Acórdão nº 3066/18.3T8LRA.C1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 04 de Novembro de 2021

Data04 Novembro 2021
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça I – RELATÓRIO 1.

Decisões e Soluções - Intermediários de Crédito, Lda. e Decisões e Soluções – Mediação Imobiliária, Lda., instauraram acção sob a forma de processo comum contra, AA, pedindo que o Réu seja condenado: a) A pagar à 1ª A. a quantia de €2.500,00, a título de indemnização pela denúncia antecipada do contrato, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo pagamento; b) A pagar à 2ª A. a quantia de €52.500,00, também a título de indemnização, acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efetivo pagamento.

  1. Regularmente citado, contestou o Réu por exceção e impugnação, deduzindo também reconvenção, onde, subsidiariamente, para o caso de se entender que a ajuizada cláusula de não concorrência é válida, reclama o direito a ser compensado num valor que computa em €48.000,00 (equivalente a 2.000,00/mês), e ainda numa indemnização no montante de €18.000,00 correspondente ao prejuízo causado pelo incumprimento daquilo a que as Autoras se obrigaram, quantias em cujo pagamento pede a respetiva condenação sem prejuízo dos juros legais desde a citação.

  2. Replicaram as Autoras à matéria excepcional e reconvencional, concluindo pela sua improcedência e reiterando o pedido deduzido inicialmente.

  3. No despacho saneador foi julgada improcedente a invocada excepção de ilegitimidade ativa, sendo que a final a acção e a reconvenção foram julgadas improcedentes por não provadas e o Réu e as Autoras absolvidas dos respetivos pedidos, através do seguinte dispositivo: “Nestes termos e pelo exposto, decido: a) Julgar totalmente improcedente procedente, por provada, a presente acção e, em consequência, absolver o R. dos pedidos; b) Julgar improcedente, por não provado, o pedido reconvencional do R./Reconvinte, referente à condenação das AA. ao pagamento de 18.000€, a título de incumprimento contratual e violação dos deveres de lealdade e boa fé, dele absolvendo as AA./Reconvindas.

    1. Considerar prejudicado o restante pedido reconvencional, em virtude da apontada nulidade do pacto de não concorrência” 5.

    Inconformada, recorreu a Autora/Decisões e Soluções - Mediação Imobiliária, Lda., tendo a Relação proferido acórdão, conhecendo da apelação, enunciando no respetivo dispositivo: “Pelo exposto, na improcedência da apelação, e ainda que por fundamentação não coincidente, confirmam a sentença recorrida.” 6.

    Novamente inconformada a Autora/Decisões e Soluções – Mediação Imobiliária, Lda. interpôs recurso de revista, em termos gerais, e subsidiariamente, em termos excepcionais, invocando a propósito, a contradição de julgados, juntando cópia do acórdão fundamento (Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 14 de abril de 2019, proferido no âmbito do Processo n.º 27467/15.0T8PRT.P1), cujo trânsito está certificado.

  4. O Exm.º Senhor Juiz Conselheiro, a quem o recurso foi distribuído, exarou despacho em cumprimento do disposto no Provimento n.º 23/2019 do Supremo Tribunal de Justiça, remetendo os autos à formação.

  5. Por acórdão de 29 de Junho de 2021, a formação a que se reporta o art.º 672.º veio a admitir a revista pela via excepcional, por reconhecer existir contradição de julgados quanto à seguinte questão - A validade do pacto de não concorrência e da cláusula penal constantes do clausulado, nos ajuizados contratos de agência, celebrados entre a A./recorrente e o R/recorrida – entre o acórdão recorrido e o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, de 14/04/2019, proferido no âmbito do Processo n.º 27467/15.0T8PRT.P12, afirmando: “Como vemos, a orientação assumida no acórdão fundamento vai no sentido de reconhecer a validade do pacto de não concorrência e da cláusula penal constantes do cláusulado nos contratos de agência/subagência, em oposição afirmada aqueloutra vertida no acórdão recorrido, encerrando uma questão de direito suscetível de ditar destino diverso daquele traçado no acórdão recorrido. Impõe-se, assim, a necessidade da intervenção deste Tribunal de revista, a título excecional, para que conheça da questão atinente à validade do pacto de não concorrência e da cláusula penal constantes do cláusulado nos ajuizados contratos de agência.”.

  6. Conhecido o recurso de revista, admitido por via excepcional, veio o STJ a proferir acórdão onde decidiu: “Pelos fundamentos indicados é negada a revista e confirmado o acórdão recorrido, ainda que com diferente fundamentação.” 10.

    É deste acórdão que vem questionada a conformidade com a lei, invocando o requerente que o tribunal cometeu nulidades, nos seguintes termos: “1. Dispõe o art. 615º n.º 1 al. d) do Cód. Proc. Civil que é nula a sentença “quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento.” 2. Sendo tal preceito aplicável também aos acórdãos proferidos em sede recursiva, nomeadamente aqueles proferidos, em revista, pelo Supremo Tribunal de Justiça, por via da remissão expressa contida nos arts. 685º e 666º do Cód. Proc. Civil.

    ISTO POSTO: 3. Coligido o douto acórdão proferido, constata-se que o mesmo negou provimento à revista, confirmando o douto acórdão recorrido, ainda que com diferente fundamentação.

  7. Com efeito, ajuizou-se, assim que: “(…) Tal como no acórdão do STJ de 05/05/2020, processo n.º 13603/16.2T8SNT.L1.S2, não se fará aqui uma teorização das questões jurídicas, mas um olhar atento ao direito e ao caso concreto, o qual se impõe até por via do instituto do abuso de direito, que é de conhecimento oficioso e tem todos os elementos de enquadramento indicados, nem que seja de modo implícito, no processo.

    A pretensão das AA. ultrapassa manifestamente os limites da boa fé na execução do contrato e nos efeitos e nos efeitos pretendidos valer da sua celebração, in casu, pelo que não podem as mesmas ver-se-lhes reconhecido o direito à pretensão que formularam, por contrariar o regime do art. 334º do CC. (…) 5. Tal como resulta do trecho da decisão supra transcrito, julgou este Supremo Tribunal que a recorrente actuou em abuso de direito, com o que negou o reconhecimento do seu direito.

  8. Foi, assim, com fundamento na aplicação, a título oficioso, do instituto do abuso de direito que negou provimento à revista, confirmando, com diversa fundamentação a acórdão recorrido.

  9. Sempre com o máximo respeito por diverso entendimento, considera a recorrente que o acórdão proferido, ao enveredar pela aplicação oficiosa do instituto do abuso de direito, nos termos em que o fez, de modo a aí fundar a decisão de mérito, incorreu em manifesta violação do princípio do contraditório.

  10. Por não ter concedido às partes – mormente à A/recorrente, que é, a final, a parte prejudicada por tal solução jurídica – a possibilidade de se pronunciar sobre a eventual aplicação ao caso dos autos do instituto do abuso de direito, quando o mesmo não foi nas decisões das duas instâncias e, nessa media, não foi uma questão aflorada em sede de recurso, o douto acórdão proferido consubstancia uma verdadeira decisão-surpresa.

  11. Sendo, por tal motivo, nulo.

  12. Com efeito, nos termos do disposto no art. 3º n.º 3 do Cód. Proc. Civil, “3 - O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem.” 11. É o corolário do princípio do contraditório, princípio basilar do nosso ordenamento jurídico-civil, dotado de assento constitucional (vide art. 20º da Constituição da República Portuguesa).

  13. Ainda na decorrência desse princípio, determina o art. 4º do Cód. Proc. Civil que “O tribunal deve assegurar, ao longo de todo o processo, um estatuto de igualdade substancial das partes, designadamente no exercício de faculdades, no uso de meios de defesa e na aplicação de cominações ou de sanções processuais.” 13. Trata-se, pois, do princípio da igualdade das partes, que se impõe ser cotejado com o princípio do contraditório.

  14. Crê a recorrente que a redacção do art. 3º n.º 3 do Cód. Proc. Civil se mostra claríssima no sentido de que é um dever do juiz cumprir o princípio do contraditório, ainda que esteja em causa uma questão de conhecimento oficioso (como, por exemplo, o abuso de direito).

  15. Ora, o que se verificou nos presentes autos é que esta concreta questão – abuso de direito – não foi suscitada nos autos por qualquer das decisões proferidas nas instâncias.

  16. De igual sorte, atentos os concretos fundamentos vertidos na decisão da 1ª instância e no douto acórdão proferido em sede de apelação, não era minimamente expectável para a A./recorrente que o Mmo. Tribunal a quo fosse aplicar o instituto jurídico do abuso de direito como motivo e fundamento para julgar a acção totalmente improcedente.

  17. É, assim, inegável que ao negar provimento à revista, julgando a acção improcedente, com recurso a um fundamento jurídico não objecto do recurso de revista, sem conceder às partes...

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