Acórdão nº 875/20.7 BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 18 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelJORGE PELICANO
Data da Resolução18 de Novembro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam em conferência no Tribunal Central Administrativo Sul.

H...

vem, interpor recurso do despacho liminar que rejeitou o requerimento inicial em que pede o decretamento das seguintes providências cautelares: “a) a suspensão da eficácia da deliberação da “Comissão do Mercado de Valores Mobiliário”, comunicada ao Requerente por e-mail datado de 6 de Maio de 2020, exigindo a entrega dos dossiers de revisão legal das contas do Banco BIC Cabo Verde relativos aos exercícios de 2015, 2016, 2017 e 2018.

  1. a intimação para que a Requerida se abstenha de uma conduta, por violação de normas de direito administrativo, nomeadamente que se abstenha de insistir em que o Requerente lhe entregue os dossiers de revisão legal das contas do Banco BIC Cabo Verde relativos aos exercícios de 2015, 2016, 2017 e 2018 e que se abstenha de intentar eventual processo de contraordenação com fundamento na falta de entrega da documentação.”.

    Apresentou as seguintes conclusões com as suas alegações de recurso: I – A decisão do tribunal a quo de indeferir liminarmente o requerimento de providência cautelar apresentado nos presentes autos está ferida da nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do Art.º 615.º do CPC, por omissão de pronúncia, uma vez que indeferiu liminarmente a pretensão do Requerente sem se ter pronunciado sobre as questões essenciais de facto e de direito que lhe foram suscitadas.

    II – A decisão peca por manifesta falta de fundamentação, não sendo curial que o tribunal a quo se socorra do disposto no n.º 5 do Art.º 94.º do CPTA para proferir decisão com fundamentação sumária, uma vez que a questão de Direito a resolver não é simples, não foi já apreciada por tribunal, de modo uniforme e reiterado, nem a pretensão do Requerente é manifestamente infundada.

    III - O tribunal a quo devia ter-se pronunciado em concreto sobre as questões que foram colocadas à sua apreciação, em vez de se limitar a afirmar de forma genérica e categórica que a pretensão do Requerente é manifestamente infundada, em virtude de a Requerida ter ampla margem de apreciação no âmbito das atribuições e competências que lhe são incumbidas e que a Deliberação apenas podia ser impugnada com fundamento em erro manifesto e grosseiro.

    IV – Não tem razão o Tribunal a quo, por um lado porque o vício imputado ao acto administrativo não é um vício de violação de lei (ilegalidade material) mas sim um vício de ilegalidade orgânica decorrente do facto de a CMVM não ter competência para ter tomado a deliberação em crise, sendo a deliberação nula nos termos do Art.º 161 n.º 2 b) do CPA e, por outro lado, porque a CMVM tem ampla margem de apreciação mas têm-na no âmbito das suas atribuições e a Deliberação impugnada não se inclui no âmbito das suas competências orgânicas.

    V - O Banco BIC Cabo Verde, S.A. é uma entidade estrangeira, com sede em Cabo Verde, sendo a sua lei pessoal a Lei da República de Cabo Verde, país soberano, e não a Lei portuguesa, pelo que não é qualificável de entidade de interesse público à luz do Art.º 3.º do Regime Jurídico da Supervisão de Auditoria, o qual não lhe é aplicável.

    VI - Se o Banco Cabo Verde, S.A. fosse considerado entidade de interesse público à luz do Regime Jurídico de Supervisão e de Auditoria, e estivesse abrangido por este regime, a CMVM teria naturalmente poderes para avaliar o desempeno do seu órgão de fiscalização, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 4 do Art.º 4.º, e não tem.

    VII – Nos termos do Art.º 25.º n.º 1 e Art.º 32.º n.º 1, ambos do Regime Jurídico de Supervisão de Auditoria, aprovado pela Lei 148/2015 de 9 de Setembro, a CMVM, no contexto das suas competências de supervisão, exerce os poderes e prerrogativas previstos no Código dos Valores Mobiliários e, por força do disposto no Art.º 360.º n.º 1 a) do Código dos Valores Mobiliários, apenas pode acompanhar a actividade das entidades sujeitas à sua supervisão, não tendo, também por isso, poderes de supervisão e controlo sobre o Banco Cabo Verde.

    VIII - O Requerente é o destinatário da “Deliberação” impugnada e é, enquanto auditor, uma entidade sujeita à supervisão da CMVM, mas está apenas sujeito à supervisão quando realiza a revisão legal de contas de entidades de interesse público abrangidas pelo Regime Jurídico de Supervisão e de Auditoria e sujeitas à supervisão da Requerida, o que não é o caso.

    IX – São estes os fundamentos pelos quais o Requerente considera que a Requerida não tem competência orgânica para tomar a Deliberação impugnada e o Tribunal a quo devia ter-se pronunciado sobre eles sob pena de ficar violado o princípio da tutela jurisdicional efectiva, princípio fundamental previsto na Constituição da República Portuguesa.

    X - “O tribunal deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outra (cfr. Art.os 660.º n.º 2 [actual 608] CPC e 95.º do CPTA). Trata-se, nas palavras do Prof. M. Teixeira de Sousa do “corolário do princípio da disponibilidade objectiva (Art.º 264.º n.º 1 [actual 5.º] e Art.º 664.º 2.ª parte [actual 5.º)” que “significa que o tribunal deve examinar toda a matéria de facto alegada pelas partes e analisar os pedidos formulados por elas, com excepção apenas das matérias ou pedidos que forem juridicamente irrelevantes ou cuja apreciação se tornar inútil pelo enquadramento jurídico escolhido ou pela resposta fornecia a outras questões.” XI – No que se refere á execução da deliberação a mesma não é instantânea, não se esgotando os seus efeitos na data que foi concedida ao Requerente para entregar a documentação solicitada pela Requerida, nem o facto de a providência ter dado entrada no tribunal apenas às 23 horas do dia anterior, embora dentro do prazo concedido, lhe retira utilidade, até porque o Requerente questiona a obrigatoriedade de cumprir a ordem, dado tratar-se de uma ordem ilegal e nula, pelo que o Tribunal a quo andou mal ao considerar que a deliberação não pode ser suspensa porque já foi executada na data que foi concedida ao Requerente para apresentar a documentação solicitada pela Requerida.

    XII – No que concerne ao periculum in mora, o dano é apurado em função do risco que pode advir ao requerente de um prejuízo “decorrente do retardamento de uma decisão favorável ao demandante a proferir na acção principal.” (Ac. STJ de 20 de Maio de 1997, BMJ 467, p. 529 ss.) XIII - In casu, é manifesto que o “retardamento da sentença” a proferir na acção principal potencia a possibilidade de o requerente vir, entretanto, a ter prejuízos relevantes em consequência da execução da deliberação e, ainda que o Requerente tenha outros rendimentos para além daqueles que recebe em contrapartida dos serviços prestados ao Banco BIC Cabo Verde, S.A., a falta destes rendimentos consubstanciar-se-iam num prejuízo, decorrente do retardamento da decisão a proferir na acção principal, susceptível de pôr em causa a sua estabilidade económica, senão mesmo os recursos de que necessita para fazer face às suas despesas pessoas e da sua família.

    XIV - Por outro lado, a deliberação que ordena ao Requerente que entregue à Requerida os dossiers de revisão legal das contas do Banco BIC Cabo Verde, S.A., com referência aos exercícios de 2015, 2016, 2017 e 2018 é manifestamente ilegal e nula, como acima se alega e demonstra, pelo que, nem sequer há que atender ao critério do periculum in mora.

    XV - Conforme nos ensina o Prof. Aroso M. Almeida, in O Novo Regime do Processo nos Tribunais Administrativos, Coimbra, 203, pág. 290: “Se o Tribunal considerar preenchida a previsão do Art.º 120.º n.º 1 al) a) [actual Art.º 120.º n.º 1 do CPTA], ele concede a providência sem mais indagações.

    Não intervém o disposto no n.º 2 e nem sequer há que atender ao critério do periculum in mora, a que fazem apelo as als. b) e c) do .º 1 [actual n.º 1 na parte em que refere os prejuízos de difícil reparação].

    É a situação de máxima intensidade do fumus bonis iuris, que em situações de manifesta procedência da pretensão material do Requerente, vale por si só.” XVI - Está, por isso, absolutamente preenchido o requisito do periculum in mora, ao qual nem sequer haveria que atender face à ilegalidade orgânica, e consequente nulidade, da deliberação impugnada.

    XVII – A decisão proferida pelo tribunal a quo está ferida da nulidade prevista na al. d) do n.º 1 do Art.º 615 do CPC, por omissão de pronúncia, e violou, entre outros, o disposto no Art.º 95.º n.º 1, 1.ª parte do CPTA, bem como o Art.os 608.º n.º 2, 1.ª parte e Art.º 5.º ambos do CPC.” A CMVM, Recorrida nos presentes autos, tendo sido citada para os termos da causa e ainda para os do recurso, concluiu as suas contra-alegações nos seguintes termos: A. Em 11.05.2020, o Requerente H...

    apresentou requerimento de providência cautelar contra a CMVM, indicando como contra-interessados P…, SROC LDA. e J…, no qual peticionava, em primeiro lugar, “a) a suspensão da eficácia da deliberação da “Comissão do Mercado de Valores Mobiliário ”, comunicada ao Requerente por e- mail datado de 6 de Maio de 2020, exigindo a entrega dos dossiers de revisão legal das contas do Banco BIC Cabo Verde relativos aos exercícios de 2015, 2016, 2017 e 2018. ” e, em segundo lugar, “b) a intimação para que a Requerida se abstenha de uma conduta, por violação de normas de direito administrativo, nomeadamente que se abstenha de insistir em que o Requerente lhe entregue os dossiers de revisão legal das contas do Banco BIC Cabo Verde relativos aos exercícios de 2015, 2016, 2017 e 2018 e que se abstenha de intentar eventual processo de contraordenação com fundamento na falta de...

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