Acórdão nº 02465/10.3BELRS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Novembro de 2021
Magistrado Responsável | FRANCISCO ROTHES |
Data da Resolução | 10 de Novembro de 2021 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 2465/10.3BELRS Recorrente: “A………….. - Instituição Financeira de Crédito, S.A.” Recorrida: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) 1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade acima identificada recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença proferida no Tribunal Tributário de Lisboa, que julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida da liquidação adicional de Imposto sobre o Valor Acrescentado (IVA) e respectivos juros compensatórios, que lhe foi efectuada pela AT com referência ao mês de Dezembro de 2007, na parte respeitante ao imposto suportado com bens e serviços de utilização mista ou de afectação promíscua (i.e.
, utilizados indistintamente nas diversas actividades prosseguidas pela Impugnante, sendo que apenas uma é sujeita a imposto).
1.2 O recurso foi admitido, com subida imediata e nos próprios autos e a Recorrente apresentou a motivação do recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «a. Da decisão do tribunal a quo:
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A recorrente foi impedida de se pronunciar sobre os argumentos novos invocados no teor da contestação, designadamente, entre outros, sobre o teor do ofício circulado n.º 30108 do IVA, junto ao Processo Administrativo, a folhas 313 a 315 e invocado, ex novo, no artigo 53.º da Contestação (cfr. artigo 53.º ao articulado de contestação – pág. 10 da contestação junta aos autos).
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E foi também impedida de se pronunciar acerca do teor do acórdão do TJUE n.º C-183/13, o qual foi determinante para a decisão do caso sub judice, conforme resulta do teor da sentença recorrida.
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A violação do princípio do contraditório, porque no caso concreto ora em apreço influencia o exame e decisão da causa, gera a nulidade da decisão impugnada, nos termos do n.º 1 do artigo 195.º do CPC, aplicável por força do artigo 2.º do CPPT.
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A primeira e principal questão decidenda é aferir se o valor de amortização do capital em dívida, incluído nas rendas de contratos de locação financeira, deve (ou não deve) ser considerado no numerador e no denominador da fórmula de cálculo da percentagem de dedução do IVA (pro-rata), suportado com a aquisição de bens e serviços afectos à actividade de crédito e de locação financeira.
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No probatório da sentença recorrida não se vislumbra uma qualquer referência que relacione o nível de consumo dos bens e serviços de utilização mista com as actividades de financiamento e gestão dos contratos de locação financeira e com as actividades de disponibilização e manutenção dos veículos. Esta questão de facto é considerada determinante – no entender do TJUE (Acórdão C-183/13) – para o enquadramento jurídico da situação em apreço.
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A sentença ora recorrida deve ser anulada na parte que diz respeito à questão decidenda ora em apreço e os autos devem ser devolvidos à 1.ª instância, a fim de se proceder à ampliação da matéria de facto tida por essencial, pelo T.J.U.E. e para que se proceda a novo julgamento quanto à matéria da impugnação.
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É manifesta a improcedência dos «fundamentos» jurídicos invocados e são ostensivos e grosseiros os erros na parte decisória da sentença do tribunal a quo.
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Em primeiro lugar, porque a sentença recorrida tenta fundamentar a decisão, ficcionando que os entendimentos da Fazenda Pública, transcritos na parte decisória da sentença recorrida, correspondem a decisões dos tribunais superiores, o que se demonstrou ser uma completa falsidade.
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Em segundo lugar, porque a decisão do tribunal a quo ao transcrever apenas parcialmente as conclusões do TJUE (Acórdão C183/13) omitiu precisamente, a parte com maior relevância para a decisão do caso em apreço, conforme se evidencia em seguida.
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A conclusão do acórdão do TJUE proferida no Proc. C-183/13 é a seguinte: «o artigo 17.º, n.º 5... deve ser interpretado no sentido de que não se opõe a que um Estado-Membro, em circunstâncias como as do processo principal, obrigue um banco que exerce, nomeadamente, actividades de locação financeira a incluir, no numerador e no denominador da fracção que serve para estabelecer um único e mesmo pro rata de dedução para todos os seus bens e serviços de utilização mista, apenas a parte das rendas pagas pelos clientes, no âmbito dos seus contratos de locação financeira, que corresponde aos juros, quando a utilização desses bens e serviços seja sobretudo determinada pelo financiamento e pela gestão desses contratos, o que incumbe ao órgão jurisdicional de reenvio verificar».(sublinhado nosso) K) A parte sublinhada é aquela que foi omitida no teor da sentença do tribunal a quo, e é precisamente a parte sobre a qual o tribunal a quo devia ter emitido pronúncia, apreciando a matéria de facto e se necessário ampliando-a, de modo a responder à questão de facto (que, no entender do TJUE, se afigura determinante para resolver o caso em apreço).
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Em suma, andou mal a sentença do tribunal a quo ao não apreciar a questão de facto, que é determinante para o enquadramento jurídico-tributário e andou ainda pior a referida sentença ao optar – infundadamente – por um enquadramento jurídico, o qual não tem a mínima correspondência com a factualidade subjacente, nem corresponde ao entendimento jurisprudencial no que a esta matéria diz respeito, pelo que a decisão recorrida, ao manter o acto impugnado, enferma do vício de errónea qualificação dos factos tributários, devendo ser anulada por força do previsto no artigo 99.º alínea a) do CPPT.
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Em face de tudo o exposto, o presente recurso deve ser julgado procedente e, em consequência, ser anulada a sentença do tribunal a quo, no que a esta matéria diz respeito, e determinar a baixa dos autos ao tribunal a quo, para que a sentença seja substituída por outra que, ampliado a base factual necessária, aplique o direito em conformidade com os factos apurados.
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Da procedência da impugnação: Sem nada conceder, os factos e os fundamentos que determinam a procedência da presente impugnação são, sumariamente, os seguintes: N) No ponto 3 dos Factos Provados, a sentença recorrida considera provados os factos constantes dos artigos 10.º e 11.º da P.I., afirmando, no referido ponto 3. da sentença recorrida, que «desde a fusão, a impugnante constitui-se como sujeito passivo de IVA misto...
» O) Como resulta documentalmente provado no doc. 5 anexo à PI, a ora recorrente, na qualidade de entidade incorporante, realizou duas operações de fusão por incorporação, a saber: - Em Outubro de 2003 incorporou as sociedades B…………………, S.A., C…………………., S.A. e A………… Serviços Lda. (cfr. doc 5).
- Em Novembro de 2004 incorporou as sociedades A…………… ALD - Comércio e Viaturas de Aluguer, Lda., A…………… Rent - Comércio e Viaturas de Aluguer, Lda. e D………….., S.A. (cfr. doc 5).
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Está provado que das sete sociedades que foram unificadas (uma sociedade incorporante e seis sociedades incorporadas por fusão) apenas uma dessas sociedades tinha por actividade o financiamento e a gestão dos contratos de financiamento e outra, a sociedade incorporante, tinha como actividade a locação financeira.
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Perante estes factos (documentalmente provados, cfr. doc. 5 anexo à P.I.) é manifesto que o nível de consumo dos bens e serviços de utilização mista está sobretudo relacionado com as actividades de disponibilização (aluguer de veículos não financeiro) manutenção, reparação, assistência a veículos, de comércio (compra e venda) de veículos e, menos significativamente, com as actividades de financiamento e gestão dos contratos de crédito e de locação financeira.
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Assim sendo, a metodologia adoptada pela ora recorrente (pro-rata) para apuramento do IVA dedutível nos gastos comuns, não conduz a uma distorção significativa na tributação. Antes pelo contrário, em face destes factos provados, devidamente documentados, é manifesto que a fórmula de cálculo de dedução do IVA, que pondere a dedutibilidade fiscal do IVA incorporado nos custos comuns unicamente em função dos juros recebidos da actividade de crédito e da actividade de locação conduziria, no caso concreto da Impugnante ora Recorrente, a uma redução artificial do direito à dedução do IVA, desfavorável à Impugnante, atentas as características concretas da respectiva actividade da impugnante.
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Concluindo, o acto tributário de liquidação impugnado, no que a esta matéria diz respeito, enferma do vício de errónea qualificação dos factos tributários, motivo pelo qual deve ser anulado, com fundamento na alínea a) do artigo 99.º do CPPT.
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Ainda que se entendesse não estar provada pela ora recorrente a inexistência de distorção significativa na metodologia de cálculo do pro-rata de dedução de IVA utilizada pela recorrente – sem conceder e somente ad cautelem se equaciona – ainda assim, é a AT que tem o ónus de provar que a referida metodologia utilizada pela requerente conduz a uma distorção significativa na tributação.
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No probatório da sentença recorrida e no relatório de inspecção tributária não se vislumbra uma qualquer referência que relacione o nível de consumo dos bens e serviços de utilização mista com as actividades de financiamento e de gestão dos contratos de financiamento e de locação financeira e com as actividades de disponibilização (aluguer não financeiro) e de manutenção dos veículos, nem se encontra qualquer facto – um único que seja – susceptível de provar a alegada distorção significativa.
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Em consequência, no que concerne a esta matéria, o acto tributário de liquidação que ora se impugna é anulável, ex vi artigo 99.º alínea c) do CPPT, por ausência de fundamentação legalmente exigida.
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Acrescente-se, sem nada conceder, mesmo se por mera hipótese académica fosse de admitir que alguma prova havia sido produzida pela AT, é manifesto e notório que a AT não logrou provar a existência de uma distorção significativa, pelo que aplicar-se-ia à situação a regra prevista no n.º 1 do artigo 100.º do CPPT, a saber: «sempre que da prova produzida resulte fundada dúvida sobre a existência e quantificação do facto tributário...
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