Acórdão nº 063/18.2BEFUN de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelANA PAULA PORTELA
Data da Resolução04 de Novembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)
  1. O Município de Santa Cruz vem interpor recurso jurisdicional de revista para este STA, nos termos do art. 150º CPTA, do acórdão do TCAS, de 12.11.2020, que negou provimento ao recurso que interpusera da sentença, de 30.06.2018, do TAF do Funchal, que - no âmbito da injunção requerida por A………..contra o ora recorrente, em que peticionava 47.283,93€, como contrapartida de diversos trabalhos de transporte de mercadorias e máquinas e trabalhos de escavação e limpeza, realizados entre 2010 e 2013 – o condenara ao pagamento de 45.702,26€, acrescido de juros de mora (fixados à taxa dos juros comerciais) vencidos e vincendos, desde 15.08.2017 até integral pagamento.

  2. Para tanto, alegou em conclusão: “ (...) n) Com feito, se atentarmos ao regime estabelecido no artigo 5.º, n.º 3 e nos n.ºs 2 e 3 do artigo 9.º da LCPA, concluímos que todo o compromisso assumido sem identificação do emitente e sem a aposição ao documento de compromisso do respetivo número de compromisso válido e sequencial será “nulo”, independentemente de o serviço/bem terem sido prestados, e que, em consequência, o agente económico não pode exigir da entidade que assumiu o compromisso o pagamento/ressarcimento em relação à prestação que realizou podendo, isso sim, demandar o agente responsável/agentes responsáveis pela assunção desconforme do compromisso para obter o ressarcimento do seu dano, que equivale à prestação cuja restituição...

    1. O regime de responsabilidade previsto na LCPA é um regime de natureza individual, que incide sobre os agentes a quem cabe assumir compromissos em nome das entidades sujeitas à LCPA – n.º 1 artigo 11.º.

    2. A aplicação das consequências jurídicas previstas na LCPA gera uma autentica desresponsabilização institucional por parte das entidades sujeitas às suas normas, a que corresponde um movimento de sentido inverso, uma responsabilização pessoal ou individual dos agentes que assumam o compromisso, perante os agentes económicos quanto aos danos que estes incorram.

    3. Após tecer um conjunto de considerações sobre as regras e princípios aplicáveis à formação dos contratos, uma vez mais o TCAS considerou que no caso concreto seria de sanar a nulidade existente no compromisso, com recurso ao preceito constante do n.º 4 do artigo 5.º.

    4. Aquela norma – de carácter excecional – admite que a nulidade venha a ser sanada quando, uma vez ponderados os interesses públicos e privados em presença, a nulidade do contrato ou da obrigação se revele desproporcionada ou contrária à boa-fé.

    5. Com efeito, tem de ser feita uma ponderação exigente de modo a que, confrontando os interesses em presença, se conclua que a nulidade da obrigação é “desproporcionada” ou “contrária à boa-fé”, sendo certo que tanto o Tribunal de primeira instância como o TCAS apenas ponderaram os interesses da Recorrida.

    6. Ora, por um lado temos o interesse da Autora, Recorrida, em receber o pagamento pelos alegados serviços prestados, por outro, o interesse público subjacente e o desrespeito pelos princípios aplicáveis não só à atividade administrativa no geral mas principalmente pelo desrespeito pelos princípios aplicáveis à concretização de despesa pública, com todas as consequências que daí advêm.

    7. Sendo certo que se considerou suficiente o facto “dos serviços terem sido efetivamente prestados” para fundamentar a sanação da nulidade da obrigação.

    8. Não se pode deixar de referir que o Recorrente não tem nenhum registo interno – requisições/contrato, ou quaisquer outros elementos – que demonstrem a solicitação e a efetiva realização daqueles serviços.

    9. Aquando a apresentação da sua defesa, o Recorrente, por estar certo de que os compromissos reclamados eram nulos, e, por ser de aplicar in totum a LCPA, considerou que os mesmos eram insuscetíveis de serem reclamados, e, por essa razão, não os impugnou.

    10. O certo é que o Tribunal deu como provado que os serviços haviam sido solicitados pela Recorrente e devidamente prestados pela Recorrida unicamente com base nas faturas apresentadas por esta, referentes a trabalhos alegadamente ocorridos entre os anos de 2010 e 2013, mas somente emitidas no ano de 2018.

    11. Refere-se ainda no Aresto que “a atuação de boa fé envolve um agir honesto e consciencioso, de correção e probidade (…) o direito deve ser exercido sem se frustrar as expetativas e a confiança que tenha suscitado em outrem”.

    12. Ora, no presente caso não houve qualquer tipo de procedimento contratual antecedente à relação das partes, emissão de número válido e sequencial, notas de encomenda, ou o cumprimento de quaisquer outras formalidades.

    aa) Nesta medida, para que houvesse aplicação daquela norma, e fosse sanado o vício, com base no princípio da boa fé e da tutela da confiança da Recorrente, importante era que bb) fosse descortinada qual a sua relação com o vício formal, sendo certo que deverá entender-se a necessidade de boa fé subjectiva se aquando da "celebração" do contrato desconhecia a necessidade formal associada.

    cc) Atento ao valor peticionado, não nos parece que a Recorrente ignorasse a exigência de regras associadas à sua contratação e nem tampouco os deveres de emissão e apresentação de faturas dentro dos prazos legalmente previstos para esse efeito.

    dd) À relação entre as partes deverá ser aplicado o regime geral de nulidade previsto na LCPA, com todas as consequências que lhe estão associadas, sem lugar à sanação do vício, uma vez que no caso em apreço não prevalece tutela das expetativas da Recorrente – porque ilegítimas – em detrimento do interesse público subjacente à ratio legis.

    ee) Tanto os agentes ao serviços do Recorrente, responsáveis pela assunção ilegal do compromisso, como a Recorrida descoraram a observância de deveres e formalidades que não podiam ter sido ignoradas.

    ff) Nesta medida, a existir aplicação do instituto “venire contra factum proprium” quanto à atuação do Recorrente, para fundamentar a sanação do vício, deveria, de igual modo, ser também ponderado quanto ao comportamento da Recorrida, só assim se conseguiria a prolação de uma decisão justa e equitativa.

    gg) Conclui o TCAS como sendo «(…) manifestamente atentatório do princípio da boa-fé que o Réu opte por assumir tais compromissos, sem essa...

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