Acórdão nº 5/07.0BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 25 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelPATRÍCIA MANUEL PIRES
Data da Resolução25 de Novembro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

I-RELATÓRIO O DIGNO REPRESENTANTE DA FAZENDA PÚBLICA (doravante Recorrente ou DRFP), com os demais sinais nos autos, veio interpor recurso jurisdicional da sentença proferida pelo Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou procedente a impugnação judicial deduzida contra o ato de indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada do ato de autoliquidação de IRC nº 2005.2910283385, referente ao exercício de 2004, no montante de €447.809,97.

A Recorrente veio apresentar as suas alegações, formulando as conclusões que infra se reproduzem: “A. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial à margem identificada, deduzida pelo B. P., S.A., NIPC 98.., contra o ato de indeferimento tácito da reclamação graciosa apresentada do ato de autoliquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas («IRC») n.º 2005. 2005.2910283385, referente ao exercício de 2004, no montante de € 447.809,97.

  1. Dos factos provados, deveria constar provado que a Impugnante não reclamou da autoliquidação de 2003, conforme referido no art.37.º da Contestação, apresenta-se de enorme relevância, por demonstrar que a Impugnante não exerceu o seu respetivo direito de reclamação contra o ato devido, e em respeito pelo princípio da especialização dos exercícios, nos termos do art.18.º do CIRC.

  2. Na douta sentença, de que ora se recorre, julgando tratar-se de uma duplicação de proveitos, e consequentemente duplicação de IRC, assente num erro informático detetado em 2004, após o encerramento das contas de 2003, que é motivo justificador para corrigir no ano de 2004, o Tribunal a quo, julgou procedente, por provada, a impugnação, determinando a anulação da liquidação de IRC do ano de 2004, na parte em que desconsiderou como custo o montante de € 288.978,58.

  3. Não pode a Fazenda Pública, com o devido respeito, que é muito, conformar-se com o assim decidido, por ser seu entendimento que, in casu, a liquidação de IRC do ano 2004, na parte em que desconsiderou como custo do montante de € 288.978,58, não padecerem do enquadramento legal que lhes vem apontado pela sentença recorrida, designadamente, face à correção dos proveitos contabilizados em duplicado no ano de 2003, não se vislumbra onde possa a Impugnante requerer uma diminuição do resultado fiscal do exercício de 2004, tendo em consideração que o procedimento foi o correto e o respeito pelo princípio da especialização dos exercícios, previsto no art.18.º do CIRC.

  4. Quanto à duplicação de proveitos relativos a juros assenta num erro informático na migração de registos contabilísticos, e atento o trilho percorrido na sentença, o Tribunal a quo considerou como líquido a existência de um erro informático na migração de registos contabilísticos, designadamente do método “faz-desfaz” e que sobre as divergências e insuficiência de elementos apontadas pela AT aos elementos contabilísticos, era à AT que competia a respetiva correspondência entre o teor da contabilidade e a realidade, assim como as respetivas diligências e apuramento das insuficiências.

  5. Conforme referido em sede de contestação, vulgo art.38.º e seguintes, os extratos de conta corrente do ano de 2003, das diversas subcontas da classe 8, verifica-se que não é possível confirmar a contabilização em duplicado dos proveitos, espelham insuficiência de informação que não permitem confirmar os valores reclamados pela Impugnante, de forma clara, direta e simples, a. Os extratos não têm títulos, pelo que não se sabe a que corresponde cada coluna; b. Os lançamentos têm todos os mesmos códigos, não sendo possível individualizar os lançamentos, sendo diferenciados apenas no valor lançado, que muitas vezes coincide com outros; c. Nos extratos de conta corrente são identificados os valores que a Impugnante diz não terem sido anulados, contudo, não é percetível a forma como se chega a esta conclusão; d. A Impugnante apenas apresenta os extratos de conta corrente das subconta da classe 8, não se sabendo qual foi a contrapartida destes movimentos; e. Assim não demonstra que o proveito foi contabilizado em duplicado, pois nada garante que a contrapartida dos valores que diz não terem sido anulado não foi uma conta de custos; G. Atenta as incongruências apontadas pela AT, que subjazem a uma efetiva e real correspondência sobre os valores apresentados e a desconformidade dos mesmos, por falta de imputação direta, não se pode aceitar a simples invocação dos art.58.º da LGT e art.100.º do CPPT, acusando de insipiente a atuação da AT, para aceitar como verdadeiras e suficientes os elementos apresentados pela Impugnante.

  6. Pelo contrário, não olvidando as prerrogativas da AT, importa atentar que em sede judicial, vigoram os poderes inquisitórios do Tribunal, para oficiosamente diligenciar o que achar necessário para descobrir a verdade material, designadamente sobre o que as partes tragam ao processo e que se verifique uma necessidade de mais diligências.

    I. Realce-se, que do ora aduzido, não está em causa a existência ou não do erro informático, e a sua respetiva explicação assente na informatização da contabilização do juro, mas antes a questão dos elementos dos autos não espelharem os valores derivados da duplicação de proveitos.

  7. Ora, importa gizar que a apreciação jurisdicional tem de considerar os sintomas de verdade numa determinada situação, em respeito pela tutela jurisdicional e verdade material, recorrendo ao princípio da inquisitório sempre que necessário, independentemente dos cânones do ónus da prova, e em qualquer situação de facto, em que por vezes a prova recolhida não é plena e inabalável, o que obriga a uma apreciação global e conjugação de todos os elementos disponíveis, e sempre novas diligências, designadamente indiciária.

  8. No caso dos autos, a decisão jurisdicional não pode ficar refém dos elementos dos autos, designadamente, quando assim existem indícios que ofuscam a verdade material, como por exemplo repetição de códigos, extratos sem títulos, desconhecimento de contrapartida de movimentos da conta corrente, deve lançar mão das suas ferramentas, designadamente, do seu poder oficioso de encetar todas as diligências que considere pertinentes, ao abrigo do princípio do inquisitório, como por exemplo, pedir novos esclarecimentos concretizadores sobre a situação de facto à contabilidade da sociedade, e no limite a intervenção oficiosa de peritos.

    L. Assim, pensamos que melhor teria andado, em respeito por no contencioso tributário vigorar o princípio do inquisitório (e da investigação), segundo o qual o tribunal deve realizar ou ordenar oficiosamente todas as diligências que se lhe afigurem úteis para conhecer a verdade relativamente aos factos alegados ou de que oficiosamente pode conhecer, nos termos do artigo 99º da LGT e artigo 13º do CPPT.

  9. Quanto à questão em torno do princípio da especialização dos exercícios, em suma, entendemos que o Tribunal a quo incorreu em erro na sua interpretação deste princípio à luz da situação em apreço, assim como da aplicação do disposto no art.131.º do CPPT.

  10. De acordo com o princípio da especialização dos exercícios, os proveitos e custos, assim como outras componentes positivas ou negativas do lucro tributável, são imputáveis ao exercício a que digam respeito (artigo 18.º, n.º 1 do CIRC).

  11. Aquele princípio vale assim para os casos em que os custos são contabilizados num exercício, mas em que a despesa efetiva só é suportada noutro, como para os casos em que o ganho ainda que contabilizado num exercício, só é, de facto, recebido noutro.

  12. Ora em tais situações, em que existe desencontro entre a contabilização dos custos e dos proveitos e a sua efetiva concretização, a Lei ordena que os mesmos sejam contabilizados à medida que sejam obtidos e suportados, e não à medida que o respetivo recebimento ou pagamento ocorram.

  13. O Ilustre Tribunal a quo incorreu, com a devida vénia, em erro de julgamento, porquanto, a Impugnante não poderia ter corrigido no exercício de 2004, como o fez, mas antes deveria ter lançado mão do mecanismo previsto art.131.º do CPPT, ou seja, a impugnação da autoliquidação de IRC de 2003, com prévia apresentação de reclamação graciosa.

  14. Conforme decorre dos factos provados D), a alegada duplicação de proveitos terá ocorrido com a primeira migração de registos contabilísticos datada de 03.11.2003, que não anulou a periodificação de juros do dia imediatamente anterior, pelo que, para os devidos efeitos, a duplicação de proveitos aconteceu em 03.11.2003.

  15. Atento o disposto no art.18.º do CIRC e o princípio da especialização dos exercícios, considerando que a duplicação de proveitos aconteceu no ano 2003, o ato que deve ser corrigido é o exercício de 2003, e considerando que já teria ocorrido o encerramento de contas, a Impugnante teria que reclamar graciosamente da liquidação de IRC de 2003, e caso não fosse atendida a sua pretensão, vir subsequentemente, impugnar a referida liquidação à luz do previsto no art.131.º do CPPT.

  16. Desde logo, porque essa é a base da previsão legal da instituição do art.131.º do CIRC, para situações em que o sujeito passivo deteta a existência de um erro, quer nos factos em que assentou a liquidação, quer na aplicação das normas legais respetivas.

  17. Portanto, atento o referido quando ao previsto nos art.18.º do CIRC e art.131.º do CPPT, entendemos que mal andou o Tribunal a quo, na justificação de que o erro informático não poderia ser corrigido e que a Impugnante ficaria prejudicada em benefício da AT, sendo certo, que o referido erro, vertido numa duplicação de proveitos em 2003, corrigia-se com a reclamação da autoliquidação de 2003, e caso esta não fosse atendida, com a respetiva impugnação judicial, nos termos do art.131.ºCPPT.

    V. Se a lei prevê este mecanismo, da correção em 2003, então deixa de fazer sentido a regularização efetuada pela Impugnante em 2004, porque deixa de estar açambarcada pela exceção do princípio da especialização dos exercícios para situações de...

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