Acórdão nº 72/19.4 BCLSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 18 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelPEDRO NUNO FIGUEIREDO
Data da Resolução18 de Novembro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO O S… recorre da decisão do Tribunal Arbitral do Desporto (TAD) de 23/04/2019 do TAD, que confirmou a sua condenação pela prática de quatro infrações disciplinares, p. e p. pelos artigos 183.º, n.º 2, 186.º, n.º 2, e 187.º, n.º 1, al. b) do Regulamento Disciplinar da Liga Portuguesa de Futebol Profissional 2017/2018, por referência a factos ocorridos nos jogos realizados em 07/04/2018, entre C… - Futebol SAD e a recorrente no Estádio Marcolino Castro, e em 13/04/2018, entre a F… - Futebol SDUQ e a Recorrente no Estádio Capital do Móvel, em multas no valor de € 21.040,00, com fixação de custas no valor de € 6.125,40.

Termina as alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem: “1. O presente recurso tem por objecto o acórdão de 23-04-2019 do TAD, que confirmou a condenação da recorrente pela prática de quatro infracções disciplinares (183.°-2, 186.°-2 e 187.°-1, b) do RD), por referência a factos ocorridos nos jogos realizados em 07/04/2018 (entre C... - Futebol SAD e a Recorrente no Estádio Marcolino Castro) e em 13/04/218 (entre a F... - Futebol SDUQ e a Recorrente no Estádio Capital do Móvel), punindo-a em multas que totalizam o valor de € 21.040,00, e fixando as custas no total de € 6.125,40.

  1. No seu pedido de arbitragem necessária a Demandante, ora recorrente, invocara como um dos fundamentos para a revogação da condenação a circunstância de adoptar medidas junto dos seus adeptos, dando cumprimento ao dever de zelar e incentivar o espirito ético e desportivo a que está obrigada por força dos ditames disciplinares (como decorre da pretensão da demandante transcrita a fls. 7 do acórdão recorrido).

  2. Porém. o Tribunal a quo na decisão recorrida não contém qualquer referência. mínima que seja, a esta matéria, não tomando posição sobre a questão submetida à sua apreciação.

  3. Releva, a este propósito, que a factualidade alegada e provada pela recorrente é essencial para a boa decisão da causa, tanto que tem sido um dos argumentos que vem colhendo na jurisprudência (cf. acórdão do STA de 21-02- 2019, proferido no âmbito do processo n.° 33/18.OBCLSB) e que conduz necessariamente à revogação da decisão condenatória.

  4. Ao deixar de pronunciar-se sobre questão suscitada pela parte que se impunha fosse apreciada e decidida em sentença, o acórdão recorrido padece de nulidade por omissão de pronúncia, nos termos e para os efeitos da aplicação conjugada dos arts. 61.° LTAD, 1.° e 95.°-1 CPTA e 615.°-1, d) e n.° 4 do CPC.

  5. A recorrente impugna a matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo, por considerar incorrectamente julgado, o seguinte ponto da matéria de facto dada como provada: "A Demandante agiu de forma livre, consciente e voluntária, bem sabendo que ao não evitar a ocorrência dos referidos acontecimentos incumpriu deveres legais e regulamentares que lhe competiam enquanto participante no espetáculo desportivo D (cf. fls. 18 do acórdão recorrido), 7. pretendendo que o Tribunal ad quem decida no sentido de julgar esta matéria de facto fixada pelo Tribunal a quo como não provada. com as legais consequências.

  6. Ainda que se admita que na formação da convicção judicial, intervenham provas e presunções, não pode o juízo valorativo do tribunal que assenta em prova indiciária da qual se infere o facto probando ser indiferente aos demais requisitos relativos à inferência, designadamente: às regras da experiência, à fiabilidade do raciocínio (um nexo directo, preciso e conciso) e, para o que aqui releva, a inexistência de contra-indícios.

  7. Sempre se impunha ao Tribunal a quo cumprir os requisitos formais e requisitos materiais no que respeita à prova indiciária / inferências que conduzem à convicção e sentido da decisão (vd. Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09-09-2015).

    10, Em termos de requisitos materiais, a inexistência de contra-indicios é indicada como um dos requisitos da prova indiciária, pois, a sua verificação "cria uma situação de desarmonia que faz perder a clareza e poder de convicção ao quadro global da prova indiciária" (vd. acórdão STJ de 09-02-2012, processo n.° 233/08.1PBGDM.P3).

  8. Não podia o Tribunal a quo deixar de considerar e devidamente valorar o depoimento da testemunha S.... Oficial de Ligação de Adeptos da recorrente.

  9. Precisamente pelas funções que exerce no S... - Futebol SAD e por estar presente nos jogos de futebol disputados pelo clube, veio a testemunha esclarecer o esforço e as medidas preventivas asseguradas pela recorrente.

  10. Através da prova testemunhal produzida resultou esclarecido que a recorrente assegurou uma intervenção imediata junto dos adeptos aquando da prática dos factos, mas vem igualmente adoptando, antes e depois dos jogos, medidas a fim de evitar e sancionar estes comportamentos (cfr. depoimento prestado na sessão de 26-10-2018, ficheiro "audiência 2018-10-26.mp3", min00:05:05 a 00:07:16. min. 00:09:43 a 00:11:00, min. 00:11:30 a 00:12:58. min. 00:07:28 a 00:08:49, min. 00:08:55 a 00:09:19 e min.00:15:45 a 00:17:20).

  11. Pelo que foram aportados aos autos contra-indicios que se mostram sérios, credíveis e de acordo com as regras da experiência, sendo suficientes para abalar a "harmonia" da prova indiciaria em que se sustenta o Tribunal a quo.

  12. Vem sendo entendimento do Supremo Tribunal Administrativo, mais precisamente no acórdão de 21-02- 2019 no processo n.° 33/18.0BCLSB, e em que o Tribunal a quo sustenta a sua decisão (cf. fls. 33-34 do acórdão recorrido), que nestes casos não estamos perante uma responsabilidade objectiva, não podendo ser assacada responsabilidade ao clube quando aporte aos autos "prova demonstradora, designadamente, de um razoável esforço no cumprimento dos deveres de formação dos adeptos ou da montagem de um sistema de segurança que. ainda que não sendo imune a falhas 16. Face ao exposto. resulta prejudicada a seguinte matéria julgada como provada "A Demandante agiu de forma livre. consciente e voluntária, bem sabendo que ao não evitar a ocorrência dos referidos acontecimentos incumpriu deveres legais e regulamentares que lhe competiam enquanto participante no espetáculo desportivo." (cf. fls. 18 do acórdão recorrido), devendo a mesma ser julgada como não provada e consequentemente, decidir-se pela revogação da decisão de condenação pelas às infracções p. e p. pelos arts. 183.°-2, 186.°-2 e 187.°-1, b) do RD. Mas mais.

  13. Impunha-se ainda ao Tribunal a quo cumprir com os requisitos formais, de maior exigência de fundamentação, respeitantes à prova indiciaria / inferências que conduzem à convicção e sentido da decisão, devendo explicitar o raciocínio através do qual, partindo dos factos-base, se chegou à convicção da verificação do facto punível e que o acusado o praticou ou nele participou, explicitação que é fundamental para avaliar a racionalidade da inferência, (cf acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 09-09- 2015 18. Compulsado o acórdão recorrido não está nele plasmado o raciocínio inferencial efectuado pelo tribunal a quo que permitiu julgar como provado que a recorrente "incumpriu deveres legais e regulamentares que lhe competiam enquanto participante no espetáculo desportivo(cf. facto provado a fls. 18 do acórdão recorrido).

  14. Pelo que, padece o acórdão recorrido de nulidade por falta de fundamentação. designadamente, a falta de explicitação das razões que subjazem à inferência. nos termos e para os efeitos da aplicação conjugada dos arts. 61.° LTAD, 1.° e I.° do CPTA e 615.°-1, b) do CPC.

  15. Face às normas e princípios que conformam o processo sancionatório, admitir a tese acolhida pelo Tribunal a quo equivaleria a uma violação das regras do ónus probatório e do princípio da presunção de inocência, o que deverá inevitavelmente conduzir ao repúdio de tal tese.

  16. Além do mais, não se pode aqui abrir a porta, a uma "prova por presunção" sobre a autoria dos factos e sobre a violação de deveres constitutiva da ilicitude típica.

  17. Com isto não se quer significar que não se possa, no domínio disciplinar desportivo, recorrer a presunções judiciais no acto decisório de valoração probatória, mas o seu funcionamento não pode ser arbitrário e contrariar exigências epistemológicas mínimas: o princípio da livre apreciação da prova não consente que se possa presumir. sem mais, que pelo facto de adeptos adoptarem comportamentos incorrectos houve, necessariamente, a montante, unia violação, pelo seu clube, dos deveres de vigilância e controlo idóneos a prevenir e evitar tais comportamentos.

  18. A prova em sede disciplinar, designadamente aquela assente em presunções judiciais, tem de ter robustez suficiente, tem de ir para além do início da prova, para permitir, com um grau sustentado de probabilidade, imputar ao agente a prática de determinada conduta, tendo sempre presente um dos princípios estruturantes do processo sancionatório que é o da presunção da inocência, designadamente: "todo o acusado tenha o direito de exigir prova da sua culpabilidade no seu caso particular" (GERMANO MARQUES DA SILVA. Curso de Processo Penal, I, Verbo, 2008, p. 82).

  19. Tal critério consubstancia uma clamorosa violação ao princípio da presunção de inocência, direito fundamental de que a recorrente é titular.

  20. De todo o modo, é inconstitucional, por violação do princípio jurídico-constitucional da culpa (art. 2.° da CRP) e do princípio da presunção de inocência, presunção de que beneficia o arguido em processo disciplinar, inerente ao seu direito de defesa (art. 32.°-2 e -10 da CRP), a interpretação dos arts. 13.° f), 183. °-2, 186. °-2 e 187. 0-1, b) do RDLPFP no sentido de que a indiciação, com base em relatórios da equipa de arbitragem ou do delegado da Liga, de que sócios ou simpatizantes de um clube praticaram condutas social ou desportivamente incorrectas é suficiente para, sem mais, dar como provado que essas condutas se ficaram a dever à culposa abstenção de medidas de prevenção de comportamentos dessa natureza por parte desse clube, o que...

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