Acórdão nº 03193/06.0BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelANÍBAL FERRAZ
Data da Resolução10 de Novembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo (STA), com sede em Lisboa; # I.

A representação da Fazenda Pública (rFP) recorre de sentença, proferida no Tribunal Tributário (TT) de Lisboa, em 9 de março de 2020, que julgou procedente esta impugnação judicial, apresentada por Petróleos de Portugal – Petrogal, S.A., …, visando liquidação adicional de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (IRC), relativa ao exercício de 1998.

A recorrente (rte) produziu alegação e concluiu: «

  1. Visa o presente recurso reagir contra a douta sentença proferida nos autos de impugnação judicial à margem identificados, na parte em que julgou ilegal o acréscimo ao lucro tributável da Recorrida, do exercício de 1998, efetuado pela AT, no montante de € 305.183,67, resultante de valores considerados, indevidamente, como custo fiscal ao abrigo do disposto no art.º 38º, nº 2 do CIRC, com a redação então em vigor, por englobamento indevido de utilização direta de provisões para pré-reformas no cálculo do limite do custo fiscal dedutível previsto na primeira parte do nº 2 do preceito legal atrás referido e, em consequência, determinou, nessa parte, a anulação do sequente ato liquidação adicional de IRC que vinha impugnado.

  2. A sentença recorrida labora em erro ao incluir no cálculo do limite do custo fiscal dedutível, definido no nº 2, do art.º 38º do CIRC, o montante correspondente à utilização de provisão com pré-reformas.

  3. Sob a epígrafe “Realizações de Utilidade Social”, estatuía o art.º 38º, nº 2, do CIRC, que: “2- São igualmente considerados custos ou perdas do exercício, até ao limite de 15% das despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários respeitantes ao exercício, os suportados com contratos de seguros de doença e de acidentes pessoais, bem como com contratos de seguros de vida, contribuições para fundos de pensões e equiparáveis ou para quaisquer regimes complementares de segurança social, que garantam, exclusivamente, o benefício de reforma, pré-reforma, complemento de reforma, invalidez ou sobrevivência a favor dos trabalhadores da empresa.

    ” D) As despesas consagradas no citado normativo legal são as registadas na contabilidade da empresa - à data - conta 64 do Plano Oficial de Contabilidade (POC).

  4. O legislador estabeleceu uma norma com carácter taxativo, ao referir claramente, para efeitos do cálculo dos custos com realizações de utilidade social a acatar fiscalmente, que os mesmos são "considerados custos ou perdas do exercício até ao limite de 15% das despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários.

    ” F) Caso o legislador fiscal pretendesse ver consagrado o entendimento segundo o qual para efeitos de cálculo do limite a que se refere o citado art.º 38,º nº 2 do CIRC, seria irrelevante a qualificação atribuída pelos sujeitos passivos em termos contabilísticos às despesas cujo valor contribui para a fixação desse limite, tê-lo-ia dito expressamente.

  5. Mas a realidade é que não só não o fez, como pretendeu, exatamente, consagrar a posição contrária ao utilizar no texto da disposição legal atrás referida a expressão literal “escrituradas a título”, o que significa, registadas contabilisticamente em contas de custos com o pessoal (remunerações, ordenados ou salários).

  6. E, assim sendo, é por demais sabido que nos casos em que o elemento linguístico é por si só revelador do conteúdo espiritual da lei, apenas comportando determinado sentido, como sucede com o art.º 38º nº 2 do CIRC, o intérprete tem então de aceitar esse sentido não lhe competindo entrar no exame doutros elementos hermenêuticos, nomeadamente sistemáticos, ainda que se admita que o recurso a estes conduzisse a um resultado mais justo e razoável.

  7. Comungando do mesmo entendimento referem Diogo Leite de Campos, Benjamim Silva Rodrigues e Jorge Lopes de Sousa in "Lei Geral Tributária - comentada e anotada”, 3.ª edição, Vislis editores. 2003, pg. 75, em comentário ao artigo 11.º da LGT, “que a letra da lei tem de ser a principal referência e ponto de partida do intérprete, e, assim sendo, não se pode, na interpretação, transcender a linguagem, a construção linguística (sintático-formal) para afirmar um significado que não resulte expresso”. E continuam, “verifica-se, assim, uma conexão essencial entre linguagem expressiva e conteúdo expresso. Seja qual for o objeto que se pretenda atribuir à norma, quando não resultar expresso no contexto lógico-literal ou quando não apareça suficientemente definível com base no próprio contexto, o objeto deve considerar-se não significado.

    ” J) Ora, sabendo-se que o legislador fiscal procurou consagrar as soluções mais acertadas e que soube exprimir o seu pensamento em termos adequados, tal como determina o art.º 9º do Código Civil, não é possível face ao texto do art.º 38º n.º 2, do CIRC, relevar para efeitos de cálculo do limite de 15%, valores contabilizados em contas de provisões ou outras que não sejam contas de remunerações.

  8. Daí que o tratamento contabilístico e fiscal de uma provisão não elencada no então art.º 33º do CIRC seja, na situação tributária em apreço, independente do tratamento contabilístico e fiscal dos custos a que se reporta o então art.º 38º nº 2 do CIRC, nomeadamente em sede de fixação do limite das despesas a considerar ao abrigo do preceito legal atrás referido.

  9. Contrariamente ao propugnado pela sentença recorrida, que faz pressupor um tratamento idêntico dos factos de índole económica/contabilística atrás referidos, o que não está legalmente consagrado em nenhuma norma do CIRC.

  10. Pelo que sendo independentes os factos contabilísticos referidos no ponto anterior do presente recurso (valores escriturados a título de utilização direta de provisões e valores escriturados a título de remunerações) o seu tratamento fiscal é necessariamente diferente, não relevando para efeitos do cálculo do limite previsto no artigo 38.º n.º 2 do CIRC o montante de Esc. 407 892 213$00 (2 034 557,78 €) de utilização direta de provisões para pré-reformas, porque o legislador assim o entendeu no caráter taxativo que introduziu na redação dada àquele preceito legal.

  11. Aliás, se a vontade real do legislador fiscal (mens legislatoris) fosse no sentido da irrelevância da qualificação contabilística e fiscal das despesas, para efeitos de limitar a aceitação dos custos discriminados no nº 2, do art.º 38º do CIRC, aquele legislador teria adotado uma redação semelhante à que introduziu na redação dada à, então, alínea f), do n.º 1, do art.º 41º do CIRC quando determinou que “não são dedutíveis para efeito de determinação do lucro tributável, mesmo quando contabilizados como custos ou perdas do exercício as despesas com ajudas de custo não faturadas a clientes, escrituradas a qualquer titulo (…)” O) É sabido que as provisões se consubstanciam como expetativas de obrigações ou de perdas de ativos, isto é, como custos estimados e atuais (do exercício), correspondentes a despesas cujo montante ainda não é certo ou que são de eventual ocorrência futura, tendo a finalidade de imputar os custos aos exercícios a que se referem e evitando, assim, onerar excessivamente o exercício em que se concretizam.

  12. In casu, a AT entendeu não poder entrar no cálculo do limite de 15% fixado pelo legislador fiscal para a dedutibilidade fiscal dos custos identificados no n.º 2, do art.º 38º do CIRC, o montante de Esc. 407 892 213$00 (2 034 557,78 €) escriturado pela Recorrida, não a título de remunerações, ordenados ou salários como impõe a primeira parte do artigo 38.º n.º 2 do CIRC, mas sim a título de utilização direta de provisões para pré-reformas.

  13. Ora, afigura-se-nos que o entendimento propugnado pela AT, quanto à questão ora em análise, corresponde à melhor interpretação do disposto no art.º 38º n.º 2 do CIRC, atentos os termos verbais e a “ratio legis” deste preceito.

  14. A Recorrida ao relevar contabilisticamente a utilização direta de uma provisão para pensões de pré-reforma, anteriormente constituída, pelo valor de Esc. 407 892 213$00 (2 034 557,78 €), está, implicitamente, a proceder a uma classificação que tem efeitos fiscais porquanto, a qualificação atribuída em termos contabilísticos tem o significado de um comportamento declarativo da empresa, que produz efeitos, nos termos e com os limites de qualquer outra declaração tributária.

  15. Se o custo suportado com montantes pagos a título de pré-reforma tivesse sido relevado contabilisticamente em pensões (conta do POC 643 — Pensões) e não houvesse provisão constituída, aquele custo teria concorrido para efeitos do cálculo do limite estabelecido no n.º 2 do artigo 38.º do CIRC. O que não sucedendo, originou o referido acréscimo por violação do disposto nesta disposição legal que claramente refere “limite de 15% das despesas com o pessoal escrituradas a título de remunerações, ordenados ou salários”.

  16. Por conseguinte, o montante de Esc. 407 892 213$00 (2 034 557,78 €) escriturado pela Impugnante, ora Recorrida, não a título de remunerações, ordenados ou salários como impõe a primeira parte do art.º 38º n.º 2 do CIRC, mas sim a título de utilização direta de provisões para pré-reformas, não é passível de enquadramento no citado normativo legal, ou seja, não pode entrar no cálculo do limite de 15% fixado pelo legislador fiscal para a dedutibilidade fiscal dos custos ali identificados.

  17. Não concorrendo o valor da utilização da provisão para o cálculo do limite estabelecido no nº 2, do art.º 38º do CIRC, por não se tratar de um custo desse exercício contabilizado na conta 643 – Pensões, a sentença recorrida ao decidir como decidiu, incorreu em erro de julgamento por errónea interpretação e aplicação do disposto no citado normativo legal, impondo-se nesta parte a sua revogação e substituição por Acórdão que mantenha vigente no ordenamento jurídico-tributário a liquidação adicional de IRC impugnada, na parte em que incorpora o acréscimo ao lucro tributável declarado pela Recorrida, do exercício de 1998, no...

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