Acórdão nº 8975/17.4TSTB.E1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Outubro de 2021
Magistrado Responsável | RIJO FERREIRA |
Data da Resolução | 28 de Outubro de 2021 |
Emissor | Supremo Tribunal de Justiça (Portugal) |
ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA NO RECURSO DE REVISTA INTERPOSTO NOS AUTOS DE ACÇÃO DECLARATIVA ENTRE AA e marido BB (aqui patrocinados por CC, Adv.) Autores / Apelantes / Apelados / Recorrentes CONTRA DD e mulher EE (aqui patrocinados por FF, Adv.) Réus / Apelantes / Apelados / Recorridos I – Relatório Os Autores intentaram acção declarativa contra os Réus (filho e nora da Autora mulher) peticionando: «
-
Deverá ser anulada a escritura de Dação em cumprimento outorgada entre AA. E RR., devendo o prédio objecto dessa escritura, voltar à propriedade dos AA.; B) Deverão os RR. restituírem aos AA. as quantias que retiraram da conta bancária destes sem consentimento, bem como toda as quantias correspondentes a pagamentos que efetuaram da referida conta bancária, em proveito próprio, em quantia que se estima em 39.908,90€; C) Deverá ser declarado nulo o contrato de Mútuo celebrado entre AA. e RR., por empréstimo no montante de 50.000,00€, nas condições descritas nesta PI, devendo os RR em consequência, restituírem aos AA. a referida quantia, acrescida de juros legais vincendos, contados desde a citação até integral e efectivo pagamento».
Alegaram, em sustentação de tal pedido: - que outorgaram a escritura de dação em cumprimento convictos, conforme foram instruídos pelo Réu varão, de que a mesma se destinava apenas a permitir a realização de obras no imóvel, não tendo noção do efeito translativo da propriedade derivado dessa mesma escritura nem intencionando esse efeito; - que o Réu varão movimentou a conta bancária dos Autores, sem o conhecimento ou consentimento destes, utilizando o dinheiro dos autores (39.908,90 €) em proveito próprio; - que mutuaram informalmente aos Réus 50.000 €, para investirem num restaurante, sem que, apesar de a isso instados, lhe tenham devolvido tal montante; - que a Ré mulher tinha conhecimento do comportamento do Réu varão.
Os Réus contestaram excepcionando a ilegitimidade passiva da Ré mulher, a caducidade do direito de anulação e o abuso de direito; e por impugnação, alegando em particular que os Autores doaram ao Réu marido não só a metade da sua conta bancária (sendo que por conta dessa metade só utilizou 15.500,00 €, que já devolveu) como os 50.000 € que agora dizem terem emprestado, pelo que tais quantias são de sua propriedade.
No despacho saneador foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade passiva da Ré mulher.
A final foi proferida sentença que, considerando demonstrado ser dos Autores o capital depositado e que o Réu marido dos 39.908,90 € que dela retirou apenas restituiu 31.500,00 € e indemonstrado o proveito comum do casal, o vício de vontade e o mútuo, condenou o Réu marido a restituir aos Autores a quantia de 8.408,90 €, absolvendo os Réus do demais pedido.
Inconformados, apelaram Autores e Réus, concluindo, em síntese: - os Autores, por omissão de pronúncia, por ‘lapso manifesto’ ao descontar o que se considerou restituído da quantia que alegaram como indevidamente apropriada pelos Réus, por erro na decisão de facto e de direito quanto à anulação da dação em pagamento e ao mútuo; - os Réus, por falta de fundamentação, erro na fixação do elenco factual e erro de julgamento (a insuficiência de factos deveria ter levado à absolvição).
A Relação, unanimemente, considerando não ocorrer omissão de pronúncia, não estarem cumpridos os ónus estabelecidos no art.º 640º do CPC e que o invocado ‘lapso manifesto’ é antes uma nova questão, rejeitou a impugnação da matéria de facto e julgou a apelação dos Autores improcedente; considerando não ocorrer falta de fundamentação e alterando a matéria de facto, julgou a apelação dos Réus procedente; consequentemente revogou a sentença recorrida e absolveu os Réus dos pedidos.
Irresignados, vieram os Autores interpor recurso de revista, ao abrigo do art.º 671º do CPC, concluindo, em síntese e tanto quanto se depreende do arrazoado da sua alegação e conclusões, que a Relação devia ter conhecido da impugnação da matéria de facto, que ao alterar o elenco factual a Relação violou as regras do ónus da prova e do direito probatório material, que a Relação devia ter conhecido do que qualificou como ‘questão nova’ e ter a Relação errado na apreciação da nulidade por omissão de pronúncia porquanto a questão omitida era, na sequência da pretendida diversa valoração da prova, a apreciação da nulidade da cessão em pagamento por simulação.
Houve contra-alegação onde se propugnou pela inadmissibilidade da revista (ineptidão do requerimento de interposição do recurso, dupla conforme e falta de sucumbência) e, ‘por mera cautela de patrocínio’, pela improcedência do recurso.
II – Da admissibilidade e objecto do recurso A situação tributária mostra-se regularizada.
O requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC).
Invocam os Recorridos a ineptidão do requerimento de interposição do recurso porquanto o mesmo não satisfaz os requisitos impostos pelo art.º 639º do CPC, na medida em que a alegação dos Recorrentes «se encontra num amontoar de ideias, entrecruzando questões de direito com impugnação de facto» e as conclusões que a rematam, além de «muito extensas e que individualmente rebatem várias questões», são «uma repetição detalhada, injustificada e inexplicável das respectivas alegações».
O recurso não é uma reapreciação ‘ex novo’ do litígio (uma “segunda opinião” sobre o litígio), mas uma ponderação sobre a correcção da decisão que dirimiu esse litígio (se padece de vícios procedimentais, se procedeu a ilegal fixação dos factos, se fez incorrecta determinação ou aplicação do direito). Daí que não baste ao recorrente afirmar o seu descontentamento com a decisão recorrida e pedir a reapreciação do...
Para continuar a ler
PEÇA SUA AVALIAÇÃO