Acórdão nº 869/21 de Tribunal Constitucional (Port, 10 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Gonçalo Almeida Ribeiro
Data da Resolução10 de Novembro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 869/2021

Processo n.º 208/2021

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Gonçalo Almeida Ribeiro

Acordam na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em que é recorrente o Ministério Público e recorrido o A., S.A. – Sucursal em Portugal, o primeiro interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo da alínea a) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei do Tribunal Constitucional, adiante «LTC»), da decisão daquele Tribunal arbitral, de 20 de janeiro de 2021, que julgou procedente o pedido de impugnação de atos de liquidação adicional de imposto do selo relativos aos anos de 2015 e 2016, que determinaram o pagamento do imposto do selo sobre os montantes cobrados a título de taxa multilateral de intercâmbio («TMI»)

O Tribunal a quo começou por afirmar que «a verba 17.3.4. [da Tabela Geral do Imposto do Selo, adiante «TGIS»], na redação vigente antes da entrada em vigor do Orçamento do Estado para 2016, não abrangia a TMI nem as comissões interbancárias cobradas pela utilização de Caixas Automáticos em operações com cartões bancários.» Entendeu, pois, ser de recusar a aplicação da referida verba, na redação que lhe foi dada pelo artigo 153.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, à qual o artigo 154.º da mesma lei atribui caráter interpretativo, por aderir ao entendimento adotado em jurisprudência anterior do mesmo tribunal, segundo o qual «a nova lei a que foi atribuída natureza interpretativa é verdadeiramente inovadora, pelo que aquele artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016 é materialmente inconstitucional, por ser incompaginável com a proibição de retroactividade que consta do artigo 103.º, n.º 3, da CRP, por estatuir uma aplicação retroactiva da alteração que aquela Lei introduziu na verba 17.3.4 da TGIS.»

Consequentemente, entendeu que os atos de liquidação impugnados nos autos enfermavam de ilegalidade o que justificava a respetiva anulação.

2. O Ministério Público interpôs recurso desta decisão, citando a decisão recorrida na parte que se refere às disposições cuja aplicação foi recusada. Admitido o recurso, as partes foram notificadas para alegar, nos termos previstos no artigo 79.º da LTC.

3. O recorrente apresentou alegações, que concluiu nos seguintes termos:

«III

(Conclusões)

1.ª) Vem interposto recurso, pelo Ministério Público, para si obrigatório, nos termos do disposto nos artigos 280º, nº 1, al a) e nº 3, da Constituição, e dos artigos 70.º, n.º 1, al. a), 72.º nº 1, al a) e n.º 3, ambos da LOFPTC, da decisão arbitral proferida no proc. n.º 127/2020-T [BBVA, S.A. vs. Autoridade Tributária e Aduaneira], “uma vez que “foi recusada a aplicação (…) do artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016” [a LN] por “materialmente inconstitucional” uma vez que é “incompaginável com a proibição de retroatividade que consta do artigo 103.º, n.º 3, da CRP; por estatuir uma aplicação retroactiva da alteração que aquela lei introduziu na verba 17.3.4 da TGIS (…)” (fls. 15v.º)

2.ª) O fundamento da lei interpretava radica na proteção das expetativas seguras e legítimas dos interessados, na medida em que “estes podiam contar com a solução fixada pela LN interpretativa” visto ela “consagrar um dos vários sentidos facilmente comportados pelo texto da LA”, e por tal via serão tuteladas considerações de “justiça relativa”, “certeza” e “razoabilidade”, para um tratamento igual de casos iguais.

3.ª) Assim, na medida em que os seus destinatários “podiam contar com a solução fixada pela LN interpretativa”, visto ela “consagrar um dos vários sentidos facilmente comportados pelo texto da LA”, a LN deverá ser reputada como “lei interpretativa, no sentido e para os efeitos do artigo 13.º, n.º 1, do Código Civil.

4.ª) O que será o caso, em particular, quando a “lei interpretativa” sufraga uma interpretação “declarativa” (ainda que “lata”) do texto da LA.

5.ª) Ora, na expressão legal “Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros” poderão ser subsumidas, justamente por o serem, as TMI e as comissões cobradas sobre as operações efetuadas com cartões em caixas automáticas.

6.ª) Por outra parte, as “instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras”, emitentes dos cartões em causa, ao fazerem uso do serviço financeiro assim prestado pelas instituições de crédito, sociedades ou outras instituições financeiras” que são detentores do ponto ATM, são das mesmas “clientes”, nomeadamente efeitos de incidência subjetiva e objetiva do imposto do selo.

7.ª) A solução jurídica perfilhada na LN opera no quadro das regras hermenêuticas prescritas na lei tributária, nomeadamente à luz de argumentos literais (“comissões por operações financeiras” e “clientes”) e da substância económica dos factos em causa (serviços financeiros prestados pelos titulares dos pontos ATM) ali consagrados (LGT, art. 11.º, n.ºs 1 e 3).

8.ª) Por conseguinte, a solução jurídica perfilhada na LN, ao aditar o enunciado “incluindo as taxas relativas a operações de pagamento baseadas em cartões”, consagra seguramente uma “interpretação declarativa”, nomeadamente segundo os usos comuns dos agentes económicos altamente especializados, como são as instituições bancárias, das palavras “Outras comissões e contraprestações por serviços financeiros”, constantes da pretérita fórmula da verba 17.3.4 da TGIS da LA, o que lhe confere um cariz interpretativo (não-retroativo), em sentido próprio.

9.ª) Aliás, idêntica interpretação das palavras da verba 17.3.4 da TGIS já foi perfilhada em sede de decisões arbitrais, no acórdão arbitral de 7 de dezembro de 2017, proc. n.º 756/2016-T, no âmbito de controvérsias tributárias.

10.ª) Em conclusão, a decisão arbitral incorreu em erro de julgamento, por força de erro de interpretação, nomeadamente à luz do artigo 103.º, n.º 3, da Constituição, ao recusar caráter genuinamente interpretativo, em matéria respeitante à incidência objetiva do imposto do selo, à norma jurídica constante do artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março.»

4. O recorrido apresentou contra-alegações, com as seguintes conclusões:

A. Este Venerando TC já doutamente decidiu "[j]ulgar inconstitucional, por violação da proibição de criação de impostos com natureza retroativa estatuída no artigo 103.º, n.° 3, da Constituição, a norma do artigo 154.º da Lei n.ºs 7-A/2016, de 30 de março, na parte em que, por efeito do caráter meramente interpretativo que lhe atribui, determina que a norma do artigo 153.9 da citada Lei - que dá nova redação à verba 17.3.4 da Tabela Geral de Imposto do Selo" (vd. Acórdão n.9 566/2020).

B. Ainda mais recentemente, este Venerando TC teve oportunidade de voltar a "[j]ulgar inconstitucional, por violação da proibição de criação de impostos com natureza retroativa estatuída no artigo 103.º n.º 3, da Constituição, a norma do artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, na parte em que, atribuindo caráter interpretativo à redação dada por essa lei à verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto do Selo, determina que se considerem abrangidas por esta verba as quantias cobradas entre entidades bancárias, em data anterior à entrada em vigor daquela lei, por operações com cartões em caixas automáticas e a título de taxa multilateral de intercâmbio" (vd. Acórdão n.º 348/2021).

C. Ademais, no Acórdão n.º 196/2021, decidiu este Venerando TC "[j]ulgar inconstitucional, por violação da proibição de criação de impostos com natureza retroativa estatuída no artigo 103.º n.º 3, da Constituição, a norma do artigo 154.º da Lei n.º 7-A/2016, de 30 de março, na parte em que atribui natureza interpretativa à redação que o artigo 153.º da mesma Lei deu à verba 17.3.4 da Tabela Geral do Imposto de Selo, anexa ao Código do Imposto de Selo".

D. Isto porque é de todo impossível encontrar um sentido normativo anterior que a nova redação da verba 17.3.4 tenha pretendido fixar.

E. Até 31.03.2016, as comissões denominadas TMI e comissões interbancárias cobradas pela utilização de ATM's não estavam sujeitas a imposto do selo, por não serem de forma alguma enquadráveis na referida verba 17.3.4.

F. Resulta do artigo 3.º, n.º 3, alínea g), bem como do artigo 2.º, n.º 1, alínea b), ambos do Código do Imposto do Selo, que as "Operações financeiras" a que se reportava a verba 17.3.4, na redação anterior à alteração em causa nos autos, seriam as que são praticadas entre as instituições bancárias e os clientes.

G. Sucede que as entidades emissoras dos cartões (como a Recorrida) não cobram qualquer montante aos seus clientes (os titulares dos cartões), sendo por demais evidente que os "clientes" das entidades emissoras dos cartões bancários não são as outras instituições financeiras detentoras do ponto ATM.

H. Em qualquer caso, a verdade é que os montantes em causa decorrem de convenção interbancária de colaboração recíproca e destinam-se a repartir custos nas relações interbancárias, não sendo verdadeiramente "cobrados" a qualquer "cliente".

I. Do exposto se conclui que a Recorrida não é entidade credora das comissões em causa, para efeitos do disposto no artigo 2.º, n.ºs 1, alínea b), do Código do Imposto do Selo, porquanto não cobra qualquer comissão aos seus clientes, não podendo ser tido como sujeito passivo do imposto.

J. Assim sendo, dúvidas não pode haver que (i) até 31.03.2016, a verba 17.3.4 da TGIS não...

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