Acórdão nº 01161/04.5BEVIS de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 10 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelISABEL MARQUES DA SILVA
Data da Resolução10 de Novembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam na Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo:- Relatório – 1 - LACTICOOP – UNIÃO COOPERATIVAS PRODUTORES DE LEITE ENTRE DOURO E MONDEGO, UCRL, com os sinais dos autos, vem, ao abrigo do disposto no artigo 285.º do Código de Procedimento e Processo Tributário (CPPT), na redação dada pela Lei n.º 118/2019, de 17/09, interpor para este Supremo Tribunal recurso de revista do acórdão do Tribunal Central Administrativo Norte de 13 de maio de 2021, na parte em que este concedeu provimento ao recurso interposto pela Fazenda Pública da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial deduzida contra liquidação de IRC do ano de 1998 (na parte dos acréscimos à matéria coletável com fundamento na variação patrimonial positiva decorrente de perdão da uma dívida).

A recorrente termina as suas alegações de recurso formulando as seguintes conclusões: A.

A presente revista incide, em termos sumários – quanto aos quais se fará, adiante, a necessária alegação –, sobre a apreciação da correção ao nível do acréscimo à matéria coletável da Recorrente com fundamento na verificação de uma variação patrimonial positiva decorrente da concretização de um perdão de dívida ao abrigo do artigo 21.º do Código do IRC.

B.

É inequívoca a relevância jurídica e, mais ainda, social, da apreciação em sede de recurso de revista da questão inerente à correção operada ao nível do acréscimo à matéria coletável da Recorrente com fundamento na verificação de uma variação patrimonial positiva decorrente da concretização de um alegado perdão de dívida.

C.

Resulta clara a importância fundamental da análise desta questão em sede de revista, mormente em face da sua inquestionável relevância jurídica e social. À luz do que vem dito e considerada a densificação de conceitos feita nos acórdãos acima citados, é incontornável que esta é uma questão de complexidade jurídica superior ao comum em razão da dificuldade das operações exegéticas que cumpra efetuar, no contexto de um enquadramento normativo particularmente complexo e em que há, em concreto, a necessidade de compatibilizar diferentes regimes potencialmente aplicáveis e se exija ao intérprete e ao julgador complexas operações de natureza lógica e jurídica indispensáveis à resolução das questões suscitadas. No mesmo conspecto, impõe-se dizer que esta relevância jurídica não é meramente teórica, medida pelo exercício intelectual a incidir sobre as normas discutidas, mas antes eminentemente prática, com interesse e utilidade objetivas, no contexto concreto dos autos mas, mais ainda, no contexto do direito constituído que regulamenta a indústria financeira e este segmento em particular.

D. No caso concreto, aliás, a história do processo e duração do mesmo, tornam a decisão de que se decorre particularmente carente de revisão, porquanto, por sua via, e de uma forma que não se hesita em considerar inútil e meramente dilatório, prolonga o já inusitado tempo de pendência de uma ação de valor tão excecionalmente material e de desfecho tão particularmente decisivo para a subsistência da entidade que ao mesmo careceu de recorrer, em vista da concretização da justiça.

E.

Conceda-se em que não cuidamos de um agente económico convencional, mas de uma organização cuja sobrevivência se revela de um interesse e importância fundamentais para a consistência de todo o setor, que, assim, ao ver mais uma vez protelada uma decisão definitiva sobre um caso de evidência jurídica incontornável, é, definitivamente, abalado na sua sustentabilidade.

F. Na verdade, a LACTICOOP, UCRL é uma união de 16 cooperativas agrícolas que se dedica à recolha e concentração de leite em natureza. A sua missão é contribuir para o desenvolvimento de um setor leiteiro nacional sustentável através da prossecução dos melhores padrões de eficiência técnico-económica na produção e a qualidade na recolha de leite.

G. E este é um ponto de fulcral relevância para os efeitos que aqui nos atêm: a atividade de produção de leite é um dos mais importantes sectores da agricultura e um pilar fundamental da economia e da criação de valor agrícola nas várias regiões onde a Recorrente desenvolve a sua atividade. A produção de leite desempenha um papel central no equilíbrio social e ecológico nas regiões rurais em que se insere, através da criação de emprego, da fixação de populações e da proteção e preservação da biodiversidade, das paisagens e da qualidade dos solos, contribuindo, assim, para minimizar a crescente desertificação das zonas rurais. Além da sua importância económica e social, é indiscutível a importância do leite como alimento na dieta mediterrânea pelo elevado valor nutritivo que apresenta contribuindo para um crescimento e manutenção de uma vida saudável.

H.

Ora, o acórdão recorrido vem dado no âmbito de um recurso interposto da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Aveiro, com data de 11.07.2011, que julgou parcialmente procedente a impugnação judicial proposta pela Lacticoop em face da liquidação adicional de IRC, referente ao exercício de 1998, no valor global de € 10.433.573,41. Em apreciação deste recurso, o Tribunal Central Administrativo Norte considerou que seria de declarar nula aquela decisão por esta omitir no relatório a indicação dos factos dados como não provados e por não ter efetuado uma apreciação critica da prova, com base nas normas constantes dos artigos 123.º e 125.º do CPPT.

I.

No recurso que interpôs e que obteve procedência, a AT alegou que a decisão não é clara, é ambígua e superficial, o que provoca a sua nulidade ao abrigo al.b) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC, «…pois faz uma análise subjetiva da questão a resolver, ao defender o entendimento de que o que está em causa é a análise de “dois modelos de apreciação da realidade económica-empresarial…». Ainda que o tivesse feito de uma forma desfasada e pouco congruente, parece ser de concluir das alegações da RFP que esta pretendeu invocar, num e noutro caso, a alegada verificação da causa de nulidade tipificada na sobredita al. b) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC e que vem reproduzida no também já citado artigo 123.º do CPPT, ao que terá o Tribunal acedido, na opinião da Lacticoop, erradamente.

J.

Dispõem em concreto, as sobreditas normas, que a sentença é nula quando não especifica os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão –, sendo que, para este caso em concreto, relevam apenas os fundamentos de facto.

K.

No entanto, no caso da sentença de primeira instância, tal alegação de nulidade é totalmente descabida, quer porque a mesma não se verifica em concreto, na medida em que o Tribunal não deixou de fazer a especificação que lhe era devida, quer porque, também em concreto, a alegada omissão na indicação dos factos, por não reportar a factos essenciais, não releva para a decisão da causa – naturalmente, só relevam para estes efeitos, os factos tidos como fundamentais.

L.

A omissão invocada – e admitida pelo Tribunal Central Administrativo – só redundaria na dita nulidade se fosse absoluta e se incidisse sobre os factos fundamentais para a boa decisão do pleito.

M.

A estipulação daquela não especificação dos factos na sentença como causa de nulidade é imposta pela garantia de cumprimento dos fins da própria sentença. No entanto, a lei apenas considera que se verifica tal nulidade quando esteja em causa uma situação de falta absoluta de fundamentação da decisão proferida.

N. Pelo contrário, nos casos em que essa fundamentação é meramente insuficiente ou confusa – o que, obviamente, não se consente no caso em apreço – a lei considera que a sanção a aplicar não pode ser tão gravosa, bastando-se com a mera anulabilidade da sentença por erro de julgamento da matéria de facto. Aliás, «…como também é sabido e é jurisprudência assente, a nulidade da sentença por falta de fundamentação de facto ou de direito só abrange a falta absoluta de motivação da própria decisão e não já a falta de justificação dos respetivos fundamentos; isto é, a nulidade só é operante quando haja total omissão dos fundamentos de facto ou de direito em que assenta a decisão» (cfr.,entre outros, o ac. do STA, de 10/5/73, BMJ 228, 259; o ac. do STJ, de 8/4/75, BMJ 246, 131 e o ac. desta secção do TCA, de 20/4/99, Rec. 62.285).

O.

A insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade - cfr. Alberto dos Reis, CPC anotado, Vol. V, 140.» - cfr. o Ac. do Tribunal Central Administrativo Sul, de 22/05/2007 (P.01068/06).

P.

Daí que, a nosso ver e salvo o devido respeito, mereça revisão a decisão que admite a procedência da alegada nulidade da sentença, independentemente, embora, da questão de saber se a sentença errou, ou não, quanto a tal julgamento da matéria de facto. Esta decisão, tomada nestes termos, tem um efeito demolidor na esfera da aqui Recorrente, porquanto a força a manter retidas quantias – as relativas ao valor do imposto – absolutamente imprescindíveis à prossecução da respetiva atividade por uma nova série (insuportável) de anos, até à procedência do aresto que lhe puser fim.

Q.

Isto significa, em bom rigor, aceder a que um preciosismo processual, relativo a elementos não essenciais ou determinantes da vontade do julgador, se sobreponha à realização da justiça na presente causa, com um menor dano possível para quem não teve alternativa senão recorrer a tribunal para ver reconhecido o seu direito à anulação de uma liquidação adicional de imposto ostensivamente ilegal.

R.

Sublinhe-se com toda a veemência que estas exigências de fundamentação se reportam apenas aos factos tidos como essenciais para a análise e boa decisão da causa, o que não é definitivamente o caso...

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