Acórdão nº 834/21 de Tribunal Constitucional (Port, 28 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Mariana Canotilho
Data da Resolução28 de Outubro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 834/2021

Processo n.º 490/2021

2.ª Secção

Relatora: Conselheira Mariana Canotilho

Acordam, em conferência, na 2.ª Secção do Tribunal Constitucional,

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Tribunal da Relação de Lisboa (doravante, TRL), a Decisão Sumária n.º 533/2021 deste Tribunal Constitucional não admitiu o recurso de constitucionalidade interposto pelo recorrente A., ao abrigo da alínea b) do número 1 do artigo 70.º, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei da Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, adiante designada por LTC), em que este se insurge contra o Acórdão daquele Tribunal, proferido em 2 de março de 2021.

2. Pela referida Decisão Sumária n.º 533/2021, entendeu-se, nos termos do disposto no artigo 78.º-A, n.º 1, da LTC, não conhecer do objeto do recurso interposto, composto por três questões de constitucionalidade, com a seguinte fundamentação, no essencial:

«a) Quanto à primeira questão formulada

[…]

O recorrente articulou que, para que seja ordenada a busca, é indispensável a existência de indícios, ainda que não pormenorizados, e que «no despacho dos autos que ordenou as buscas apenas se faz referência ao Arguido, ao Club B. ou à B. SAD na listagem dos locais a buscar (não se encontrando uma singela referência no âmbito da fundamentação da ordem da busca)». Além disso, afirmou ainda, citando diretamente o acórdão do TRL (fls. 391, n.ºs 45 e 46), que a decisão recorrida está ferida de inconstitucionalidade por ter entendido que «não é necessário indicar no mesmo [despacho] os indícios, ainda que genéricos, que determinaram e fundamentaram a ordem de busca em relação a cada um dos visados e a cada um dos locais objeto da mesma».

Ora, em primeiro lugar importa verificar se de facto o acórdão em crise adotou tal critério decisório. Conforme citado pelo próprio recorrente na página assinalada, da decisão recorrida consta, no que releva, o seguinte:

«Ora, do confronto dos vícios processuais cominados com nulidade insanável, nos termos do citado art. 119° do CPP, não consta que a alegada ausência de indícios factuais referentes ao arguido, ou à sua residência, no despacho que ordenou a busca façam parte desse elenco típico, termos em que não se por ter por verificada a alegada nulidade insanável. E da leitura do art. 174° n° 1 e 2 do CPP também não resulta qualquer cominação expressa de nulidade pelo que qualquer violação do aí preceituado apenas consubstancia mera irregularidade, como se estatui do disposto no art. 118.º, n° 3 do CPP.

[…]

O facto de no Mandado de busca não se indicarem concretos elementos de facto relativos ao visado não consubstancia qualquer vício processual, muito menos, a suscitada nulidade insanável, nem qualquer inconstitucionalidade, estando o despacho que ordenou a realização da busca devidamente fundamentado, não se olvidando que o Mm° Juiz a quo ordenou a realização de busca à residência do arguido invocando expressamente, quanto ao mesmo, a sua qualidade de Presidente do Conselho de Administração da B. SAD e do Club B., não sendo, por isso correto afirmar, como o arguido faz, que percorrendo o despacho judicial de 17.02.2020, nele não se encontra uma única referência ou ligação ao arguido ou sequer ao Club de que é Presidente (B.)».

Como facilmente se depreende, e ao contrário do que alega na delimitação desta parte do objeto do recurso, o recorrente extrapola o raciocínio esgrimido pelo TRL e tenta distorcer a interpretação articulada pelo citado acórdão, uma vez que, em nenhum momento, aí se disse que não é necessária a referenciação dos indícios, ainda que genéricos, para determinar e fundamentar a ordem de busca. Na verdade, o tribunal a quo asseverou que o despacho em causa se encontrava devidamente fundamentado e não se pronunciou no sentido de acolher uma suposta dispensa de tais elementos. O que o Tribunal da Relação de Lisboa disse, foi, sim, que a (alegada) ausência de indícios factuais relativos ao arguido no despacho que ordenou a busca não integra o elenco de vícios processuais cominados com nulidade insanável, nos termos do artigo 119.º do CPP, nem para tal resulta, do disposto no artigo 174.º, n.ºs 1 e 2, do CPP, qualquer cominação expressa de nulidade; por esta razão, mesmo que se desse por provada a factualidade alegada pelo aqui recorrente – o que o tribunal a quo não fez – apenas estaria verificada uma mera irregularidade, regida pelo artigo 118.º, n.º 3, do CPP.

Assim, o que temos é a não coincidência entre a aplicação dos preceitos legais que sustentam a ratio decidendi da decisão recorrida e a formulação selecionada pelo recorrente como fonte da questão colocada. Com efeito, de acordo com os já destacados pressupostos de admissibilidade do recurso de constitucionalidade, é imprescindível que se verifique uma coincidência precisa entre a norma reputada como inconstitucional pelo recorrente e aquela que fundamentou a decisão do Acórdão recorrido. Caso contrário, não existindo relação fidedigna entre os dois elementos, o Tribunal Constitucional não pode conhecer do recurso.

Em vista de tal não coincidência e atenta a natureza instrumental do recurso de fiscalização concreta da constitucionalidade, que é inerente àquela exigência legal (cf., por todos, os Acórdãos n.os 409/2019, 326/2019, 317/2019, 290/2019, 640/2018, 652/2018, 658/2018, 671/2018, 472/2008, 498/96, disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt) o juízo definitivo acerca da compatibilidade ou incompatibilidade constitucional da norma-objeto não poderá repercutir-se com efeito útil sobre qualquer solução para a decisão recorrida.

[…]

Com isso, não se demonstra preenchida a exigência legal do artigo 70.º, n. 1, al. b), da LTC, de que a norma assacada de inconstitucionalidade pelo recorrente tenha sido verdadeiramente aplicada, com o sentido invocado no requerimento de recurso para o Tribunal Constitucional, para a solução processual do caso dos autos.

[…]

b) Quanto à segunda questão formulada

[…]

O recorrente afirma que a decisão recorrida interpretou a norma ínsita no artigo 119.º, n.º 1, alínea c), do CPP no sentido de que não foi concedida ao arguido a possibilidade de exercer os seus direitos de defesa e que, apesar dessa suposta impossibilidade, o Tribunal a quo considerou não ter havido nulidade insanável.

Vejamos.

O acórdão do TRL em crise abordou, de facto, a norma do referido dispositivo. Fê-lo, todavia, num sentido substancialmente diferente do que faz crer o recorrente. Lê-se no excerto que releva para esta segunda questão:

«Tendo em conta o respetivo auto de busca e apreensão, realizado no dia 4 de março de 2020, busca essa que, como já referimos supra, o arguido esteve presente e acompanhou, tendo sido constituído arguido, assinou o respetivo termo onde é referido o direito de ser assistido por defensor em todos os atos processuais em que participar, o certo é que o mesmo nada requereu, ou manifestou intenção de arguição de nulidades.

E não se alegue, como o faz o recorrente, que não estava representado por advogado, nem foi informado de tal possibilidade, pois ao ser informado, como o foi, de que poderia fazer-se acompanhar de pessoa da sua confiança, o arguido sabia que podia solicitar a presença de um advogado, assim como, ao ser constituído como arguido, o arguido assinou o documento de fls. 1503, no qual é expressamente referido o direito de ser assistido por defensor em todos os atos processuais em que participar, termos em que não existe nulidade, muito menos insanável, por não constar o elenco típico do art. 119° do CPP, nem qualquer inconstitucionalidade, designadamente por violação do disposto no art. 34° n° 1 e 2 , 32° n° 8 e 18° n° 2 da C.R.P.»

Assim, o simples confronto entre a versão construída pelo recorrente, neste segmento do objeto do presente recurso, e a efetiva dimensão normativa aplicada pelo TRL comprova que a decisão recorrida não acolheu, de forma alguma, a ideia segundo a qual foi vedada ao arguido-recorrente a possibilidade de exercer os seus direitos de defesa. Ao revés, o Tribunal a quo assevera, claramente, que o ora recorrente teve plena possibilidade de exercer tais direitos, designadamente, de ser assistido por um defensor. Logo, em razão de não se ter verificado qualquer obstáculo à fruição dos direitos de defesa, o TRL concluiu não estar perante hipótese de nulidade, em especial insanável. Não se trata, pois, de uma interpretação segundo a qual se afasta uma putativa nulidade, por ausência do arguido, na sequência da interdição de direitos constitucionais de defesa.

A exemplo da primeira questão, também nesta segunda questão o recorrente tenta alterar o sentido realmente adotado pela decisão atacada para conformar o objeto do recurso e esbarra no incumprimento dos seus pressupostos de admissibilidade, a saber, e uma vez mais, a previsão do artigo 70.º, n. 1, al. b), da LTC, no que toca à ratio decidendi.

[…]

5. Acresce que há, ainda, outro fundamento para a inadmissibilidade desta segunda questão. Como se transcreveu, o recorrente pretende atacar o conceito de «ausência do arguido» e o seu correspondente efeito de nulidade, no plano do direito processual penal. Ora, saber quais são os elementos que fazem constituir, ou não, a de ausência de um arguido, bem como o tipo de nulidade daí decorrente, é matéria tipicamente infraconstitucional; isto é, o recorrente questiona a melhor interpretação do direito infraconstitucional e a maneira como...

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