Acórdão nº 020/21.1BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 24 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução24 de Novembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório FUNDO DE PENSÕES ……….

, representado pela sociedade gestora Z………………….., S.A.

, melhor identificados nos autos, vem, nos termos do n.º 1 do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), aplicável ex vi n.º 2 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributária — “RJAT”), com a alteração introduzida pela Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro, interpor recurso de uniformização de jurisprudência para o Pleno do Contencioso Tributário do STA, da decisão arbitral proferida no processo n.º 763/2019-T, de 30/12/2020, do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em que é Recorrida a Autoridade Tributária e Aduaneira, invocando oposição entre a decisão arbitral anteriormente identificada e a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral com o nº 494/2017-T, de 27/06/2018, que se indica como fundamento.

Inconformada, formulou a recorrente Fundo de Pensões ………………, as seguintes conclusões: A. O recurso previsto no artigo 25.º, n.º 2 do RJAT não pode ser integralmente equiparado ao recurso previsto no artigo 152.º do CPTA, pois enquanto neste está em causa uma oposição entre duas decisões preferidas em recurso de decisões judiciais, no primeiro prevê-se um confronto entre uma dessas decisões e uma decisão de primeira instância (a decisão arbitral) ou entre duas decisões de primeira instância (duas decisões arbitrais).

  1. A teleologia do recurso por oposição entre duas decisões arbitrais é a de minimizar a possibilidade de coexistirem decisões opostas sobre a mesma questão de direito, pelo que não releva, na oposição entre duas decisões arbitrais, se existe ou não jurisprudência arbitral “constante e mais recente”.

  2. Assim, não se deve transpor para o recurso previsto no RJAT a vasta jurisprudência produzida no âmbito do CPTA, sem sopesar esta diferença.

  3. No presente caso encontram-se reunidos todos os pressupostos de admissibilidade do recurso à luz do artigo 25.º do RJAT e do regime contido no artigo 152.º do CPTA, na parte em que é aplicável ao recurso previsto no artigo 25.º do RJAT, verificando-se uma flagrante oposição da decisão arbitral recorrida com a decisão arbitral fundamento.

  4. A Decisão Recorrida e a Decisão Fundamento versam sobre situações fácticas substancialmente idênticas, que se podem resumir da seguinte forma: (i) Ambos os sujeitos passivos (o ora Recorrente e o Fundo Contribuinte) suportaram IVA a montante que consideraram ser dedutível face às respetivas operações tributáveis a jusante; (ii) Ambos os sujeitos passivos (o ora Recorrente e o Fundo Contribuinte) efetuaram várias deduções, correspondentes ao IVA suportado, em várias declarações periódicas; (iii) Em ambos os casos, a AT considerou que aqueles sujeitos passivos (o ora Recorrente e o Fundo Contribuinte) deduziram indevidamente o IVA; (iv) Em ambos os casos, a AT promoveu correções em sede de IVA àqueles sujeitos passivos (o ora Recorrente e o Fundo Contribuinte) relativas ao IVA deduzido nas diversas declarações periódicas respeitantes a períodos anteriores ao período sobre o qual incidiu a ação inspetiva; (v) Em ambos os casos, as correções deram origem a liquidações de IVA que foram notificadas aos sujeitos passivos (ao ora Recorrente e ao Fundo Contribuinte) mais de quatro anos após a data das declarações periódicas nas quais foi deduzido o IVA.

  5. Quer a Decisão Recorrida, quer a Decisão Fundamento foram proferidas num quadro legislativo substancialmente idêntico, que decorre de: (i) ter sido formulado o mesmo pedido – de anulação das liquidações adicionais de IVA com fundamento na caducidade do direito à liquidação, ao abrigo do disposto nos artigos 45.º, n.º 1 e n.º 3 da LGT e 98.º, n.º 1 e n.º 2 do Código do IVA; (ii) a AT ter invocado as mesmas normas para fundamentar a sua posição (os artigos 87.º, n.º 1 e 22.º, n.º 4 do Código do IVA); e (iii) a Decisão Recorrida e a Decisão Fundamento recorrerem à interpretação e aplicação do disposto no artigo 45.º, n.º 1 e n.º 3 da LGT.

  6. O quadro legal em que assentaram as decisões proferidas na Decisão Recorrida e na Decisão Fundamento é exatamente o mesmo.

    H.

    A Decisão Recorrida encontra-se em manifesta oposição com a Decisão Fundamento relativamente à mesma questão fundamental de Direito, a saber a contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação do IVA em caso de dedução indevida.

    I. Num e noutro casos, a aferição da caducidade do direito à liquidação parte da circunstância de a AT ter considerado indevidas as deduções de IVA realizadas em períodos anteriores.

  7. Num e noutro casos é analisada a compatibilização do disposto no artigo 87.º, n.º 1 do Código do IVA com a caducidade do direito à liquidação.

  8. Porém, partindo do mesmo regime normativo, a Decisão Fundamento e a Decisão Recorrida alcançam conclusões (e decisões) totalmente opostas.

    L. Com efeito, a Decisão Fundamento conclui que “[s]ubsumindo as normas atrás citadas que regulam o regime da caducidade do direito à liquidação, e em especial o nº 3 do artigo 45º da LGT, constatamos que o início da contagem do prazo para a determinação dos 4 anos referidos nos casos de dedução (devida ou indevida), é o da data da declaração em que ele foi exercido.

    ” (com negrito e sublinhado nossos).

  9. Em sentido oposto, a Decisão Recorrida conclui que: “há sempre que atender ao momento ou momentos do exercício efectivo do reporte, com o montante do crédito de imposto aí envolvido, para efeitos de aferição do prazo de caducidade da liquidação que incida sobre o IVA dedutível nos termos do n.º 3 do art. 45.º da LGT.

    Na verdade, mesmo que o direito à dedução tenha sido efectuado em períodos anteriores, o crédito de imposto objecto de reporte envolve a sua renovação nos períodos em que isso ocorre, conforme resulta do n.º 4 do art. 22.º do CIVA, pelo que, na medida em que a liquidação incida, no prazo de 4 anos a contar de cada declaração de reporte, sobre o montante do crédito que persista, ela exerce-se dentro do prazo de caducidade.

    Assim, nestes casos em que se trata do exercício de direitos creditórios pelo contribuinte, o que surge como relevante é a manifestação ou as manifestações de vontade do contribuinte no exercício do direito, pelo que o prazo de caducidade deve começar a contar a partir desse momento do exercício do direito (ou da sua renovação), com a entrega de cada pertinente declaração em que se exerce o direito à dedução ou crédito de imposto, em relação à qual se baliza o início do respectivo prazo de caducidade (vd. por analogia o acórdão do STA de 17.12.2008, proc. n.º 0695/08) e não a partir da exigibilidade do imposto ou do ano civil seguinte a esta.

    (…) Em suma, entende-se, com base no disposto no art. 22.º, n.ºs 4 e 5 do CIVA, conjugado com o art. 45.º, n.º 3 da LGT e o art. 98.º, n.º 2 do CIVA, que o facto relevante como dies a quo da contagem do prazo de caducidade de quatro anos respeitante à liquidação que tenha por objecto IVA dedutível é a data do exercício do direito à dedução ou do reporte do excesso de imposto dedutível verificado em períodos anteriores, pelo que, enquanto se mantiver e for invocado crédito de imposto ou pedido o reembolso, não se pode considerar extinguido o direito à liquidação relativo ao imposto dedutível.

    ” (com negritos e sublinhado nossos).

  10. Do exposto resulta que a Decisão Fundamento determina que o início da contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação para efeitos do artigo 45.º, n.º 1 e n.º 3 se verifica na data da declaração em que foi exercido efetivamente o direito à dedução.

  11. Em sentido oposto, a Decisão Recorrida considera que o início da contagem do prazo de caducidade do direito à liquidação para efeitos do artigo 45.º, n.º 1 e n.º 3 ocorre em cada momento em que o sujeito passivo exerce o direito à dedução ou vê renovado o direito à dedução (em várias declarações, ao longo do tempo).

  12. Esta contradição resulta particularmente evidenciada no Voto de Vencido do ILUSTRE CONSELHEIRO JORGE LOPES DE SOUSA, que presidiu ao Tribunal Arbitral que proferiu a Decisão Recorrida.

  13. O que traduz uma inegável contradição quanto à mesma questão fundamental de Direito.

  14. Termos em que deverá decidir-se pela existência da oposição entre a Decisão Recorrida e a Decisão Fundamento, com todas as demais e inevitáveis consequências, mormente a anulação da Decisão Recorrida e a sua substituição por outra que decida a questão controvertida nos moldes anteriormente pugnados na Decisão Fundamento pelo Tribunal Arbitral Coletivo em que foram árbitros o ILUSTRE CONSELHEIRO JOSÉ BAETA QUEIROZ, na qualidade de Presidente, e JOSÉ RAMOS ALEXANDRE e EVA DIAS COSTA, na qualidade de vogais, anulando-se a liquidação impugnada.

  15. Decidindo-se pela existência da contradição acima identificada, tal como é forçoso concluir, deve este Alto Tribunal anular a Decisão Recorrida e decidir a questão controvertida, anulando a liquidação impugnada, bastando para o efeito seguir a jurisprudência arbitral constante da Decisão Fundamento e a fundamentação do Voto de Vencido do ILUSTRE CONSELHEIRO JORGE LOPES DE SOUSA, reforçadas pela decisão arbitral proferida pelo Tribunal Arbitral Coletivo em que foram árbitros o ILUSTRE CONSELHEIRO JORGE LOPES DE SOUSA (na qualidade de Árbitro Presidente), FILIPA BARROS e ÁLVARO CANEIRA no processo n.º 929/2019-T, de 24.07.2020, e recente jurisprudência deste Supremo Tribunal no acórdão de 13.01.2021, no processo n.º 01848/16.0BELRS (num caso em tudo idêntico ao da Decisão Recorrida).

  16. Com efeito, constitui entendimento unânime que: (i) o prazo de caducidade do direito à liquidação é de quatro anos; (ii) este prazo de caducidade do direito à liquidação aplica-se independentemente de estar em causa uma dedução de IVA alegadamente indevida; (iii) este prazo de caducidade do direito à liquidação conta-se: a) da data em que o imposto se tornou exigível e nasceu o direito à dedução (aquando da...

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