Acórdão nº 649/16.0T8VVD.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 28 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelJOÃO CURA MARIANO
Data da Resolução28 de Outubro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

I – Relatório A Autora intentou a presente ação declarativa, sob a forma de processo comum, contra os Réus, pedindo que: a) Seja reconhecido o direito de servidão de passagem a favor do prédio da Autora referido que onera o prédio dos Réus mencionado, ambos devidamente identificados na petição inicial, servidão esta com as dimensões, características, tempo, modo de exercício e localização, finalidade e demais elementos identificativos aí referidos; b) Sejam os Réus condenados a colocar à disposição da Autora, pessoas ao seu serviço ou arrendatários, o acesso à mencionada servidão pelo seu lado norte e lado sul, retirando ou demolindo tudo quanto o impeça e que já exista ou venha a existir; c) Sejam os Réus condenados a nada fazerem que obste à utilização dessa mesma servidão pela Autora, pessoas ao seu serviço e arrendatários, em toda a sua extensão e de acordo com o articulado e que constitui o seu direito; d) Sejam os Réus condenados ao pagamento à Autora, a título de indemnização por danos patrimoniais, de uma quantia em dinheiro, a liquidar nestes autos, por virtude dos prejuízos que a referida atuação ilícita lhes causou e continua a produzir.

Para tanto alegou, em síntese, o seguinte: - é dona e legítima possuidora do prédio misto identificado no artigo 1º da petição inicial; - há menos de 8 anos, os Réus construíram uma edificação que habitam, num terreno de mato junto ao prédio da Autor, transformando esse terreno rústico num prédio urbano, composto por casa de habitação e terreno.

- o prédio misto da A. sempre possuiu uma servidão de passagem a pé sobre o prédio de que os RR. se dizem titulares e o atravessa próximo da edificação realizada pelos RR. ou junto a esta, na parte do seu lado poente, conforme se encontra assinalado a cor verde na planta topográfica e se vislumbra na fotografia área que junta, servidão essa que se destina ao acesso do dito prédio da Autora para a via pública e desta para aquele.

- esse acesso sempre se processou através de um caminho que penetra ou sai pela estrema norte do aludido prédio pertencente aos RR., que comporta 190 metros de comprimento e possui a largura de 2,5 metros em toda a sua extensão.

- ao longo dos tempos, a Autora, por intermédio dos seus administradores ou das pessoas ao seu serviço ou dos arrendatários do chalet...... ou ..., necessitam de levar a cabo o uso da habitação ou proceder a quaisquer trabalhos na mata e terrenos de cultivo, a partir da Estrada Nacional ......, do seu lado nascente, ingressam pelo lado poente do caminho público da mata nacional, viram para o lado sul desta e penetram pelo lado norte do prédio dos RR. e seguem a sua respetiva edificação, pelo lado poente desta, passando a descer por umas pequenas escadas aí existentes, no lado norte do prédio da A. e já dentro deste.

- e se necessitam de efetuar o caminho no sentido contrário, esses administradores da A. e pessoas ao seu serviço, bem como arrendatários do chalet ......, sobem aquelas referidas escadas existentes na Quinta ......, seu lado norte, entram pelo sul do prédio dos RR. e percorrem o mesmo caminho de servidão, entrando pelo lado sul do caminho público florestal, tomando a Estrada Nacional pelo seu lado nascente.

- para além dessas escadas e na junção da confrontação do prédio da A., pelo seu lado norte, com o lado sul do prédio dos RR., sempre o aludido caminho de servidão, ao longo de toda a sua extensão e até à parte sul do caminho florestal, teve e tem o piso bem compactado e marcado pelo trânsito de pessoas e sempre esteve bem delimitado em toda a sua extensão, sendo há mais de 20, 30, 50 e 100 anos que a A., por si e antecessores, tem utilizado esse caminho nos moldes e para os fins apontados, pelos seus gerentes, servidores e arrendatários, à vista de toda a gente, sem oposição de ninguém, nomeadamente dos RR. e seus antepossuidores, com o ânimo de ser legítima titular do correspondente direito de servidão de passagem a pé.

- embora o prédio misto da A. confronte pelo lado poente com a Estrada Nacional, nunca pode nem lhe é possível criar algum acesso a pé ou de qualquer espécie, que pudesse servir para ingresso no chalet ……. e na mata, de molde à prestação dos trabalhos e serviços e ainda aproveitamento de que carecem, isto na parte nascente do mesmo, em virtude de ser formado por considerável desnível, o que impede que tal se verifique, carecendo absolutamente a Autora da descrita servidão para o acesso à parte nascente do seu prédio misto e satisfação das suas necessidades básicas e indispensáveis, com o mínimo de comodidade e possibilidade.

- acontece que ainda não são decorridos 5 anos, os RR., sem consentimento nem autorização da A., decidiram realizar a vedação de todo o seu prédio com um muro a toda a volta, colocando um portão de cerca de 4 metros de largura a norte do seu prédio, que fecharam à chave e guardaram para si, tornando impossível desde essa altura o uso da referida servidão.

- ao serem admoestados pela A., logo após essa atuação, os RR. ainda se prontificaram a fornecer uma chave desse portão à Autora, o que não ocorreu até ao momento, passando os Réus, desse modo, a opor-se ao trânsito da Autora, por intermédio dos seus representantes, pessoas ao seu serviço e arrendatários, pelo aludido caminho de servidão a pé, o que tem acarretado prejuízos à Autora, cujo quantitativo não é possível apurar aquando da propositura da ação, o que relega para momento ulterior.

Os Réus apresentaram contestação, alegando, em síntese, o seguinte: - são donos e legítimos possuidores de um prédio confinante com o da Autora, no qual foi construída a sua habitação; - anteriormente à compra, o referido prédio já se encontrava delimitado por um muro em pedra, que constituía a separação do prédio confrontante, a sul, com a Autora, muro esse que ainda existe quase na totalidade, ou foi consolidado na extrema junto à habitação, para evitar derrocadas, mas sempre com respeito pelas respetivas áreas e confrontações, atento o desnível do terreno entre um e outro, estando o prédio dos RR. numa cota superior relativamente ao da Autora; - apresentaram na Câmara Municipal ...... o projeto de construção de uma moradia, no terreno de sua propriedade, tendo obtido o Alvará de Construção/Obras com o nº...3 de 10 de Janeiro de 1978, o qual, por se inserir na área do Parque Nacional ......, foi previamente analisado naquela entidade e mereceu deferimento, por parte do respetivo diretor, com recomendações, tendo os Réus. cumprido com as formalidades respeitantes à informação sanitária do referido projeto de obras.

- posteriormente, na sequência de uma intervenção do então Presidente da Junta de Freguesia ..., em que levantou a questão de os Réus estarem na posse de uma leira que seria propriedade do Estado, por pertencer à Escola Primária ....., desde a escritura celebrada em 25/01/1977, os mesmos adquiriram tal leira ao Estado Português, por arrematação em hasta pública realizada na Repartição de Finanças ...... em 9 de Outubro de 1991; - a referida parcela de terreno denominada “Leira .......”, melhor identificada no artigo 38º da contestação, pertencia ao Estado Português desde 26 de Julho de 1927, e também é confinante com o prédio da Autora.

- após a compra da referida “Leira .......”, os Réus construíram muros de suporte na mesma, na extrema que confronta com a propriedade da Autora, por forma a que, dado o desnível de terreno existente entre ambas as propriedades, se evitasse desmoronamento de terras.

- e com a colaboração da Junta de Freguesia ..., os Réus construíram, no caminho que se inicia na estrada nacional e que serve a sua propriedade, um muro de suporte ao longo da extrema que dá para o terreno com cerca de 20 metros, a poente, pertencente à Escola Primária, transformando uma ribanceira numa zona de circulação consolidada, o que permitiu o alargamento do caminho de acesso à sua propriedade e assim a circulação de veículos automóveis, na parte restante dos cerca de 120 metros de comprimento daquilo que é hoje a Rua ..., que liga a propriedade dos RR. à E.N. .........

- finalizados esses trabalhos, em 1978, foi colocado um portão na entrada da propriedade dos RR., com as dimensões de 2,390 mts x 1,930 mts, compatíveis com a largura mencionada pela Autora de 2,5 metros para o caminho de acesso, o qual foi, mais tarde, automatizado com comando elétrico.

- acrescentam que o dito caminho de acesso à propriedade dos RR., assim transformado num arruamento (a atual Rua ...) nunca constituiu zona de passagem e acesso das populações a qualquer propriedade, ou baldios, nem sequer foi usado pelos responsáveis da Autora, nem por pessoas ao seu serviço ou arrendatários do referido Chalé ...... (os edifícios deixaram de ser habitados ou utilizados há mais de 25 anos), até...

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