Acórdão nº 637/21.4 BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 18 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelPEDRO NUNO FIGUEIREDO
Data da Resolução18 de Novembro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na Secção do Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO A..., com nacionalidade angolana, instaurou a presente ação administrativa urgente contra o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras - Ministério da Administração Interna, impugnando a decisão do Diretor Nacional Adjunto do SEF de 22/03/2021, que indeferiu, por considerar infundados, o pedido de asilo e o de autorização de residência por proteção subsidiária que havia apresentado para si e para a sua filha menor, e pedindo a final a concessão do direito de asilo ou, subsidiariamente, a concessão de proteção internacional como requerido.

Por sentença de 05/07/2021, o TAC de Lisboa julgou a acção totalmente improcedente, absolvendo o Ministério da Administração Interna - SEF do pedido.

Inconformada, a autora interpôs recurso daquela decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem: 1. “ ° - O réu ao recusar o pedido de proteção internacional, viola a al. e) do n.° 1, do artigo 19.°, da Lei n.° 27/08, de 30.06, alterada pela Lei n.° 26/14 de 05.05. 8.

  1. ° - A negação da Autorização de Residência por proteção subsidiária viola a al. h) do artigo 7° da Lei n.° 27/08 de 30.06, com as alterações introduzidas pelas 26/14 de 05.05, a qual atribui aos estrangeiros que não se enquadram no âmbito de aplicação do direito de asilo previsto no artigo 3°, a possibilidade de obterem uma autorização de residência por razões humanitárias, quando estão impedidos ou se sentem impossibilitados de regressar ao seu país de origem ou de residência habitual, devido a situações sistemática violação dos direitos humanos ou por se encontrarem em risco de sofrer ofensa grave.

  2. ° - A douta decisão do tribunal a quo peca por violar o direito a uma fundamentação adequada, necessária, pois que não existir um deficit de instrução procedimental gerador de ilegalidade do ato do procedimento e a violação do art. 18.° da lei 27/2008.

  3. ° - O SEF pretende transferir a requerente para Angola sem analisar previamente, ao contrário do que determina o direito Comunitário, se esse país é capa de receber mais refugiados, mesmo os que dele tenham saído.

  4. ° - Ora, a resposta é a de que Angola está a passar uma grave crise económica, social, onde existem uma boa parte da população a passar fome, sub nutridas, sem condições dignas de repouso ou de estadia e serem perseguidas pelos grupos de extremismo religioso no país.

  5. ° - Em Angola existe perseguição política, mesmo através dos órgãos do Ministério da Justiça, por incrível e absurdo que isso possa parecer, é a verdade.

  6. ° - O pedido de proteção internacional tem de ser acompanhado por um processo bem instruído e com informações devidamente requisitadas ao país de origem e ao país para onde se pretende enviar uma pessoa, seja ela qual for.

  7. ° - A decisão do SEF é nula pois que viola o art.º 3.°, n.° 2, 2.° parágrafo, do Reg. n.° 604/2013, de 26-06 pois está obrigado na apreciação do pedido a avaliar da eventual impossibilidade em proceder à transferência para outro estado e nas condições desse estado para receber a pessoa.

  8. ° Efetivamente incumbia ao SEF, antes de ter tomado a decisão impugnada, instruir oficiosamente o procedimento, com informação fidedigna atualizada sobre a situação económica e social em Angola e as condições em que a recorrente iria ser recebida naquele país, devendo para tal ter de se recorrer a fontes credíveis e consolidadas, dada a dificuldade de prova que assiste ao recorrente, mas que é notória tendo em conta todas as noticias que vêm a público e que fizeram do prova do processo em apreço.

  9. ° - No caso em apreço, a decisão impugnada nada refere a propósito da perseguição efetiva ou não a que a mesma poderia estar sujeita se lhe impuserem o seu regresso a Angola.

  10. ° - Existe um risco atual, sério, direto ou indireto, de a Recorrente ser sujeita a tratamento desumano ou degradante, na aceção dos artigos 3.° da CEDH e 4.° da CDFUE se for obrigada a regressar a Angola.

  11. ° - Verifica-se por isso que há indícios que permitem concluir pela probabilidade séria de a Requerente, ao ser transferido para aquele Estado, correr um risco real de ser sujeito a tratos desumanos ou degradantes, na aceção do artigo 4. da CDFUE.

  12. ° - Verifica-se que o ato impugnado - incorre em deficit de instrução quanto aos factos essenciais à decisão de transferência e, por conseguinte, à decisão de (in)admissibilidade do pedido de proteção.

  13. ° - No caso incumbia ao SEF averiguar acerca do procedimento de asilo e das condições de acolhimento em Angola, aferindo sobre as invocadas falhas sistémicas nas condições de acolhimento, antes de determinar a transferência do A. e Recorrido para este país.

  14. ° - Deveria o SEF ter instruído oficiosamente o presente procedimento, nele fazendo introduzir informação fidedigna e atualizada sobre as condições em que a Requerente ia ser recebida em Angola, por forma a verificar se, no caso concreto, existiam motivos que determinassem a impossibilidade do seu regresso.

    16. - Para o efeito, deveria o SEF recorrer a fontes credíveis, obtida junto do Gabinete Europeu de Apoio em matéria de Asilo, do ACNUR, do Ministério da Justiça de Angola e de organizações de direitos humanos relevantes.

  15. ° - Nada disso foi feito no procedimento em apreço, onde se decidiu sem averiguar acerca das indicadas condições no procedimento de asilo e no acolhimento.

  16. ° - Ora, está em causa o direito do recorrente a que declare nulo o despacho do SEF e seja deferido o pedido de proteção internacional pelo estado português.

  17. ° - Defendemos que o SEF tem mesmo de proceder à averiguação oficiosa da determinação do estado em que Angola vai receber a Requerente e saber se este tem ou não motivações para continuar a perseguir.

  18. ° - O douto tribunal a quo interpretou erradamente o dever de fundamentação e de instrução do processo.

  19. ° O douto tribunal deveria ter realizado todos os atos necessários a cumprir nomeadamente com a obrigatoriedade por parte do SEF de averiguar previamente se Angola tem capacidade de dar dignidade à Requerente e protegê-la quanto a perseguições criminosas.

  20. ° - É notório, em todo o mundo e especialmente nas notícias portuguesas acerca da situação de catástrofe do que se passa com os direitos e liberdades em Angola, que nos tem dado conhecimento dos escândalos vários em Angola que surgem da incapacidade (por omissão ou ação) do país em socorrer todos quantos dele necessitam, mesmo que sejam seus nacionais.

  21. ° O douto tribunal a quo devia ter decidido no sentido de obrigar o SEF a cumprir com a lei e analisando previamente se esse país é capaz de respeitar a lei, os direitos das pessoas, mesmo os que dele tenham saído.

  22. ° O ónus da prova que comprove que a Angola é capaz de reconhecer e proteger as pessoas e os seus direitos compete ao SEF”.

    Não foram apresentadas contra-alegações.

    Perante as conclusões das alegações da recorrente, sem prejuízo do que seja de conhecimento oficioso, cumpre aferir do erro de julgamento da sentença ao considerar inexistir défice instrutório do procedimento e infundados os pedidos de concessão de asilo / proteção internacional.

    Dispensados os vistos legais, atenta a natureza urgente do processo, cumpre apreciar e decidir.

    * II. FUNDAMENTOS II.1 DECISÃO DE FACTO Na decisão recorrida foram considerados provados os seguintes factos: a) A Autora e a sua filha Y… (nascida a 14/6/2017) são naturais de Luanda e nacionais angolanas - fls. 1,18 do processo administrativo junto sob Contestação (662836) Processo Administrativo Instrutor (008442594) de 30/04/2021 14:39:17 [PA1] e fls 28 do processo administrativo junto sob Contestação (662836) Processo Administrativo Instrutor (008442595) de 30/04/2021 14:39:17 [PA2].

    b) A Autora e a sua filha foram transferidas da Alemanha para Portugal no âmbito de um processo de tomada a cargo, ao abrigo do Regulamento EU n.° 604/2013, de 26 de Junho, tendo apresentado pedido de protecção internacional a 9/2/2021 junto do GAR, o qual deu origem aos processos de asilo n.°s 128/21 e 129/21— fls. 1, 4 a 6, 7 e ss. do PA 1 e fls. 21/22 do PA2.

    c) A 8/3/2021, pelas 14h10m, a A. prestou declarações junto do SEF, perante a Inspectora D..., tendo dito que pretendia efectuar a entrevista em língua portuguesa - cfr. fls. 27 e ss. do PA2.

    A ora Autora prestou declarações do seguinte teor: « P. Tem algum problema de saúde? R. Eu não. Mas a filha tem anemia falciforme.

    1. A sua filha está a ter acompanhamento médico? R. Sim. Quando eu cheguei a Portugal o CPR encaminhou-me para o Hospital que por sua vez me marcou uma consulta no Hospital da Estefânia a 17.03 para ser acompanhada por uma especialista.

    2. Neste momento, sente-se em condições de realizar esta entrevista? R. Sim.

    3. Tem consigo algum documento que comprove a sua identidade e/ou nacionalidade? R. Neste momento não tenho nada.

    4. Onde se encontra o seu documento? R. O meu documento foi levado por um amigo do meu esposo que me levou até à Alemanha. Chama-se P…, é angolano. Ele tirou-me de Angola e levou-me para a Alemanha onde deixou-me em casa de uma senhora alemã, a Sr. B..

      1. Ele ficou-me com o meu passaporte e o da minha filha e nunca mais contactei com ele. Como ele é que estava a tratar da minha viagem desde o início ficou com os meus passaportes. Perdi entretanto o contacto com este senhor e por isso nunca mais vi os passaportes.

    5. Esta primeira parte da entrevista serve para conhecermos melhor a sua pessoa, os seus antecedentes, a traçar o seu perfil. Pode falar sobre a sua pessoa, dando o máximo de detalhes sobre si.

    6. Nasci em Luanda no Bairro Quinaxixe em Luanda. Sempre vivi com a minha mãe e a mesma criou-me sozinha. Sou filha única. Cresci no bairro mártires em Luanda. Aos dezoito anos tive um relacionamento que me deu dois filhos o J… e J... Separei-me cinco anos depois. Formei-me no Instituto superior ISPAJ onde fiz enfermagem. Trabalhei no Hospital Divina Providencia em Luanda por dois anos e na...

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