Acórdão nº 01003/12.8BEBRG de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelADRIANO CUNHA
Data da Resolução04 de Novembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – RELATÓRIO 1. “A…………, S.A.” intentou, no Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga (TAF/Braga), a presente ação administrativa comum contra o MUNICÍPIO DE CELORICO DE BASTO pedindo que este fosse condenado a: «a) proceder à revisão de preços, em virtude da variação, para mais, dos custos da mão-de-obra, materiais e equipamentos de apoio, relativamente ao mês anterior ao da data limite fixada para a entrega das propostas; b) pagar à Autora o montante de € 61.610,62, acrescido do respetivo IVA, referido no artigo 25 supra, devida a título de revisão de preços, por aplicação da fórmula tipo pra obras da mesma natureza ou que mais se aproxima do objeto da empreitada em causa; c) a quantia de € 6.747,42, referida no artigo 73 supra, referente aos juros de mora vencidos, devidos pelo atraso no pagamento das quantias que perfazem aquele montante de € 61.610,62, calculados desde as respetivas datas de vencimento até 28/05/2012; d) os juros vincendos sobre o montante de € 61.610,62 mencionado na anterior alínea b), calculados à taxa legal, a partir de 29/05/2012 e até efetivo e integral pagamento; e) nas custas e procuradoria condigna».

O TAF/Braga, por sentença de 19/6/2020 (cfr. fls. 694 e segs. SITAF) julgou a ação totalmente procedente e, consequentemente, condenou o Réu Município: «

  1. A pagar, à Autora, a quantia de 53.247,51€; b) A pagar à Autora os juros de mora vencidos e vincendos, sobre as quantias em dívida que perfazem o valor referido na alínea a), desde a data em que as mesmas deviam ter sido pagas, nos termos dos artigos 17.º e 18.º do decreto-lei n.º 6/2004, de 06/01, até efetivo e integral pagamento».

    No seguimento de recurso interposto desta sentença pelo Réu Município, o Tribunal Central Administrativo Norte (TCAN), proferiu, em 19/2/2021, o Acórdão ora recorrido, que confirmou a sentença de 1ª instância, assim negando provimento ao recurso jurisdicional (cfr. fls. 964 e segs. SITAF).

    1. Novamente inconformado, o Réu Município de Celorico de Basto interpôs recurso de revista deste Ac.TCAN, tendo terminado as suas alegações com as seguintes conclusões (cfr. fls. 1009 e segs. SITAF): «I.

    A Natureza do “regime da revisão de preços”

  2. O ora Recorrente ao invocar, na conclusão 7.ª do recurso para o TCA Norte, a al. b) do art. 129.º do C.C.P. apenas quis demonstrar que o próprio Código admite a irrevisibilidade dos preços nos contratos celebrados por ajuste direto, o que retira a natureza de “ordem pública” atribuída ao regime ordinário de revisão de preços do art. 382.º desse Código.

  3. Não tem, assim, sentido o que consta do acórdão recorrido quanto à não aplicação dessa norma ao caso dos autos, já que a finalidade dessa invocação não era a sua aplicação direta.

    II.

    As cláusulas 26.ª e 2.ª do Caderno de Encargos c) Por outro lado, o acórdão recorrido refere que há contradição entre a cláusula 26.ª do Caderno de Encargos (de que não há lugar a revisão de preços) da sua cláusula 2.ª (que omite o Dec. Lei n.º 34/2009, de 6 de fevereiro).

  4. Porém, da matéria de facto provada consta a aplicação desse diploma - regime simplificado (urgente) por ajuste direto para modernização do PARQUE ESCOLAR - que consta do Convite, cujo “procedimento é fundamentado no artigo 115.º do Código dos Contratos Públicos...

    ” e) Ora, o convite desempenha as funções que, noutros procedimentos, são objeto do programa de procedimento, definindo os termos a que obedece a formação do contrato até à sua celebração.

  5. Não há, assim, qualquer contradição entre as duas cláusulas, quanto ao facto de o Dec. Lei n.º 34/2009 não constar da cláusula 2.ª, o que não impede a sua aplicação ao caso dos autos.

    III.

    A (eventual) obrigatoriedade da revisão de preços nos contratos de empreitada de obras públicas – art. 382º do C.C.P.

  6. O acórdão recorrido entendeu que, ao abrigo do art. 382.º do C.C.P., a revisão ordinária de preços é obrigatória nos contratos de empreitada de obras públicas (cf. art. 271.º e 280.º do Código Civil).

  7. Para o efeito, apoiou-se no Acórdão do TCA Sul de 5 de junho de 2012 – Proc. n.º 08906/02.

  8. Porém, este acórdão foi proferido no âmbito do art. 199.º do Dec. Lei n.º 59/99, de 2 de março, tendo este diploma sido revogado pelo art. 13.º, n.º 1, al. c), do Dec. Lei n.º 18/2008, de 28 de janeiro, pelo que à data do contrato de empreitada celebrado entre a Autora e o Réu (5/09/2009) já não estava em vigor, o mesmo acontecendo com o Dec. Lei n.º 6/2004 (relativo ao cálculo da revisão de preços), que restringe a sua vigência à do Dec. Lei n.º59/99.

  9. Assim, o acórdão recorrido enferma de manifesto erro.

  10. Aliás, se à data de 1999 poderia justificar uma regra de revisão de preços para equilíbrio financeiro das partes, o mesmo não se dirá em tempos de conjetura deflacionista (com juros negativos dos empréstimos), como é o caso atual, que subsiste há mais de uma década.

  11. A revisão de preços tem, assim, caráter excecional, só se justificando para contratos de longa duração de execução, o que não é o caso do contrato de empreitada em apreço que foi fixado no prazo de 360 dias contados de modo contínuo, considerando-se, assim, incluídos todos os dias decorridos, incluindo os sábados, domingos e feriados, a contar da consignação de trabalhos, que teve lugar em 5/11/2009 e o pedido da Autora de prorrogação do prazo para 4/03/2011, foi concedido, por despacho de 9/3/2009, “sem direito a qualquer reposição do equilíbrio financeiro”. (cf.

    pontos 2, com referência aos documentos juntos pela Autora na petição inicial e 10, respetivamente, da matéria de facto provada).

  12. Assim, o Réu teve o cuidado, por força do Dec. Lei n.º 34/2009, de fixar um prazo curto, não alterável, “sem direito a qualquer reposição do equilíbrio financeiro”, pelo que a Autora, ao aceitar a referida cláusula sobre a não admissão da revisão de preços contratuais e ao vir alegar, posteriormente, a sua ilegalidade está a violar, entre outros, o princípio da intangibilidade das propostas.

    IV.

    A revisão ordinária de preços como norma de direito obrigatória e de ordem pública o) Os art. 271.º e 280.º do Código Civil não são aplicáveis aos contratos administrativos, porque este código só é aplicável subsidiariamente (n.º 4 do art. 280.º do C.C.P.) e do art. 280.º [283º], n.º 1 do C.C.P. consta que os contratos administrativos só serão nulos se a nulidade do ato procedimental em que tenha assentado a sua celebração tenha sido judicialmente declarada ou possa vir a sê-lo (invalidade derivada ou consequencial).

  13. Ora, para que o programa do procedimento em causa fosse declarado nulo era necessário que a lei cominasse expressamente essa forma de invalidade (cf. art. 138.º, n.º 1 do C.P.A. de 1991 e art. 161.º, n.º 1, do C.P.A. atual), pelo que a não aplicação do art. 382.º do C.C.P. não suscita qualquer nulidade, mas, quando muito, numa mera anulabilidade (cf. art. 135.º e 136.º do C.P.A. de 1991 e art. 163.º do C.P.A. atual), que não foi pedido nem judicialmente declarada.

  14. Assim, o acórdão recorrido ao considerar a nulidade do contrato de empreitada enferma de manifesto erro.

  15. O art. 382.º do C.C.P., ao preceituar que o preço fixado no contrato é obrigatoriamente revisto, sem prejuízo do disposto nos art. 282.º, 300.º e 341.º do mesmo Código, criou uma situação de imprevisão em relação ao art. 300.º, no qual se dispõe que sem prejuízo do disposto no art. 382.º, “só há lugar à revisão de preços se o contrato o determinar e fixar os respetivos termos, nomeadamente, o método de cálculo e a periodicidade”.

  16. Dessa mútua exclusão não é possível concluir, de acordo com a boa hermenêutica jurídica, que o art. 382.º do C.C.P. se possa considerar como uma norma de natureza obrigatória e de “ordem pública”.

  17. Segundo o art. 9.º do Código Civil, o pensamento legislativo deve ter em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada que, no presente caso, é de deflação económica.

  18. Estamos, assim, no domínio dos direitos disponíveis em que o direito a essa revisão se insere no princípio da liberdade contratual e, portanto, renunciável, sob pena de violação do princípio da igualdade, pois não se vislumbra razão material bastante para distinguir, nesse aspeto, entre o contrato de empreitada de obras públicas e o regime geral dos contratos administrativos (cf. entre outros, João Baptista Machado, obra citada) e, consequentemente, a renúncia a esse regime.

  19. Por outro lado, a irrevisibilidade do constante do Caderno de Encargos e do “contrato de empreitada”, está em consonância com a 2.ª parte do art. 382.º do C.C.P., quando preceitua que o preço é revisto “nos termos contratualmente estabelecidos e de acordo com a lei”.

  20. A Autora ao ter aceite o Caderno de Encargos, com a cláusula 26.ª violou frontalmente as regras da boa-fé (art. 6.º-A do C.P.A. e art. 266.º, n.º 2 da C.R.P.) quando, após a execução do contrato de empreitada, requereu a “revisão de preços”.

    V.

    Os artigos 100.º e 101.º do C.P.T.A.

    a

  21. O acórdão recorrido também entendeu que o art. 51.º, n.º 3 do C.P.T.A. não impedia que a Autora pudesse impugnar o ato final do procedimento; e que esta solução está de harmonia com a Diretiva “recursos”.

    ab) Porém, se a Autora não concordava com a cláusula 26.ª do Caderno de Encargos, devia ter impugnado os atos conformadores do respetivo procedimento no prazo de um mês, a contar da sua notificação, sob pena de caducidade (arts. 100.º e 101.º do CPTA), conforme jurisprudência pacífica à data dos factos (a título meramente exemplificativo, referem-se os Acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo de 27/01/2011, processo n.º 0850/10; do STA de 26/08/2009, processo n.º 0471/09; e do TCA Sul de 20/03/2012, processo n.º 8271/11) e MÁRIO AROSO DE ALMEIDA e CARLOS ALBERTO FERNANDES CADILHA (em “Comentário ao Código de Processo dos Tribunais Administrativos”, 3.ª Edição, p. 602 e 4.ª edição, pág...

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