Acórdão nº 2925/04.5 BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 28 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelSUSANA BARRETO
Data da Resolução28 de Outubro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: I - Relatório A Fazenda Pública, notificada do acórdão datado de 30 de setembro de 2020, que concedeu parcial provimento ao recurso, veio, ao abrigo dos artigos 125.º do CPPT, 615/1.

d) e 666/1, ambos, do CPC, e ainda do art.º 616º do CPC, arguir nulidades processuais e do acórdão, e ainda solicitar a sua reforma quanto a custas.

Posteriormente, veio interpor recurso de revista.

Em tal requerimento, sustenta a Requerente: 1. A sentença proferida em primeira instância, no âmbito dos presentes autos, em síntese, diz-nos que: o que foi decidido na Acção Administrativa Especial, a que o acórdão ora notificado à Fazenda Pública se refere, sobre as questões ali apreciadas, goza da autoridade de caso julgado.

  1. E diz-nos ainda, por outro lado, que as liquidações objecto dos presentes autos são legais atendendo ao que foi decidido naquela Acção Administrativa Especial.

  2. No seu recurso a Impugnante apenas se reporta ao facto de no caso dos autos não poder ser vinculativa a decisão da Acção Administrativa Especial (por não estarem as questões que a impugnante suscitou na sua impugnação abrangidas pela força do caso julgado do decidido naquela Acção Administrativa Especial, usando para suportar esta posição diversos argumentos).

  3. Certo é, todavia, que nada a impugnante refere nas suas alegações quanto à legalidade ou ilegalidade das liquidações em causa nos autos.

  4. No Acórdão ora notificado à Fazenda Pública, contudo, verifica-se que o Tribunal se vem pronunciar quer quanto ao carácter vinculativo do decidido na Acção Administrativa Especial para o âmbito do presente processo, quer, ainda, quanto à ilegalidade das liquidações, considerando serem questões a decidir (cf 1.4. Questões a decidir): a) Apurar se se verifica a excepção de caso julgado e da autoridade do caso julgado.

    b) Em caso de não se verificarem totalmente, avaliar a legalidade da aplicação da CGAA e das correcções efectuadas à matéria tributável.” 6. Sendo que as questões sobre as quais se pronuncia, quanto à ilegalidade das liquidações (a legalidade da aplicação da CGAA e das correcções efectuadas à matéria tributável), não constam, como se refere supra, das alegações de recurso.

  5. Nesta medida, ao não serem invocadas nas alegações de recurso as questões sobre as quais se pronuncia, incorre o Acórdão numa nulidade por excesso de pronúncia (art 615º n.º 1 d) do CPC).

  6. Deveria o Tribunal, estando-lhe vedada a apreciação de questões não suscitadas no recurso, caso concedesse provimento ao recurso, ter remetido o processo ao Tribunal de 1ª instância, para apreciar aquelas questões. Ou, 9. A entender-se que o Tribunal Central Administrativo Sul se poderia pronunciar sobre estas questões, ao menos em substituição, cf art. 665º n.º 2 do CPC, sempre teria de ter dado previamente cumprimento ao disposto no art. 665º n.º 3 do CPC, e determinar a notificação das partes para se pronunciarem. Ora, não o tenho feito, verifica-se que ocorre uma nulidade processual, cf, art. Artigo 195.º (o qual sob a epígrafe “Regras gerais sobre a nulidade dos atos” prevê: “1 - Fora dos casos previstos nos artigos anteriores, a prática de um ato que a lei não admita, bem como a omissão de um ato ou de uma formalidade que a lei prescreva, só produzem nulidade quando a lei o declare ou quando a irregularidade cometida possa influir no exame ou na decisão da causa.

    2 - Quando um ato tenha de ser anulado, anulam-se também os termos subsequentes que dele dependam absolutamente; a nulidade de uma parte do ato não prejudica as outras partes que dela sejam independentes.

    3 - Se o vício de que o ato sofre impedir a produção de determinado efeito, não se têm como necessariamente prejudicados os efeitos para cuja produção o ato se mostre idóneo” - negrito nosso).

  7. Sucedendo no caso exactamente a omissão de uma formalidade prevista na lei (665º n.º 3 CPC) que respeitando expressamente aos recursos e antecedendo a decisão terá necessariamente de se considerar que pode influir no exame ou na decisão da causa 11. Na realidade o princípio do contraditório, que está subjacente à consagração da citada audição das partes prevista no art. 665º n.º 3 CPC, e à invocação em sede de alegações de recurso das questões sobre as quais o tribunal se irá pronunciar, consagrado no art.º 3 n.º 3 do CPC (onde se estabelece que “O juiz deve observar e fazer cumprir, ao longo de todo o processo, o princípio do contraditório, não lhe sendo lícito, salvo caso de manifesta desnecessidade, decidir questões de direito ou de facto, mesmo que de conhecimento oficioso, sem que as partes tenham tido a possibilidade de sobre elas se pronunciarem”), tal como tem vindo a ser entendido na jurisprudência dos tribunais superiores, vide acórdão do STA de 12/02/2015 processo 0373/14: “é um princípio basilar do processo, que hoje ultrapassou a concepção clássica, que estava associada ao exercício do direito de resposta, assumindo-se hoje como uma garantia de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o processo, conferindo às partes a possibilidade de influirem em todos os elementos que se liguem ao objecto da causa.

    Como diz José Lebre de Freitas, Introdução ao Processo Civil, Conceitos e Princípios Gerais à luz do Código Revisto, Coimbra Editora, 1996, pág. 96: «a esta concepção, válida mas restritiva, substitui-se hoje uma noção mais lata de contraditoriedade, …, entendida como garantia de participação efectiva das partes no desenvolvimento de todo o litígio, mediante a possibilidade de, em plena igualdade, influírem em todos os elementos (factos, provas, questões de direito) que se encontrem em ligação com o objecto da causa e que em qualquer fase do processo apareçam como potencialmente relevantes para a decisão. O escopo principal do princípio do contraditório deixou assim de ser a defesa, no sentido negativo de oposição ou resistência à actuação alheia, para passar a ser a influência, no sentido positivo de direito de incidir activamente no desenvolvimento e no êxito do processo».” (sublinhado nosso) 12. Nesta medida, enquanto princípio basilar do processo, e que se concretiza na possibilidade de influência sobre o processo, justifica-se plenamente a possibilidade de, em concretização do princípio do contraditório, as partes se pronunciarem sobre as questões sobre as quais o Tribunal irá decidir, assim se assegurando a participação efectiva das partes no desenvolvimento do litigio e na boa decisão da causa.

  8. Sendo que o não respeito deste art. 3º n.º 3 e art. 665º n.º 3 ambos do CPC, implica a violação de princípios consagrados constitucionalmente, nomeadamente do direito de acesso à justiça nomeadamente na dimensão do direito a um processo equitativo, em violação do art. 20º n.º 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa, 14. O que se acaba de expor, aliás encontra correspondência na jurisprudência do Tribunal Constitucional, veja-se a título de exemplo o acórdão Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 675/2018, publicado no Diário da República n.º 16/2019, Série I de 2019-01-23, páginas 479-486 onde se pode ler o seguinte: “No quadro do direito ao processo equitativo, enquanto corolário do direito de acesso aos tribunais e estruturante do princípio do Estado de Direito (Acórdãos n.os 62/91 e 271/95), exige-se a estruturação processual de modo a garantir uma efetiva tutela jurisdicional, o que vem sendo materializado através de outros princípios; entre os quais «o direito de defesa e o direito ao contraditório traduzido fundamentalmente na possibilidade de cada uma das partes invocar as razões de facto e de direito, oferecer provas, controlar as provas da outra parte, pronunciar-se sobre o valor e resultado destas provas» (Gomes Canotilho e Vital Moreira, cit., p. 415). Como o Tribunal Constitucional sublinhou no Acórdão n.º 251/2017: «'o direito de acesso aos tribunais é, entre o mais, o direito a uma solução jurídica dos conflitos a que se deve chegar em prazo razoável e com observância das garantias de imparcialidade e independência, mediante o correto funcionamento das regras do contraditório' (Acórdão n.º 86/88 [...]). Como concretização prática do princípio do processo equitativo e corolário do princípio da igualdade, o direito ao contraditório, por seu lado, traduz-se essencialmente na possibilidade concedida a uma das partes de 'deduzir as suas razões (de facto e de direito)', de 'oferecer as suas provas', de 'controlar as provas do adversário' e de 'discretear sobre o valor e resultados de umas e de outras' (entre muitos outros, o Acórdão n.º 1193/96) - (cf. Acórdão n.º 186/2010, ponto 2)». Quer isto dizer que o princípio do contraditório está incindivelmente ligado ao direito a um processo...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT