Acórdão nº 6414/18.2T8GMR.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 04 de Novembro de 2021

Magistrado ResponsávelALDA MARTINS
Data da Resolução04 de Novembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Guimarães: 1.

Relatório Nos presentes autos de acção especial emergente de acidente de trabalho que J. P.

move a X- Companhia de Seguros, S.A.

e Y Surpresa, Lda.

, foi proferida sentença, que terminou com o seguinte dispositivo: «Assim, e nos termos expostos, julgo a ação procedente por provada e, consequentemente: a. condeno a ré X – Companhia de Seguros, S.A., sem prejuízo dos juros que se mostrem devidos (art.º 135.º do Código de Processo do Trabalho), no pagamento ao autor J. P. das seguintes quantias: a) 206,45€ (duzentos e seis euros e quarenta e cinco cêntimos) a título de parte em falta das indemnizações por incapacidades temporárias; b) 15,00€ (quinze euros) a título de reembolso de despesas de transporte; c) o capital de remição da pensão anual e vitalícia, devida em 06/11/2018, no montante de 700,80€ (setecentos euros e oitenta cêntimos); b. absolvo a ré Y Surpresa, Lda. dos pedidos contra si deduzidos.

Custas exclusivamente pela ré seguradora.» A ré seguradora, inconformada, veio interpor recurso da sentença, formulando as seguintes conclusões: «I. A Recorrente interpôs o presente recurso visando, desde logo, a reapreciação da prova gravada, nos termos do disposto no n.º 3 do artigo 80.º do Código de Processo de Trabalho, por entender que a matéria de facto dada como provada e não provada pelo Meritíssimo Juiz de 1.ª encontra-se incorrectamente julgada, atenta a prova documental junta aos autos e, bem assim, a prova testemunhal produzida em audiência de julgamento, impondo-se, por essa razão, a sua reanálise e alteração, nos termos do presente recurso.

  1. Atente-se no ponto 1) da matéria de facto dada como não provada, que dispõe que não ficou provado “Que o acidente se tenha ficado a dever a: a. inexistência de qualquer utensílio/acessório (rede) de proteção – colectiva – que impedisse o contato mecânico dos membros superiores do manobrador com os seus cilindros e, designadamente, os riscos de esmagamento golpeamento e decepamento; b. falta de formação e informação do trabalhador quanto ao funcionamento da máquina e das regras de segurança a observar na sua utilização”.

  2. É entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores que as conclusões apenas podem extrair-se de factos materiais, concretos e precisos, sendo esse juízo conclusivo formulado a jusante, na sentença, onde cabe fazer a apreciação crítica da matéria de facto dada como provada e não provada.

  3. Atente-se no teor do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Março de 2014, Processo n.º 590/12.5TTLRA.C1.S1, e no teor do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de Janeiro de 2016, Processo n.º 1715/12.6TTPRT.P1.S1.

  4. É manifesto que a expressão constante do ponto 1 da matéria de facto não provada “que o acidente se tenha ficado a dever” não pode, de todo, fazer parte do elenco da matéria de facto, dado que é, desde logo, um juízo valorativo e hipotético, susceptível de integrar o thema decidendum, pois, discute-se a violação das regras de segurança por parte da Entidade Empregadora, ora Recorrida, no deflagar do acidente sofrido pelo Autor, devido à falta de implementação de medidas de segurança.

  5. Assim, deve ter-se por não escrito e, nessa sequência, deve ser eliminado o ponto 1) da matéria de facto dada como não provada.

  6. Ainda que assim não se entenda, quanto ao teor conclusivo do número 1), ponto a., da matéria de facto dada como não provada, sempre se dirá que o Tribunal a quo andou mal quando considerou como não provada “a inexistência de qualquer utensílio/acessório (rede) de protecção – colectiva – que impedisse o contacto mecânico dos membros superiores do manobrador com os seus cilindros e, designadamente, os riscos de esmagamento golpeamento e decepamento”.

  7. O Meritíssimo Juiz a quo incorreu num erro de julgamento, desconsiderando a prova produzida na sua globalidade, designadamente a prova testemunhal produzida em Audiência de Julgamento, bem como na prova documental junta aos autos, uma vez que resultou de toda a prova produzida que não existia qualquer utensílio/acessório que impedisse o contacto das mãos do trabalhador com as partes mecânicas da máquina.

  8. Tal decorre dos depoimentos das testemunhas A. F., R. A. e J. M..

  9. Dos depoimentos ora analisados, e bem assim, da prova documental junta aos autos, designadamente as fotografias juntas a fls. (documento n.º 1 junto aos autos com a Contestação da ora Recorrente), é por demais evidente que a máquina onde ocorreu o acidente em causa nos presentes autos não dispunha de qualquer mecanismo de segurança que impedisse o contacto dos membros superiores do trabalhador sinistrado.

  10. O único mecanismo que a máquina em causa dispunha era uma barra frontal inferior destinada a inverter a marcha dos cilindros, mas que não se destina a evitar qualquer acidente, dado que a actuação deste pedal, em caso de acidente, é a posteriori, ou seja, depois do acidente ocorrer.

  11. Isto porque, o trabalhador sinistrado, por forma a conseguir laborar com a máquina em causa nos presentes autos, é forçado a colocar os membros superiores, nomeadamente as mãos, muito perto dos cilindros em funcionamento, por forma a chegar a massa a cilindrar aos mesmos, e, no acidente em apreço nos presentes autos, inadvertidamente colocou a mão esquerda perto de mais, sendo a mesma puxada pelos cilindros.

  12. Face à inexistência de qualquer acessório que impedisse o contacto das mãos do trabalhador sinistrado com os cilindros, não havia forma de impedir que o acidente em causa nos autos ocorresse.

  13. No caso em concreto nos presentes autos, a aludida barra inferior não seria capaz de evitar o acidente em causa, uma vez que apenas parava a máquina ou invertia o sentido dos rolos, e o trabalhador não podia laborar na máquina com a mesma parada ou com os rolos invertidos, como é bom de ver… XV. A máquina em causa era passível de ser adaptada, por forma a ser instalada uma protecção que evitasse por completo o contacto físico entre os membros superiores do trabalhador e os cilindros sovadores.

  14. Ainda que tal não fosse possível, ou não pretendesse a Entidade Empregadora adaptar a aludida máquina, sempre poderia ter adquirido outras que existem no mercado, com as mesmas funções, ou seja, com cilindros sovadores, mas cujos acessórios impedem o contacto dos membros superiores do trabalhador com os cilindros sovadores, como por exemplo, o modelo de cilindro sovador que se encontra anexo ao documento n.º 2 da Contestação da ora Recorrente.

  15. Nesta conformidade, deve a matéria de facto dada como não provada no ponto n.º 1, a) ser considerada provada, e nessa medida, passar a constar da matéria de facto dada como provada que: “Aquando da ocorrência do acidente, a máquina em que o Autor laborava não dispunha de qualquer utensílio/acessório de protecção que impedisse o contacto dos membros superiores com os dois cilindros, que ficam em contínuo movimento enquanto a máquina está ligada”; “ Teria sido possível instalar utensílio/acessório de protecção por forma a evitar o contacto dos membros superiores com os dois cilindros”; e “Existem máquinas cilindros sovadores cujas características impedem o contacto dos membros superiores do corpo do trabalhador com os cilindros”.

  16. Dispõe o artigo 18.º, n.º 1, da Lei n.º 98/2009 que “quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais”.

  17. Por sua vez, dispõe o artigo 79.º, n.º 3 da Lei 98/2009, que “verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18.º, a seguradora do responsável satisfaz o pagamento das prestações que seriam devidas caso não houvesse actuação culposa, sem prejuízo do direito de regresso”.

  18. Para aplicação do disposto no artigo 18.º da Lei n.º 98/2009, é necessário que se verifique o nexo de causalidade entre inobservância das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho e a produção do acidente, ainda que não seja necessário tratar-se do único nexo causal.

  19. Nos presentes autos, resultou provado que o acidente ocorreu quando o Autor operava com um cilindro sovador, e que, quando se...

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