Acórdão nº 0452/20.2BEALM de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 18 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelADRIANO CUNHA
Data da Resolução18 de Novembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – RELATÓRIO 1.

“Infraestruturas de Portugal, SA”, Ré nos autos, e “A………… - Sociedade Unipessoal, Lda.”, Contrainteressada, interpõem recursos de revista do Acórdão do TCASul, de 7/7/2021, que negou provimento aos recursos por elas interpostos, mantendo as decisões do TAF de Almada.

  1. A Autora “APNCF - Associação Portuguesa para a Normalização e Certificação Ferroviária” intentou no TAF de Almada a presente ação relativa a contencioso pré-contratual contra a “lnfraestruturas de Portugal, SA”, sendo Contrainteressada a “A………… - Sociedade Unipessoal Lda.”, pedindo, no âmbito do procedimento concursal para a “Aquisição de Serviços para a verificação CE, por um organismo Notificado, do subsistema ENE (Energia) nos troços Tunes-Lagos e Faro- Vila Real de Santo António, da Linha do Algarve, nas fases de projecto e empreitada”, que a Ré fosse condenada a declarar a caducidade da adjudicação efetuada a favor da Contrainteressada e a proferir novo ato de adjudicação, agora a seu favor, abrindo-se prazo para a correspondente e necessária apresentação dos documentos de habilitação (cfr. p.i., a fls. 1 e sgs. SITAF).

  2. A Ré “Infraestruturas de Portugal” e a Contrainteressada/adjudicatária “A…………” apresentaram contestações em que pugnaram pela improcedência da ação; preliminarmente, excecionaram a intempestividade na interposição da ação (cfr. contestações a fls. 187 e segs. e 287 e segs. SITAF, respetivamente), tendo a Autora replicado quanto a esta invocada exceção (cfr. réplica, a fls. 355 e segs. SITAF).

  3. Por despacho de 9/10/2020, o TAF de Almada admitiu a ampliação do objeto da ação à impugnação do contrato, requerida pela Autora (cfr. fls. 397 e segs. SITAF).

  4. O TAF de Almada proferiu despacho saneador, em 9/10/2020, no qual apreciou a invocada caducidade do direito de ação, exceção que julgou improcedente (cfr. fls. 404 e segs. SITAF).

  5. Por sentença de 10/3/2021 (cfr. fls. 562 e segs. SITAF), foi a ação julgada procedente, e a Entidade Demandada condenada a declarar a caducidade do ato de adjudicação, por falta de habilitação da Contrainteressada, com a consequente anulação do contrato de prestação de serviços celebrado entre a Ré e a Contrainteressada, e a adjudicação da proposta da Autora, nos termos do art. 86° n° 4 do CCP.

  6. Por sua vez, o TCAS, através do Acórdão recorrido (cfr. fls. 714 e segs. SITAF), apreciando a invocada caducidade da adjudicação, alegadamente operando “ope legis”, concluiu que: “A decisão que julgou a acção tempestiva procedeu a uma correta análise, não tendo violado os arts. 51°, 53°, 59º e 69° do CPTA”. E quanto à alegada violação do art. 2° da Portaria n° 372/2017 e dos arts. 77° e 81°, ambos do CCP, entendeu que tal não se verificava, tendo considerado, nomeadamente, o seguinte: “A habilitação traduz-se, na sua essencialidade, numa atividade certificativa da aptidão profissional e da idoneidade do concorrente adjudicatário. Os requisitos da habilitação têm de existir desde o momento da apresentação da proposta, sendo portanto exigíveis a todos os concorrentes. Não tendo a Contrainteressada os requisitos de habilitação exigidos para a prestação de serviços cuja aquisição constitui o objeto do procedimento e não tendo oportunamente, com a apresentação da proposta, apresentado o compromisso de terceiro a subcontratar, não lhe pode efetivamente, nos termos explicitados na sentença recorrida, ser adjudicado o contrato, impondo-se a caducidade da adjudicação”.

    Assim, concluiu que o despacho saneador e a sentença deviam manter-se, negando provimento aos recursos.

  7. A Ré/Recorrente (“Infraestruturas de Portugal, SA”) conclui do seguinte modo as alegações do seu recurso de revista (cfr. fls. 840 e segs. SITAF): «I – Vem o presente recurso interposto do Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Sul de 07/07/2021 que negou provimento ao recurso apresentado pela IP e pela A………… e, por conseguinte, manteve a decisão proferida pelo TAC de Lisboa em 10/03/2021, que condenou a IP a declarar a caducidade do ato de adjudicação da “Aquisição de Serviços para a verificação CE, por um Organismo Notificado, do subsistema ENE (Energia) nos troços Tunes-Lagos e Faro-Vila Real de Santo António da Linha do Algarve, nas fases de projeto e empreitada", por falta de habilitação da adjudicatária A…………, com a consequente anulação do contrato de prestação de serviços celebrado entre a IP e esta última, e a adjudicação da proposta da APNCF – Associação Portuguesa para a Normalização e Certificação Ferroviária (APNCF), ordenada em segundo lugar, nos termos do artigo 86.º, n.º 4 do CCP.

    II - Conforme estabelece o n.º 1 do 150.º do CPTA “Das decisões proferidas em segunda instância pelo Tribunal Central Administrativo pode haver, excecionalmente, revista para o Supremo Tribunal Administrativo quando esteja em causa a apreciação de uma questão que, pela sua relevância jurídica ou social, se revista de importância fundamental ou quando a admissão do recurso seja claramente necessário para uma melhor aplicação do direito.” III - Não há dúvidas que ambos os requisitos estão verificados, na presente situação.

    IV - A admissão do presente recurso de revista é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.

    V – Isto porque na presente ação, como em outras prováveis ações que venham a ser interpostas com o mesmo fundamento, está-se perante a questão de saber quais os sentido e alcance, num concurso público, do instituto da habilitação legal previsto pelo artigo 81.º do CCP e pelo disposto no artigo 2.º, n.º 2 da Portaria n.º 372/2017, de 14 de dezembro.

    VI - Cuidando esta norma de regular a fase, pós adjudicatória da habilitação e, não obstante coincidentes temporalmente, ser a habilitação legal, para efeitos de aplicação do CCP, um instituto distinto da confirmação de compromissos prevista nos artigos 77.º, n.º 2, alínea c), 92.º e 93.º, todos do CCP, tem um concorrente (e não adjudicatário), para beneficiar da possibilidade legalmente concedida, de socorrer-se das habilitações de terceiros para efeitos de comprovação das habilitações legalmente exigidas para a execução das prestações contratuais, que obter junto dessas entidades, e integrar na sua proposta, a declaração de compromisso das mesmas de que vão executar aquela atividade em regime de subcontratação? VII - Se um concorrente (e não adjudicatário), para beneficiar da possibilidade legal de socorrer-se das habilitações de terceiros para efeitos de comprovação das habilitações legalmente exigidas para a execução das prestações contratuais, tem de instruir a sua proposta com a declaração de compromisso das mesmas de que vão executar aquela atividade em regime de subcontratação, em que situações é válido o recurso à habilitação legal de um terceiro prevista no sobredito artigo 2.º, n.º 2, onde se estabelece que, para efeitos de comprovação das habilitações legalmente exigidas para a execução das prestações contratuais, o adjudicatário pode socorrer-se das habilitações de subcontratados, mediante a apresentação de declaração através da qual estes se comprometam, incondicionalmente, a executar os trabalhos correspondentes às habilitações deles constantes, bem como, por conseguinte, à subcontratação? VIII - Com efeito, i. As decisões em causa parecem confundir o regime legal da assunção de compromissos por terceiros para cumprimento de atributos ou termos ou condições do caderno de encargos pela proposta adjudicada (cfr. artigos 77.º, n.º 2, alínea c), 92.º e 93.º, todos do CCP), com o regime do recurso à habilitação legal através de terceiros, admitida sem restrições pelo artigo 81.º do CCP e pelo artigo 2.º, n.º 2 da Portaria n.º 372/2017, de 14 de dezembro. E com base na aparente confusão entre os dois regimes, acabam por violar o regime da habilitação legal, regime este que, com a última definição resultante da sobredita Portaria admite, sem restrições ou distinções, que, num concurso público, (e nada sendo exigido para esse efeito, no Programa de Procedimento), só o adjudicatário tenha que demonstrar, e na fase de habilitação, que a execução da sua proposta cumpre os requisitos legais para as atividades em causa. As decisões desvirtuam, desta forma, todo o papel que a habilitação legal desempenha, por lei, num concurso público, implicando, sem avançar critérios interpretativos para tal, uma restrição dos seus efeitos.

    ii. Estas decisões destroem a diferença clara e expressamente estabelecida pelo legislador entre concurso limitado por prévia qualificação e concurso público, afetando grave e seriamente a grande virtude da natureza objetiva, isenta e imparcial do concurso público, ao pressuporem, e fixarem como corolário das posições assumidas, ser exigível que, num concurso público, a proposta apresente já a declaração de um terceiro que ao revelar que visa complementar a habilitação legal do concorrente, faz desviar os olhos do júri da proposta, para as qualidades subjetivas desse concorrente. Na verdade, a falta neste procedimento, de uma norma equivalente ao artigo 168.º, n.º 4, prevista para o concurso limitado por prévia qualificação, é intencional e merece um alcance totalmente oposto ao que a douta sentença e, por adesão, o acórdão em crise, retiraram da mesma.

    iii. A posição resultante da sentença e do acórdão interpreta de forma restritiva o artigo 2.º, n.º 2, da Portaria n.º 372/2017, de 14 de dezembro, sem, todavia, avançar qualquer fundamento legal para tal. Ora, é absolutamente necessário para a boa interpretação de uma matéria tão relevante quanto esta, estabelecer/fixar um critério distintivo para a sua aplicação, na medida em que esta norma visará sempre a habilitação legal do adjudicatário, ou seja, a validação dos requisitos legais aplicáveis ao exercício da atividade e da execução contratual a que se vincula. Tal significa que estar-se-á sempre perante atividades reguladas por lei, não fazendo o legislador...

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