice é essencialmente aferir se os concorrentes no procedimento pré-contratual, excluídos apenas com fundamento no artigo 70.º n.º 2 do Código dos Contratos Públicos, em procedimento que admita o ajuste direto por critério material do artigo 24.º em caso de exclusão de todas as propostas, possuem interesse em agir quanto à impugnação da decisão que admite as propostas dos demais concorrentes e efetua a respetiva adjudicação.

    V. Além do mais, face à delimitação do objeto do recurso parece-nos evidente que esta questão preenche os requisitos de admissibilidade do recurso de revista nos termos do artigo 150.º do CPTA.

    VI. Os procedimentos pré-contratuais têm a sua tramitação regida pelo disposto no Código dos Contratos Públicos, que decorre da transposição das Diretivas da Contratação Pública.

    VII. O princípio da concorrência, subjacente a todo o direito da contratação pública tem a importância maior em todo o sistema, sendo até um corolário inerente à própria construção do mercado interno na União Europeia, assente nos Tratados (designadamente os artigos 101.º e seguintes do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia), aos quais o Estado Português se vinculou.

    VIII. Além de que a Diretiva 2014/24/UE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 26 de fevereiro de 2014, que dispõe no seu artigo 18.º que «[…] As autoridades adjudicantes tratam os operadores económicos de acordo com os princípios da igualdade de tratamento e da não-discriminação e atuam de forma transparente e proporcionada. […]».

    IX. Pelo que, ao estar em causa uma situação de igualdade entre concorrentes, na medida em que o concorrente, excluído, fica sem quaisquer meios de garantir o tratamento em condições de absoluta igualdade entre todos os concorrentes, viola-se os princípios da igualdade e da concorrência.

    X. Motivo pelo qual está em causa uma questão com relevância jurídica ou social, que se reveste de importância fundamental.

    XI. Isto para não dizer que se mostra essencial a uma boa aplicação do direito, sob pena de provocar o incumprimento, por parte do Estado Português, das normas previstas no Direito da União Europeia com as respetivas consequências.

    XII. Diga-se ainda, que tem existido divergência quanto à questão em causa tendo sido proferida decisão, em sentido totalmente oposto, pelo Tribunal Central Administrativo Sul, no âmbito do processo n.º 927/20.3BELRA, e também um conjunto alargado de decisões do TJUE e de doutrina que apoiam a interpretação contrária ao do acórdão recorrido, sendo necessária uma decisão do STA que assegure a boa aplicação do direito.

    XIII. Segundo Antunes Varela, J. Miguel Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 1985, pág. 179, o interesse em agir «[…] consiste na necessidade de usar do processo, de instaurar ou fazer prosseguir a acção».

    XIV. Na mesma linha, Miguel Teixeira de Sousa, Reflexões sobre a legitimidade das partes em processo civil, in Cadernos de Direito Privado n.º 1, Janeiro/Março de 2003, pág. 6, escreveu que «[…] o interesse […] em agir só existe quando a parte puder retirar alguma utilidade da tutela jurisdicional requerida. […]».

    XV. Tal como sufragado no acórdão do TCA Sul no âmbito do processo 927/20.3BELRA «[…] A interpretação do artigo 55.º n.º 1, al. a), do CPTA - o qual exige a alegação de um interesse direto, tem de ser conforme com o direito da União Europeia, concretamente com o que se dispõe na Diretiva Recurso relativa aos sectores comuns [Directiva 89/665/CEE do Conselho de 21 de Dezembro de 1989 - que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos procedimentos de recurso em matéria de celebração dos contratos de direito público de fornecimentos e de obras -, alterada pela Directiva 92/50/CEE do Conselho de 18 de Junho de 1992, pela Directiva 2007/66/CE do Parlamento Europeu e do Conselho de 11 de Dezembro de 2007 e pela Directiva 2014/23/UE do Parlamento Europeu e do Conselho de 26 de Fevereiro de 2014], tal como interpretada pelo Tribunal de Justiça. […]». Ora, o Tribunal de Justiça no acórdão de 4/07/2013, proc. n.º C-100/12 (Fastweb), declarou o seguinte: «[…] O artigo 1.°, n.° 3, da Diretiva 89/665/CEE do Conselho, de 21 de dezembro de 1989, que coordena as disposições legislativas, regulamentares e administrativas relativas à aplicação dos processos de recurso em matéria de adjudicação dos contratos de direito público de obras e de fornecimentos, conforme alterada pela Diretiva 2007/66/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 11 de dezembro de 2007, deve ser interpretado no sentido de que, no âmbito de um processo de recurso, caso o adjudicatário, ao qual o contrato foi adjudicado e que interpôs um recurso subordinado, suscite uma exceção de inadmissibilidade baseada na falta de legitimidade do proponente que interpôs o recurso com o fundamento de que a proposta que este apresentou devia ter sido excluída pela entidade adjudicante por não ser conforme com as especificações técnicas definidas no caderno de encargos, esta disposição se opõe a que o referido...

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