Acórdão nº 01260/11.7BEPRT de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução10 de Novembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório Vem interposto recurso jurisdicional por A……...., melhor sinalizado nos autos, visando a revogação da sentença de 31-03-2021, do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, que julgou totalmente improcedente a impugnação intentada contra o acto de indeferimento do recurso hierárquico deduzido na sequência do deferimento parcial da reclamação graciosa apresentada contra o acto de liquidação de Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Singulares (IRS), referente ao ano de 2005, no valor total a pagar de Eur 184.926,81, absolvendo a Autoridade Tributária e Aduaneira do pedido.

Irresignado, nas suas alegações, formulou o recorrente A……………..

, as seguintes conclusões: A - As normas de incidência variam consoante a natureza do imposto e estão sujeitas ao princípio da legalidade e da tipicidade, no sentido de que só há incidência real e pessoal em função do que está previsto na lei fiscal; B - Dispõe o artigo 11.°, n° 1, da Lei Geral Tributária que «Na determinação do sentido das normas fiscais e na qualificação dos factos a que as mesmas se aplicam, são observadas as regras e princípios gerais de interpretação e aplicação das leis», acrescentando o n° 2 do mesmo normativo que «Sempre que, nas normas fiscais, se apliquem termos próprios de outros ramos de direito, devem os mesmos ser interpretados no mesmo sentido que aí têm, salvo se outro decorrer directamente da /©/.»; C - A renúncia ao usufruto está prevista na al. e) do n° 1 [e no n° 2] do artigo 1476.° do Código Civil como uma das causas de extinção do direito de usufruto, correspondendo a um negócio jurídico unilateral pelo qual o seu autor extingue um direito de que é titular; D - A extinção do usufruto gera a expansão do direito de propriedade que, por via dele, se encontrava comprimido, mas este efeito, decorrente da elasticidade do direito de propriedade, em nada interfere com a natureza do acto da renúncia, i.e., não deixa de ser um acto extintivo para passar a ser um acto translativo; E - Como refere Oliveira Ascensão, “com a extinção do direito menor, não se dá uma nova transferência de poderes, do titular do direito menor para o proprietário, mas a cessação da limitação que sobre este pendia, e a consequente reaquisição da totalidade das prerrogativas legais, no exercício do direito F - No âmbito dos impostos sobre a transmissão de bens, onerosa ou gratuita, há normas de incidência que ficcionam a ocorrência de “transmissão” em situações que não têm correspondência no direito civil; No entanto, estes conceitos não vigoram no âmbito dos impostos sobre o rendimento, por serem exclusivos das normas de incidência dos impostos sobre a transmissão onerosa ou gratuita de bens, e o princípio da legalidade e da tipicidade a tal se opor; G - Há que respeitar os conceitos normativos da incidência de cada imposto, uma vez que neste âmbito não é admissível a aplicação analógica, por força do princípio da legalidade e da tipicidade, consagrado no art. 103°, n°s 2 e 3, da Constituição; H - Por essa razão, não é admissível a “importação ou exportação” de conceitos atinentes à incidência de um imposto para outro, mormente quando é distinta a sua natureza, como sucede entre os impostos que incidem sobre a despesa ou a transmissão de bens e os que incidem sobre o rendimento; I - É o que se passa, precisamente, com a relevância da transmissão da propriedade separada do usufruto para efeitos distintos da incidência prevista no Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações; J - Tal como se refere no Acórdão do Tribunal de Segunda Instância das Contribuições e Impostos, de 5 de Maio de 1971, no processo n.° 46.905, “/// - (...) para efeitos fiscais diferentes da tributação em imposto de sisa ou em imposto sobre as sucessões e doações, há-de entrar em funcionamento o conceito civilistico de transmissão. IV - Nos casos de doação de bens imóveis cativos de usufruto, a transmissão efectua-se no acto da aquisição dos bens.

K - Só no âmbito do Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações é que a renúncia ao usufruto é tida como uma transmissão, pelo que, para efeitos de imposto sobre o rendimento há que aplicar o conceito civilístico de renúncia ao usufruto, no sentido de que esta constitui um acto extintivo do direito de propriedade e não um acto translativo; L - Assim, no caso em apreço, tendo a doação dos prédios rústicos ocorrido em 1975, é nessa data que ocorre a transmissão da propriedade a favor do impugnante e aqui recorrente, motivo por que é aplicável ao caso em apreço a disposição do n.° 1 do artigo 5.° do Decreto-Lei n.° 442-A/88, de 30.11, segundo a qual “Os ganhos que não eram sujeitos ao imposto de mais-valias, criado pelo Código aprovado pelo DL 46.673, de 9 de junho de 1965 (...) só ficam sujeitos a IRS se a aquisição dos bens ou direitos a que respeitam tiver sido efectuada depois da entrada em vigor deste Código”, M - De que decorre que a transmissão onerosa dos prédios rústicos em causa nos presentes autos beneficia da exclusão de tributação prevista no n° 1 do artigo 5.° do Decreto-Lei n.° 442- A/88, de 30 de Novembro; N - E não se diga que a aplicação das normas do Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações nesta matéria resulta de remissão expressa do Código do IRS, concretamente do seu artigo 45.°, pois que, não é das normas de determinação da matéria colectável que há-de resultar a previsão do facto tributário, ou seja, a incidência do imposto, não havendo, no artigo 10.° do Código do IRS qualquer remissão para as normas ou para os conceitos do Código da Sisa e do Imposto sobre as Sucessões e Doações no que respeita ao que se entende por transmissão ou alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis; O - Deste modo, devia ter sido julgada procedente a impugnação judicial, por ser aplicável à situação sub judice o regime transitório da categoria G do IRS previsto no n° 1 do artigo 5.° do Decreto-Lei n.° 442-A/88, de 30 de Novembro; P - Por outro lado, e relativamente à segunda questão colocada nos presentes autos, a própria natureza da expropriação e da compensação que a mesma envolve, colide frontalmente com o conceito de rendimento tributável em sede de IRS, que assenta na concepção do rendimento-acréscimo, ou seja, na incidência do imposto sobre o acréscimo de património líquido registado num determinado período, como indica o preâmbulo do Decreto-Lei n.° 442-A/88, de 30 de Novembro, que aprovou o Código do IRS; Q - O artigo 10.° do Código do IRS mostra o carácter selectivo da tributação das mais-valias, dando o elenco exaustivo ou taxativo dos factos geradores de imposto, não sendo tributáveis outras mais-valias que não sejam as previstas no elenco deste normativo; R - Dessa norma de incidência real das mais-valias tributáveis na categoria G do IRS, não consta a indemnização por expropriação de utilidade pública, nem a expropriação pode ser reconduzida à alienação onerosa de direitos reais sobre bens imóveis, prevista na alínea a) do n.° 1, do artigo 10.° do Código do IRS; S - Com efeito, a expropriação não equivale a uma alienação onerosa do direito de propriedade, resultante do normal exercício do direito de o proprietário alienar o bem, mas antes numa privação forçada do direito de propriedade com a inerente extinção dos direitos reais sobre os imóveis na esfera do expropriado e a concomitante constituição de novos direitos reais na esfera jurídica do beneficiário da expropriação; T - Nesse contexto, a justa indemnização compreendida na expropriação não constitui um acréscimo patrimonial na acepção do Código do IRS, por não corresponder a qualquer incremento do património do expropriado mas antes, como prevê a lei, ao ressarcimento do prejuízo patrimonial provocado pela expropriação; U - Como se refere no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 31 de Janeiro de 2012, no Processo n.° 5253/04.2TBVNG.P1 S1 :“1.

Nas expropriações por utilidade pública, só o critério do valor real do bem, em condições normais de mercado, assegura o princípio constitucional da justa indemnização. [...]. 2. A justa indemnização não se configura como uma verdadeira indemnização, pois não deriva do instituto da responsabilidade civil. Englobando a obrigação de indemnizar, por expropriação, apenas a compensação pela perda patrimonial suportada, tendo como finalidade a criação de uma nova situação patrimonial correspondente e de igual valor; [...]; 5. A nossa lei acolhe a teoria da substituição no domínio da fixação da indemnização por expropriação, só sendo, assim, justa a indemnização que compense integralmente o dano suportado pelo expropriado; V - Acresce que, o elenco das mais-valias constante do n° 1 do artigo 10.° do Código do IRS é taxativo e não contempla a expropriação, pelo que, de acordo com o disposto nos artigos 11.°, n° 1, da Lei Geral Tributária e 9o do Código Civil, não pode interpretar-se o pensamento legislativo de outra forma senão a que resulta da letra da lei e do seu preâmbulo, em cumprimento, ainda, do princípio da legalidade e da tipicidade que vigoram em matéria de incidência dos impostos; W - Como refere o Supremo Tribunal Administrativo no recente Acórdão de 7 de Abril de 2021, proferido no Processo n° 0813/16.1BEAVR: «/- O conceito de “alienação onerosa” a que se refere o art. 10° n.°1, a), do Código do I.R.S. (...) não é substancialmente diverso do de “transmissão onerosa” a que se referia o n.° 1 do art. 1° do Cód. de Imp. de Mais-Valias, sobre o qual a doutrina e a jurisprudência se pronunciou em termos de estar excluída a expropriação por utilidade pública.II - (...) III- A expropriação por utilidade pública não se encontra abrangida pela norma de incidência da alínea a) do n.° 1 do artigo 10° do Código do I.R.S., nem na alínea b) do n.° 1 do artigo 44° do mesmo código, pois tal redundaria em inconstitucionalidade orgânica, para além de que violaria o princípio da tipicidade.»...

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