Acórdão nº 931/20.1BELRA de Tribunal Central Administrativo Sul, 28 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelSUSANA BARRETO
Data da Resolução28 de Outubro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam, em conferência, os juízes que constituem a 2.ª Subsecção de Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul: I - Relatório T(…), com os sinais dos autos, recorreu para o Supremo Tribunal Administrativo da decisão do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria que julgou improcedente a reclamação da decisão do órgão de execução fiscal apresentada contra o despacho de indeferimento do pedido de dação em pagamento.

Por acórdão de 2020.09.08, Supremo Tribunal Administrativo julgou-se incompetente em razão da hierarquia para conhecer do presente recurso, declarando competente para esse efeito a Seção do Contencioso Tributário do Tribunal Central Administrativo Sul, ao qual o processo foi remetido.

Nas alegações de recurso apresentadas, a Recorrente formula as seguintes conclusões: I. A douta sentença em mérito, julgou improcedente a reclamação apresentada pela Reclamante contra o ato que lhe indeferiu o pedido de dação em pagamento com o fundamento louvando-se no essencial na não verificação dos vícios apontados pela Reclamante, a saber: erro nos pressupostos de direito e de facto que presidiram o indeferimento da dação em pagamento e vício de violação de lei, por violação do artigo 201. °, n° 1 e 203. ° do CPPT e artigos 13.º e 20. ° da CRP II. Sem quebra do mui respeito devido, não se pode a Recorrente conformar com tal entendimento pois considera e sustenta que a decisão em mérito faz uma errada interpretação/aplicação dos princípios e normativos que regulam a atividade da administração fiscal, especificadamente naquilo que diz respeito ao instituto da dação em pagamento.

Ora, III. A Reclamante, em sede de reação contra o ato de indeferimento do pedido de dação em pagamento, suscitou questões que se prendiam com a violação da discricionariedade na apreciação do pedido, violação da prossecução do interesse público e, violação do princípio da igualdade.

  1. Estando em causa a entrega de prestação diversa daquela que é devida para que com ela se proceda à extinção da obrigação tributária e, para que se almeje tal desiderato, imprescindível se torna o assentimento por banda do credor da obrigação.

  2. Pois bem, no âmbito tributário a questão passa-se da mesma forma, não se pode, contudo, ignorar, o amplo poder discricionário ao dispor da administração fiscal apenas balizado pelo princípio da legalidade e pelo princípio da prossecução do interesse público - arrecadação de receita.

  3. Nesta parte, a douta sentença limita-se a referir que "Com efeito, a dação em pagamento de um imóvel não concretiza desde logo e "a se" qualquer interesse da Administração. Esta, nesta matéria, goza, necessariamente, de uma margem de livre apreciação quanto ao interesse em receber o imóvel (cf. acórdão do Supremo Tribunal Administrativo de 01.10.2008, processo n° 0842/07, publicado em www.dgsi.pt).

  4. É certo que, a margem de livre apreciação ao dispor da administração fiscal, não será, pois, uma margem absolutamente discricionária, porquanto, ela encontra-se balizada pela obediência ao princípio da legalidade e pelo princípio da prossecução do interesse público.

  5. Ora, no caso em apreço, essa discricionariedade é ainda mais patente da medida em que, o que fundamenta a decisão não é uma análise pormenorizada e casuística, antes sim, a aplicação do chavão utilizado pela administração fiscal em situações de idêntica natureza, não podendo, tal comportamento merecer o respaldo que lhe é dado pela decisão em mérito.

  6. Não será, pois, despiciendo referir, ainda quanto à matéria da amplitude da apreciação do bem dado em dação, que não raras vezes, o imóvel que a administração repudia em sede de dação em pagamento é o mesmíssimo que penhora em sede de execução fiscal.

  7. É o mesmíssimo imóvel que, uma vez penhorado e realizada a venda, o valor do mesmo é mais do que suficiente para fazer extinguir a obrigação tributária.

    Daí que, mal se compreenda a resistência a este instituto por parte da administração fiscal e, muito menos se compreenda a amplitude dada na apreciação deste instituto.

  8. É manifesto que a sentença em mérito, concedendo nesta parte razão à Fazenda Pública enferma a douta decisão de erro de julgamento - mostrando-se violada o princípio a discricionariedade por violação dos limites que impõe tal atuação.

  9. De igual modo, a douta decisão em mérito viola o princípio da prossecução do interesse público.

  10. Na verdade, toda a atuação da administração deverá ser voltada para a prossecução do interesse público que, neste caso concreto, passa pela arrecadação de receita fiscal.

  11. Nos autos de execução fiscal, objeto da presente lide, constatamos que os processos de execução fiscal mencionados foram instaurados no decurso do ano de 2017, cujo prazo de prescrição de 8 (oito) anos não está longe de expirar.

  12. Os imóveis dados, só por si, atenta a sua valia, eram bens de enorme interesse que permitiriam à administração fiscal almejar com maior celeridade e eficácia o interesse público.

  13. O princípio da prossecução do interesse público é um princípio que não apenas deverá servir de farol da atuação da administração fiscal como, igualmente, deverá servir de estribo a essa mesma ação.

  14. Pois bem, no caso dos autos é patente que a atuação da administração se encontra totalmente alheada da prossecução do interesse público, violando tal princípio de atuação.

  15. De igual modo, o Tribunal a quo, a julgar da decisão em mérito não se ter por verificada a violação do referido princípio, incorreu igualmente em erro de julgamento, impondo-se nesta parte, a revogação da douta sentença a qual, deve ser substituída por outra que, pelo menos nesta parte, reconheça a existência da violação do princípio de prossecução do interesse público.

  16. Na interposição da reclamação dos atos praticados pelo órgão de execução fiscal, a qual esteve na génese da decisão sob escrutínio, foram suscitadas pela aqui Recorrente, questões que se prendem com o princípio da igualdade e a sua violação, para tanto, foram invocados casos concretos, de conhecimento generalizado de situação em que o comportamento da administração fiscal é no sentido de aceitação dos pedidos de dação formulados, onde, é caso paradigmático, o famigerado totonegócio.

  17. A este respeito, a douta decisão postula que "Ora, não se vislumbra em que termos a limitação temporal para efeitos de apresentação do requerimento de dação em pagamento para além do prazo previsto no artigo 201.°, n.° 1, conjugado com o artigo 203.°, n.° 1, ambos do CPPT, viola o princípio da igualdade e do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva, até porque à luz do artigo 189.°, n.° 4 e 9 do CPPT é possível apresentar o pedido de dação em pagamento não só até ao termo do prazo de apresentação da oposição, bem como no prazo de 15 dias após a decisão pela pendencia de meios contenciosos ou judicial" XXI. Com tal entendimento não se pode conformar a Recorrente, porquanto, pela mesma são apontados casos concretos, do conhecimento geral.

  18. Relativamente à matéria articulada pela Reclamante, resulta manifesto a existência de casos reais que cotejados com a situação da Reclamante consubstancia indelével uma violação do princípio da igualdade.

  19. Do mesmo modo, não permitir que a dação em pagamento possa ser requerida, como modo de extinção das obrigações que é, para além do prazo de oposição, viola os direitos do cidadão no sentido de proceder à regularização da situação tributária perante a Administração Fiscal.

  20. Assim, a interpretação do n° 1 do artigo 201° do CPPT no sentido de o pedido de dação em pagamento apenas poder ser formulado dentro do prazo de oposição, deve ser julgada inconstitucional por violação do princípio da igualdade e do princípio do acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva ínsitos nos artigos 13.° e 20.° da CRP, cuja inconstitucionalidade se argui nos termos e para os efeitos do artigo 71.°, n° 1, alínea b) da Lei Orgânica do Tribunal Constitucional.

    TERMOS EM QUE, Concedendo provimento ao recurso e revogando a douta sentença impugnada, farão Vossas Excelências a habitual, JUSTIÇA!!! A Recorrida, devidamente notificada para o efeito, não apresentou contra-alegações.

    A Excelentíssima Procuradora-Geral Adjunta emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso.

    Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

    II – Fundamentação Cumpre apreciar e decidir as questões colocadas pela Recorrente, as quais são delimitadas pelas conclusões das respetivas alegações, que fixam o objeto do recurso, sendo as de saber: em saber se a sentença fez um errado julgamento, de facto e de direito, por errada interpretação e aplicação da prossecução do interesse público, legalidade e violação dos princípios da igualdade, da tutela jurisdicional efetiva e discricionariedade.

    II.1- Dos Factos O Tribunal recorrido considerou como provada a seguinte factualidade: 1. Em 28 de abril de 2017 foi instaurado pelo Serviço de Leiria 1 o processo de execução n.° 1384 201701059807, em nome da Sociedade “T(…)”, NIPC (…), para cobrança coerciva de uma dívida de IVA, do período tributário 2017/02T, no montante de 33.707,11€, com data limite de pagamento de 27 de abril de 2017 - cfr. certidão de dívida e doc. “Quantia Exequenda’, a fls. 37-v e 38 dos autos (sempre em processo físico).

    1. Em 30 de abril de 2017 foi pelo Serviço de Finanças de Leiria 1 emitida a citação pessoal da Sociedade Reclamante no âmbito do processo de execução identificado no ponto antecedente, para cobrança coerciva da quantia exequenda no montante de 33.707,11€, acrescida de custas no montante de 190,13€, no montante total de 33.897,14€ - cfr. ofício, a fls. 38-v dos autos.

    2. Em 01 de maio de 2017 foi instaurado pelo Serviço de Leiria 1 o processo de execução n.° 1384 201701062212, em nome da Sociedade “T(…), S.A.”, NIPC (…), para cobrança coerciva de uma dívida de coimas e encargos com o processo de contraordenação, do período tributário 2017/02T, no montante de 1.547,40€, com data limite de pagamento de 18 de abril de 2017 - cfr...

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