Acórdão nº 3557/15.8BEBRG-S1 de Tribunal Central Administrativo Sul, 18 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelPAULA FERREINHA LOUREIRO
Data da Resolução18 de Novembro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em Conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. RELATÓRIO O Ministério Público (Recorrente) vem interpor recurso jurisdicional da decisão proferido pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa em 19/04/2021, pela qual foi indeferida a arguição de nulidade da citação invocada pelo Recorrente na ação administrativa proposta por J..., S.A.

contra o Ministério da Administração Interna (Recorridos).

Nesta ação administrativa, a Recorrida particular veio peticionar a condenação do Ministério a pagar-lhe uma indemnização na quantia de 293.159,91 Euros, decorrentes de trabalhos de empreitada realizados e medidos, mas não pagos.

Tendo a citação do Estado Português sido dirigida, em 22/01/2021, ao Centro de Competências Jurídicas do Estado, veio o Recorrente Ministério Público arguir a nulidade por falta de citação, sustentando tal na pretensão de recusa de aplicação do disposto nos art.ºs 11.º, n.º 1 e 25.º, n.º 4 do CPTA ao caso posto em virtude da inconstitucionalidade material destas normas por violação do prescrito nos art.ºs 219.º, n.ºs 1 e 2 da Constituição da República Portuguesa.

Em 19/04/2021, foi proferida decisão respeitante à invocada nulidade por falta de citação do Ministério Público, decisão essa que indeferiu a arguida nulidade.

Inconformado com o assim julgado, o Recorrente apela a este Tribunal Central Administrativo, imputando erro de julgamento à decisão recorrida e, consequentemente, clamando, pela revogação da mesma e inerente procedência do pedido de declaração da nulidade da citação.

As alegações do recurso que apresenta culminam com as seguintes conclusões: “Em conclusão: 1-Vem o presente recurso interposto do douto despacho, proferido a 17 de Junho de 2020, que indeferiu o requerimento do Ministério Público no qual eram arguidas respetivamente a inconstitucionalidade material das normas constantes do segmento final do nº 1 do artigo 11.º e do nº 4 do artigo 25.º do CPTA, na redação da Lei nº 118/2019, de 17/09, emergente da violação do parâmetro constante da primeira proposição do nº 1 do artigo do nº 1 do artigo 219.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) e do n.º 2 desta mesma disposição e a declaração de nulidade por falta de citação do legal representante do réu Estado (artigos 188.º, nº 1, al. a) e 187.º, als. a) e b) do CPC.

2- Nos presentes autos foi citado o Centro de Competências Jurídicas do Estado para contestar a presente acção.

3- Ora, a Constituição da República Portuguesa, no seu art.º 219.º, nº1, atribui ao Ministério Público competência para representar o Estado e defender a legalidade democrática.

4- O Estatuto do Ministério Público aprovado pela Lei 68/2019, de 27 de Agosto, no art.º 4.º, n.º1, alínea a), determina que ao Ministério Público compete, especialmente, defender a legalidade democrática e, na alínea b), representar o Estado.

5- Por sua vez, o art.º 51.º do ETAF, no Capítulo VII, sobre o Ministério Público, sob a epígrafe “Funções” preceitua que compete ao Ministério Público representar o Estado e defender a legalidade democrática.

6- Logo, o Ministério Público tem legitimidade para em nome próprio, agindo em defesa da legalidade, arguir, como fez, incidentalmente a inconstitucionalidade das normas do CPTA, peticionando a sua desaplicação, no caso concreto, com esse fundamento e a nulidade de citação do Réu.

7- E, contrariamente, ao sustentado no despacho recorrido, das mencionadas normas legais resulta que o Ministério Público tem igualmente legitimidade para requerer a nulidade da citação na qualidade de representante do Estado português, tendo nessa qualidade intervenção principal no processo, como decorre do artigo 9.º, n.º1, a), do Estatuto do Ministério Público.

8- Dispõe o n.º4 do artigo 25.º do CPTA, na redação conferida pela Lei nº 118/2019: “Quando seja demandado o Estado, ou na mesma ação sejam demandados diversos ministérios, a citação é dirigida unicamente ao Centro de Competências Jurídicas do Estado, que assegura a sua transmissão aos serviços competentes e coordena os termos da respetiva intervenção em juízo".

9- Sob uma aparência puramente procedimental e regulamentar — o que bastaria para a considerar deslocada num diploma sobre processo administrativo —, introduz-se uma norma inovadora e que vem colocar em crise o quadro jurídico-constitucional vigente, sobretudo quando conjugada com o disposto na parte final do n.º 1 do art.º 11.º do CPTA, na redação igualmente conferida pela mesma Lei n.º 118/2019.

10- Por isso, através desta intervenção, o Ministério Público, agindo na qualidade de defensor da legalidade, bem como de natural representante judiciário do Estado, pretendeu submeter ao controlo difuso, concreto e incidental deste Tribunal (cfr. art.º 204.º da Constituição) a questão da inconstitucionalidade material das citadas normas insertas na parte final do n.º 1 do art.º 11.º e no n.º 4 do art.º 25.º do CPTA, ambas na versão da Lei n.º 118/2019, por sustentar a desconformidade (cfr. artigos 3.º , nº3 e 277.º nº1, da Constituição da República Portuguesa) desse conjunto normativo com o parâmetro da parte inicial do n.º 1 do art.º 219.º da Constituição, em cujos termos “ao Ministério Público compete representar o Estado".

11- A norma do art.º 219.º, nº1 da CRP, consubstancia um «imperativo constitucional, uma imposição de legislar, tendo por destinatário o legislador e por conteúdo o ditame da atribuição de competência ao Ministério Público para representar o Estado».

12- O legislador constitucional faz uso, no aludido preceito constitucional, da palavra «representação», termo técnico «com conteúdo já fixado no discurso e nas instituições judiciárias». Não utilizou qualquer das expressões «patrocínio judiciário», «assistência por advogado», «mandato» ou «patrocínio forense» como ocorre em lugares paralelos constitucionais (artigos 20.º nº2, 32.ºnº3 e 208.º).

13- A Constituição não prevê, nem expressa nem sistematicamente, qualquer limite ou condição na atribuição ou exercício desta competência constitucional de representação (judiciária) do Estado (administração central).

14- A atribuição constitucional de competência ao Ministério Público para representar o Estado não é uma decisão constituinte conjuntural e contingente, mas antes intencional e estrutural, na linha de uma longa tradição jurídica nacional.

15- Essa atribuição constitucional tem de ser considerada como «coerente», foi realizada em função e visando avocar e pôr em prática, no contencioso judiciário, os atributos constitucionais do Ministério Público, de uma «magistratura gozando de autonomia, nos termos da lei», a qual preceitua a respetiva vinculação a critérios de legalidade e objetividade» (Estatuto do Ministério Público, abreviadamente EMP, art.º 2º nºs 1 e 2).

16- Sendo o Ministério Público, segundo o mandato constitucional, o «representante» (e não patrono, ou advogado ou mandatário) do Estado (administração central), para efeitos do respetivo contencioso (neste caso administrativo) só por intermédio do Ministério Público o Estado poderá estar em juízo, quer como autor quer como réu.

17- É ao Ministério Público, enquanto seu órgão judiciário, que institucionalmente compete exprimir a «vontade judiciária» do Estado e conduzir o processo nos seus aspectos de política e de técnica processual, no quadro de autonomia (nos termos da lei) e da vinculação a critérios de legalidade e objetividade e sem prejuízo de poderes de disposição da relação material controvertida, pelos órgãos superiores do Governo.

18- O Centro de Competências Jurídicas do Estado (JurisApp) não é um órgão (menos ainda um órgão superior da administração pública) mas sim um serviço central da administração direta do Estado, dotado de autonomia administrativa (Dec-Lei nº 149/2017, de 6 de dezembro, art.º 1.º nº1).

19- Contudo, por força dos efeitos jurídicos e práticos da conjugação dos artigos 11.º, nº1 e 25.º, nº4 do CPTA, o Estado (administração central) passa a ser representado, em sede do contencioso das ações administrativas, pelo Centro de Competências Jurídicas do Estado, ao qual é atribuída a competência para determinar se a citação será ou não, transmitida ao Ministério Público, para efeitos de este assegurar na lide a representação judiciária do Estado intervindo como parte principal e não meramente acessória.

20- A lei não estabelece qualquer critério, expresso e objetivo, que conforme a decisão do JurisApp na escolha do representante judiciário legal e o modo como coordenará «os termos da respetiva intervenção em juízo», o que significa que a determinação do «se» e do «como» da representação judiciária do Estado, nos termos do art.º25º, n.º4 do CPTA, procederá de uma escolha «livre» do JurisApp: será uma decisão de «mérito», «oportunidade» ou «conveniência», desta forma instituindo a própria lei « a sua deslegalização, em matéria de reserva de lei».

21-Decorridos cerca de 22 anos após o inicio de vigência da Constituição de 1976, a Lei n.º 60/98 (EMP) alargou e concretizou o âmbito da representação do Estado por parte do Ministério Público.

22- Em 01-01-2020 entrou em vigor o 4° Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 68/2019 e publicado em 27 de Agosto, menos de um mês antes da publicação da Lei n.º 118/2019, de 17 de Setembro, que contém as normas cuja inconstitucionalidade se invoca.

23- Este novo diploma orgânico (EMP) continua a confiar a representação do Estado ao Ministério Público (art.º 4.º/1/a)) e a prever a existência de "departamentos de contencioso do Estado", os quais passarão a intervir também em matéria "tributária", cível e administrativa (art.º 61.º/1/2).

24- No âmbito específico da jurisdição administrativa o ETAF vigente, na redacção da Lei n.º 114/2019, publicada em 12 de Setembro, dispõe no art.º 51.º que «compete ao Ministério Público representar o Estado».

25- Do ordenamento jurídico-constitucional português resulta que a representação do Estado em juízo foi sempre...

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