Acórdão nº 01001/20.8BEBRG de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 04 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA DO CÉU NEVES
Data da Resolução04 de Novembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – RELATÓRIO 1.

A……….

e B………..

, devidamente identificados nos autos, recorrem para este Supremo Tribunal do acórdão do TCAN, de 07.05.2021, em que se decidiu “conceder parcial provimento ao recurso interposto pelo Requerido Ministério da Educação, julgando verificada a nulidade do ponto ii) do segmento decisório da Sentença recorrida, e em negar provimento ao recurso interposto pelos Requerentes A……… e B……….., por si e em representação dos seus filhos menores C……. e D…………, e consequentemente, em manter, com a fundamentação antecedente, a sentença recorrida”.

Na origem do recurso interposto para o TCAN esteve uma decisão do TAF de Braga, de 22.01.2021, que julgou parcialmente procedente o processo cautelar, “determinando: i.

a suspensão do despacho n.º 49/2020, de 15.06.2020, praticado pelo Diretor do Agrupamento de Escolas …………., que anula a decisão de 18.06.2019, do Conselho de Turma do 5.º 2, ano letivo de 2018/2019, que determinou a transição de ano escolar do educando D………..; do despacho n.º 50/2020, de 15.06.2020, emanado pelo Diretor do Agrupamento de Escolas …………, que anula a decisão de 17.06.2019, do Conselho de Turma do 7.º 1, ano letivo de 2018/2019, que determinou a transição de ano escolar do educando C…………; do despacho de homologação do Secretário de Estado Adjunto e da Educação, Dr. ………., exarado a 16.01.2020, que veio exprimir concordância sobre a Informação nº 19/GSEAE/20, de 10.01.2020; ii. com manutenção dos alunos no ano escolar que frequentam atualmente, progredindo normalmente caso sobrevenha outro(s) ano(s) letivo(s), até ao trânsito em julgado da decisão, que venha a ser proferida na ação principal; iii.

o indeferimento da providência cautelar antecipatória”.

* Os requerentes cautelares formularam as seguintes pretensões no r.i. apresentado: «(…) deverão ser decretadas as providências cautelares ora requeridas e, consequentemente,

  1. Deverão ser suspensos, com as inerentes consequências legais: (i) O despacho nº 49/2020, de 15.06.2020, praticado pelo Diretor do Agrupamento de Escolas ……………., que anula a decisão de 18.06.2019, do Conselho de Turma do 5.º 2, ano letivo de 2018/2019, que determinou a transição de ano escolar do educando D………..; (ii) O despacho nº 50/2020, de 15.06.2020, emanado pelo Diretor do Agrupamento de Escolas …………., que anula a decisão de 17.06.2019, do Conselho de Turma do 7.º 1, ano letivo de 2018/2019, que determinou a transição de ano escolar do educando C………….; (iii) O despacho de homologação do Secretário de Estado Adjunto e da Educação, Dr. …….., exarado a 16.01.2020, que veio exprimir concordância sobre a Informação nº 19/GSEAE/20, de 10.01.2020.

Cumulativamente, B) Deverá ser decretada a providência cautelar inominada peticionada pelos Requerentes, a qual se traduz, designadamente: (i) No reconhecimento provisório, até que seja proferida uma decisão judicial definitiva do direito dos filhos dos Requerentes à não frequência da disciplina de “Cidadania e Desenvolvimento”, ou, caso assim não se entenda, que a não comparência à referida disciplina não seja tida como falta injustificada; (ii) Na condenação do agrupamento escolar a avaliar os menores C………… e D……….. sobre o seu desempenho no ano escolar 2019/2020, não obstaculizando a transição de ano dos mesmos; (iii) Na proibição de ver os filhos dos Requerentes prejudicados, de qualquer modo, na respetiva avaliação e progressão escolar».

* 2. Inconformados com a decisão do TCAN, os requerentes cautelares recorreram para este STA, apresentando as respectivas alegações, concluindo do seguinte modo (cfr. alegações de fls. 1330 a 1394 – paginação SITAF): «I. Vem o presente recurso interposto da decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo Norte, notificada aos Recorrentes em 10.05.2021, que negou provimento ao recurso interposto pelos ora Recorrentes, mantendo a decisão de 1ª instância no que ao não decretamento da providência cautelar antecipatória requerida concerne, e concedeu parcial provimento ao recurso interposto pelo Requerido Ministério da Educação, julgando verificada a nulidade do ponto ii) do segmento decisório da decisão recorrida.

B. DO MÉRITO DO RECURSO (…) XXXIV. Desconstruindo o penúltimo parágrafo da pronúncia, por parte do Tribunal a quo, a propósito da alegação do Recorrente Ministério da Educação, ora Recorrido, da verificação de nulidade da sentença com base em ambiguidade manifestada no segmento decisório da sentença, assente em contradição do ponto (ii) com o ponto (iii), concluímos, num primeiro momento, que a inexistência de fundamentação referida pelo Tribunal a quo não se subsume à alínea c), do nº 1 do artigo 615º do CPC, mas antes na alínea b) daquele preceito, pelo que não poderia aproveitar à alegação do Recorrido naquela sede.

XXXV. Por outro lado, se o Tribunal a quo considera não terem sido apresentados, por parte do Tribunal de 1ª instância, fundamentos para aquela tomada de decisão, por razões lógicas, não poderá, em momento imediatamente posterior, defender que os fundamentos - que considera inexistentes - se encontram em oposição com a decisão.

XXXVI. Por fim, assoma claro que o Tribunal a quo, ao invocar que “ocorre ambiguidade sobre (…) os termos e os pressupostos em que assentou o restante segmento decisório”, realiza, com base nos elementos textuais utilizados, uma mera suposição, não se vinculando, a final, a um qualquer fundamento específico para a decisão de declarar a nulidade da sentença nos termos da alínea c) do nº 1 do artigo 615º, concluindo-se, afinal, que o próprio Tribunal a quo fundamenta – se o faz – debilmente a sua decisão, vinculando-se com certeza à decisão proferida – de declaração de nulidade da sentença –, o mesmo não acontecendo, contudo, quanto ao fundamento que lhe está (ou deveria estar) subjacente.

XXXVII. Não configurando os efeitos previstos na segunda parte do ponto (ii) do segmento decisório da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga a concessão de uma medida adicional, antes meras concessões naturalmente decorrentes da suspensão da eficácia dos atos supra, será, destarte, desadequado o entendimento de acordo com o qual existe oposição ou ambiguidade entre os fundamentos e a decisão, na medida em que, não configurando o decretamento de uma providência cautelar stricto sensu, antes a exposição de eventuais efeitos permitido pela efetiva concessão da providência cautelar de suspensão dos atos impugnados, não se encontrava o Tribunal de 1ª instância sujeito ao dever de fundamentar um elemento do segmento decisório que não se reconduz, verdadeiramente, ao decretamento de uma qualquer providência adicional.

XXXVIII. Pelo que, em face do exposto, não assiste qualquer razão ao Tribunal a quo quando declara a nulidade da sentença nos termos previstos, incorrendo o mesmo em erro de julgamento.

XXXIX. No que à declaração de nulidade da sentença por excesso de pronúncia diz respeito, valendo aqui as considerações já expendidas a propósito do alcance ou significado a retirar do ponto (ii) do segmento decisório da decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância, convirá acrescentar que a previsão daquele naquela sede não equivale a condenação em quantidade superior ou em objeto diverso do pedido, constituindo aquele mera expressão da intenção do Tribunal de 1ª instância de reiterar, não as consequências provocadas pelo decretamento da suspensão dos atos impugnados, mas as consequências permitidas por aquela decisão, não se estabelecendo entre ambas um nexo de causalidade.

XL. O teor do ponto (ii) do segmento decisório da decisão proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga consubstancia, na senda do que se vem expondo, mera previsão por parte do Tribunal, permitida pela perceção da realidade fáctica conformadora da situação sub judice, pelo que será equivocado referir que a mesma constitui violação do princípio do contraditório, como parece fazer o Tribunal a quo, ou excesso de pronúncia, na medida em que o Tribunal de 1ª instância não excedeu os limites impostos pelo princípio do dispositivo, tão-só tendo constatado uma consequência hipotética – normal e provável – do decurso do tempo e do ano escolar.

XLI. Pelo que, também no que a este inciso decisório concerne, não merece acolhimento a posição do Tribunal a quo.

XLII. Constitui grosseira e infeliz banalização dos termos da pretensão dos Recorrentes limitá-la à alegação, por parte dos Recorrentes, de que a disciplina de Cidadania é “perda de tempo”, porquanto tanto não corresponde à complexidade da questão sub judice nos presentes autos, nem à relevância que a mesma reveste para os Requerentes e seus educandos.

XLIII. A objeção de consciência é um direito instrumental, indissociável da liberdade de consciência, consistindo, em geral, numa recusa legitimada pela Constituição em obedecer a disposições de autoridade com fundamento em motivos de consciência, residindo dignidade da pessoa humana, pilar do Estado de Direito e do ordenamento jurídico português (cfr. artigo 1º da CRP).

XLIV. Como tal, o direito geral à objeção de consciência enquadrar-se-á no título da Constituição respeitante aos Direitos, Liberdades e Garantias, estando o mesmo, portanto, sujeito ao respetivo regime, previsto no artigo 18º da CRP, de acordo com o qual “os preceitos respeitantes aos direitos liberdades e garantias são diretamente aplicáveis e vinculam as entidades públicas e privadas”.

XLV. No âmbito do direito administrativo do ensino público, o direito de objeção de consciência não se encontra especificamente previsto, não dispondo os particulares de diretrizes para o exercício do mesmo nem existindo, como tal, restrições previstas ao seu exercício, não se encontrando o seu exercício, em termos gerais, regulado.

XLVI. Como tal, não poderá o particular ver ser-lhe vedado o exercício de um direito fundamental por inércia do legislador, sendo certo que, no limite...

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