Acórdão nº 01071/02.0BTLSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelANA PAULA PORTELA
Data da Resolução18 de Novembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: RELATÓRIO 1. A…………, S.A., que sucedeu à primitiva Autora B…………., S.A., em 24.06.2002, interpôs recurso contencioso de anulação da deliberação da Assembleia Municipal de Cascais de 29.04.2002, no TAF de Lisboa, «que declarou a nulidade do “Plano de Pormenor do Espaço de Estruturação Urbanística para o estabelecimento de uma Unidade Hospitalar e de Ensino Universitário de Tires».

2. Por sentença de 6.02.2005 foi proferida sentença, pelo 1º Juízo Liquidatário do TAF de Lisboa, que, com fundamento na procedência do vício de ilegitimidade ativa, rejeitou o recurso, por ilegalidade da sua interposição.

3. O Recorrente interpôs recurso para o STA, que, por acórdão de 23.11.2005 proferido no Proc. nº 871/05, concedeu provimento ao recurso jurisdicional, revogando a decisão recorrida, determinando o prosseguimento do recurso contencioso.

4. Remetidos os autos ao TAC de Lisboa, veio a ser proferida sentença, em 18.5.2010, que negou provimento ao recurso contencioso, mantendo o ato recorrido.

5. Inconformado, o Recorrente interpôs então recurso para este STA, ao abrigo do art. 26º, nº1, al. b) do DL 129/84 (ETAF84), na redação do DL. 229/96, de 29.11, ex vi do art. 2º da L. 13/2002 de 19.2., o qual veio a ser admitido.

6. Por acórdão de 11.10.2018 do STA foi declarada nula a sentença recorrida, determinando a baixa dos autos ao TAF de Lisboa para proferir nova sentença que se pronunciasse sobre todas as questões objeto do recurso jurisdicional.

7. Em cumprimento deste aresto, foi proferida sentença no TAC de Lisboa, em 27.09.2019, que negou provimento ao recurso contencioso de anulação, e manteve o ato de 29.04.2002, que havia declarado a nulidade do Plano de Pormenor do Espaço de Estruturação Urbanística para o Estabelecimento de uma Unidade Hospitalar e de Ensino Universitário, em Tires.

8. Inconformado, o Recorrente dela interpôs o presente recurso jurisdicional para o STA.

9. Uma vez admitido o recurso, por despacho de 21.10.2019, foi proferido o despacho de sustentação, em 14.01.2020, no qual foi manifestado o entendimento de não se verificação dos vícios assacados pelo Recorrente à sentença recorrida.

10. Tendo o recurso sido interposto para este STA, foi, no entanto, remetido ao TCAS, que por Despacho de 28.09.2020, se declarou incompetente, determinando a sua remessa para este STA.

11. O Recorrente deduziu as suas alegações, juntando 5 pareceres, e concluiu da seguinte forma: “1.ª A declaração de nulidade do Plano de Pormenor proclamada na deliberação impugnada foi erradamente assumida pelo Tribunal a quo como indiscutível, presumindo a sentença recorrida o acerto de tal declaração administrativa sem ter operado um verdadeiro controlo jurisdicional dos pressupostos da atuação subjacente e à margem de qualquer factualidade dada por assente que permita substanciar tal conclusão, não existindo nos autos factualidade provada que permita sustentar a ilegalidade do plano.

  1. Ao contrário do que parece ter sido pressuposto na decisão recorrida, de acordo com as regras de repartição do ónus da prova (arts. 342º e segts do Código Civil) não é exigível à ora recorrente o ónus de demonstrar que o Plano de Pormenor não é nulo, sendo antes à entidade recorrida que cabe demonstrar a afirmada nulidade provando que se verificaram os pressupostos de facto e de direito que lhe permitem agir com autoridade declarando a nulidade do Plano (cfr. Ac. STA de 24/11/99 no Proc. n.º 032434 e Acs de 26/01/2000 no Proc. n.º 037739 (Mário Torres) e de 24/01/2002 no Proc. 048154 (Santos Botelho), in www.dgsi.pt).

  2. Ao contrário do entendimento expresso na sentença recorrida, os poucos factos dados por assentes nos autos são incapazes de poder colocar em crise a legalidade do Plano de Pormenor, evidenciando, por isso, a ilegalidade da deliberação impugnada por falta de demonstração – no processo administrativo e no processo judicial – dos pressupostos que legitimariam uma tal atuação por parte do Município.

  3. A não se entender que do resultado dos factos provados se deva concluir pela plena validade e eficácia do Plano de Pormenor, por falta de prova legal em contrário (com a consequente ilegalidade da deliberação impugnada), deverá a matéria de facto apurada ser objeto de ampliação para permitir a boa decisão da causa, possibilitando ver decididas as questões de facto subjacentes à declaração de nulidade do Plano e cuja decisão parece ser pressuposta na sentença, não tendo sobre as mesmas sido produzida qualquer prova, nem foram identificadas pelo Tribunal a quo como questões a provar.

  4. Ao decidir pela improcedência dos erros imputados à deliberação impugnada no que concerne à afirmação de nulidade do Plano de Pormenor, abstendo-se de organizar especificação e questionário ou por qualquer forma abrir uma fase de instrução probatória nos termos do disposto no artigo 845.º do Código Administrativo, aplicável ex vi do artigo 24.º, al. a) da LPTA, a sentença impugnada violou o citado normativo e o direito da Recorrente à prova e à tutela judicial efetiva.

  5. A sentença recorrida não identifica concretamente os meios de prova que serviram de base à decisão dos diversos pontos de facto que alinha como provados, limitando-se com frequência a remeter em bloco para o instrutor, assim como não procede ao exame crítico das provas, em violação do que lhe é exigido pela lei de processo (v. art. 607.º, n.º 4 do CPC, anterior art. 659º, n.º 3) e com prejuízo para a impugnação da decisão de facto.

  6. A decisão de facto expressa na sentença recorrida revela-se insuficiente tendo o Tribunal a quo ignorado os factos alegados pela Recorrente nos artigos 5.º, 11.º a 19.º, 20.º, 23.º, 28.º e 34.º da p.i., factos esses que apresentam relevância para a decisão da causa de acordo com a solução plausível e que deveriam ter sido dados por assentes ou submetidos a instrução probatória.

  7. O julgamento de facto expresso sob a alínea H) do elenco dos factos provados na sentença recorrida, ao restringir a prova do alegado no artigo 32.º da p.i. (isto é, a alegação de que o parecer ali referido teria por objeto toda a área de intervenção do Plano), dando por assente que esse parecer foi dado (apenas) para a área do Hospital, enferma de erro, pois tal decisão não encontra apoio no parecer de 21.06.1999 comunicado por ofício RO 1546, de 29.06.1999 e confirmado em posterior ofício n.º 5772, de 17.03.2000, documentos que figuram a fls. 89 e 92 do Vol. IV do instrutor, devendo tal ponto de facto passar a corresponder ao alegado no citado artigo 32.º da p.i. com base nos apontados documentos.

  8. Se dúvidas porventura subsistissem sobre a prova da factualidade alegada no artigo 32.º da p.i. – e não existem –, designadamente quanto ao objeto ou à amplitude do parecer prestado por aquele órgão, deveria o Tribunal a quo ter sujeitado tal questão a instrução probatória apurando se a autorização em causa fora dada para toda a operação ou só para o hospital.

  9. O julgamento de facto expresso sob a alínea “M)” do elenco dos factos provados na sentença recorrida enferma de erro de julgamento ao afirmar como provado que o pedido de licenciamento foi requerido pelo Presidente da Câmara (e não pela Recorrente, como por esta foi alegado), não apresentando tal facto a menor correspondência com o documento de fls. 178 e 179 do Vol. I do processo instrutor, devendo tal ponto passar a ter a seguinte redação: “Em novembro de 2001, a Recorrente requereu à CM Cascais a aprovação e o licenciamento de uma operação de loteamento com obras de urbanização para os terrenos referidos em A) integrados na área de intervenção do Plano de Pormenor aprovado.- cfr. fls. 178 e 179 do Vol. I do processo instrutor”.

  10. Os autos evidenciam a existência de um conjunto de atos e formalidades que envolveram a aprovação do Plano de Pormenor (atos dos próprios órgãos do Município e de dezenas de entidades exteriores a este, designadamente, do Ministério do Ambiente) que permitem arredar qualquer juízo de invalidade que a entidade recorrida pretenda assacar ao citado Plano, antes fazendo impender sobre o mesmo uma verdadeira presunção de legalidade (e de conformidade com as disposições legais e regulamentares em vigor) resultante, designadamente, do registo do Plano na DGOTDU (cfr. PAULO OTERO, Loc. cit., págs. 24 a 29 e ANA ALVOEIRO DELGADO e ANA MARGARIDA CUNHA RIBEIRO, Ob. cit, pág. 221) e da reapreciação posteriormente feita por essa mesma entidade a pedido do Município e na qual se veio a concluir expressamente que “no que respeita à RAN, o seu regime jurídico foi respeitado pelo Plano de Pormenor (…) Relativamente à REN, o regime jurídico desta Reserva também foi salvaguardado (…) julga-se não haver desconformidade do Plano de Pormenor com o PDM (…) o Plano de Pormenor foi devidamente registado e publicado nos termos legais, pelo que não se vê que haja fundamentação para se dar sem efeito o registo do mesmo” – cfr. Doc. n.º 4 junto com a p.i. e alíneas U) e V) dos factos provados.

  11. Contrariamente ao pressuposto pelo Tribunal a quo, a afirmação de que o Plano de Pormenor é nulo por não respeitar o PDM de Cascais deve ser sindicada tendo presente que, de acordo com a lei (art. 101.º do DL 380/99, de 22 de set.) não são de haver como nulos os Planos de Pormenor cujas disposições apesar de discrepantes das estabelecidas em Planos Diretores Municipais sejam com estes compatíveis bastando para tanto que o PP não contrarie os princípios fundamentais consagrados no PDM, sendo certo que no caso em apreço o Plano de Pormenor constitui a própria execução das opções contidas no PDM para o local em causa (cfr. Pareceres jurídicos juntos aos autos).

  12. Mesmo que por hipótese existisse (e se provasse nos autos) uma eventual incompatibilidade entre o PP e o PDM, a mesma nunca seria geradora da sua invalidade mas apenas da sua ineficácia até que o PP viesse a ser ratificado, já que a lei admite expressamente que um Plano de...

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