Acórdão nº 00939/20.7BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 22 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelRog
Data da Resolução22 de Outubro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

EM NOME DO POVO Acordam em conferência os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte: G., Lda, veio interpor o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo de Braga, de 21.04.2021, pela qual foi julgada totalmente improcedente a acção que intentou conta o IAPMEI – Agência para a Competitividade e Inovação, I. P.

, para impugnar a decisão de encerramento do projecto que determinou a não atribuição da totalidade do prémio de realização, mas apenas o resultante de uma penalização de 45%, e a consequente devolução da diferença.

Invocou para tanto, em síntese, que: a orientação de gestão n.º 14/2014 traduz uma alteração contratual, no que respeita ao indicador E, ao contrário do decidido, pelo que a sentença recorrida padece de erro de direito, por desrespeito ao disposto no artigo 2º do Código de Procedimento Administrativo e artigos 311º e 313º, alíneas a) e e), do Código de Contratos Públicos; a orientação de gestão n.º 14/2014 aplicada ao caso concreto traduz uma violação dos princípios da justiça e da razoabilidade, da boa-fé e da proteção da confiança – artigo 2º da Constituição da República Portuguesa, e artigo 10º, n.º1 do Código de Procedimento Administrativo – ao contrário do decidido; e, finalmente, a orientação de gestão n.º 14/2014 não lhe foi notificada pelo que não lhe é oponível, face ao disposto na cláusula nona, nº 1, alínea) do contrato de concessão de incentivos em causa, ao contrário também do que se sustenta na decisão recorrida.

O IAPMEI contra-alegou, defendendo a improcedência do recurso.

O Ministério Público neste Tribunal não emitiu parecer.

*Cumpre decidir já que nada a tal obsta.

* I - São estas as conclusões das alegações que definem o objecto do presente recurso jurisdicional: 1. A pretensão da Recorrente teve e tem por fundamento o aviso de abertura de candidatura (AAC) nº 12/SI/2012 onde se definiu que o INDICADOR E, relativo à intensidade das exportações (pós-projecto), teria de ser igual ou superior a 30%, mais se acrescentando que “o incumprimento do indicador E determinará o ajustamento no montante do incentivo total, de acordo com a metodologia a fixar nas regras de encerramento dos projectos, a publicar em Orientações de Gestão, podendo implicar a resolução do contrato de concessão de incentivos, por incumprimento das condições de aprovação do projeto” e mostra-se igualmente espelhada no contrato de incentivo celebrado, quando ficou estipulado na cláusula nona, seu nº 1 alínea a), que o promotor (ora Recorrente) se obrigava a “Executar o projecto nas condições e prazos constantes do processo de candidatura e de acordo com os termos em que foi aprovado e que fazem parte integrante do presente contrato, incluindo o calendário de execução semestral apresentado no Anexo II, sob pena de redução do incentivo em função do incumprimento de condições contratualmente estabelecidas nos termos e condições definidas em Orientação de Gestão sobre esta matéria, a enviar pelo Organismo Intermédio ao Promotor.” (o sublinhado mais uma vez, é nosso).

  1. Destas premissas decorre, objectivamente, que o incumprimento daqueles 30%, apurado pós-projecto pelo Recorrido, seria suscetível de implicar o ajustamento no montante do incentivo total e a eventual resolução do contrato.

  2. O raciocínio do Julgador quanto a esta particular temática, incorre, sempre com o devido respeito, num erro de análise que é considerar que a intensidade das exportações (IE) igual ou superior a 30% constituía apenas uma condição de acesso da candidatura e não de execução de projecto, porquanto, quanto a este, valeria a IE apresentada pela Recorrente em sede de candidatura, os tais 72%.

  3. Afigura-se-nos um silogismo incorreto porque: - Em lado algum do AAC e do contrato se diz ou infere que a Recorrente estaria vinculada à IE apresentada em sede de candidatura. Esse novo paradigma só surgiu com a orientação de gestão (OG) nº 14/2014 de 24.01.

    - A aferição do cumprimento dos 30% sempre seria, como diz o AAC e a própria OG de 2014, “metas a alcançar pós-projeto”, o que permite concluir que não se cingiria a uma condição de acesso da candidatura, mas sim de cumprimento do projecto ou, se quisermos, uma condição de acesso ao financiamento.

    - À luz do silogismo criado pelo Julgador, em bom rigor nem seria necessário ao Recorrido alterar o critério, bastando estabelecer uma progressividade de penalizações face aos desvios existentes, como igualmente não se vislumbra qual seria o interesse em definir ab initio, num momento de apresentação da candidatura, em que falámos de projecções, uma percentagem que não poderia ser violada no seu limite mínimo, de 30%.

  4. Ocorre uma modificação dos pressupostos contratuais porque o Recorrido não só estabeleceu a progressividade como a fez para ele um pressuposto base diferente, mudando de paradigma na condição/critério estabelecido, que mais não foi do que definir uma diferente fórmula para a IE, que deixou de estar agregada ao limite dos 30%, e passou a vincular-se somente à IE apresentada pelo proponente em sede de candidatura.

  5. Repare-se que a própria menção a “ajustamentos”, só faz sentido estabelecer-se por violação da IE igual ou superior a 30%, por implicar naturalmente uma menor onerosidade atento os menores valores envolvidos, e que poderia, em última instância levar à resolução contratual.

  6. O Recorrido ao aplicar com a OG de 2014 um diferente critério de cálculo da intensidade das exportações, já depois do contrato ter sido celebrado, passando o INDICADOR E a não estar indexado aos 30% como previa o AAC, mas sim ao valor considerado em candidatura está, na prática, a introduzir uma tácita, porque implícita, modificação contratual ou, melhor dizendo, dos fundamentos em que as partes fundaram a convicção de contratar.

  7. Constitui um princípio fundamental de direito que os contratos administrativos devem ser pontualmente cumpridos e de que, por isso, a modificação do seu conteúdo só pode ocorrer por convenção contratual, por acordo das partes, por decisão judicial ou, quando sejam invocadas razões de interesse público – art.º 311º do CCP.

  8. Como o contrato celebrado não convencionou essa possibilidade, como não houve acordo das partes, nem ocorreu qualquer alteração anormal das circunstâncias que justificasse essa modificação por interesse público, não podia nem pode o Recorrido fazer uso dessa alteração de critério, por desvirtuar completamente a essência do contrato, passando, de uma forma unilateral, a colocar a Recorrente numa situação de incumprimento e numa obrigação de devolução de um valor por demais avultado.

  9. Ao fazê-lo, ao utilizar a capa de uma OG para alterar os pressupostos estabelecidos no AAC, o Recorrido está a violar de uma forma ostensiva o princípio da legalidade, previsto no artigo 2º do CPA, por sub violação dos limites subjacentes à modificação unilateral do contrato previsto no art.º 311º do CCP, em especial o limite de não poder efetuar uma alteração substancial do contrato e o limite de não criar um desequilíbrio económico em desfavor da Recorrente, colocando-a numa situação de incumprimento, tal como o artigo 313º alínea a) e e) do CCP prevê.

  10. Por outro lado, mesmo na pior das hipóteses teóricas aqui aplicáveis, nunca se poderia reconduzir o estabelecimento de penalizações, depois do contrato ter sido celebrado, como se tratando de meros ajustamentos, quando envolvem a devolução de cerca de metade do prémio a que a Recorrente teria direito e quando, pior do que isso, são suscetíveis de determinar a insolvência de uma empresa como a Recorrente, e que o próprio Tribunal a quo admitiu como provável no âmbito da providência cautelar.

  11. É nessa decorrência que o princípio da justiça e da razoabilidade, previsto no artigo 8º do CPA, com a alteração das regras a meio de jogo e que envolvem uma forte penalização, se mostra igualmente ferida na sua essência.

  12. O mesmo se diga do princípio da boa-fé e da proteção da confiança, plasmado no art.º 2º da CRP e art.º 10º nº 1 do CPA, quando se entende que in casu foi estabelecido um diferente critério e a instituição de penalizações por força do incumprimento desse novo critério.

  13. A Recorrente apresentou a competente candidatura sem ter dúvidas que o indicador a cumprir deveria ser superior a 30% e que, caso este não fosse atingido, determinaria o ajustamento no montante do incentivo total.

  14. Além disso, essa orientação de gestão também não poderia ser aplicada ao contrato administrativo celebrado, porquanto este, à data em que aquela foi criada, já estava em execução com base numa calendarização previamente estabelecida, que não podia ser evidentemente alterada ou reformulada.

  15. Por último, no que respeita à falta de cumprimento por parte da Recorrida do dever de notificação da orientação de gestão à Recorrente, tal como prevista na cláusula nona, nº 1, alínea a), que o próprio Recorrido confessa não ter existido, não se percebe, confessa-se, como o Tribunal a quo não retira daí as evidentes consequências.

  16. Estamos perante um contrato administrativo. Se esse contrato impõe um dever de comunicação/notificação de uma orientação de gestão que ainda para mais podia gerar ajustamentos, o incumprimento desse dever por parte do Recorrido deveria determinar a inaplicabilidade desse “novo” documento ao contrato em vigor.

    *II –Matéria de facto.

    A matéria de facto não foi impugnada por qualquer das partes, mas importa explicitar, no contrato reproduzido na sentença, a cláusula quinta, bem como o teor da Orientação Técnica n.º 9/2009, a que alude esta cláusula, dado o interesse, decisivo, que esta matéria de facto revela para a decisão do pleito e, logo, do recurso.

    Importa, assim, alinhar como provados os seguintes factos: 1. A Autora é uma sociedade comercial, constituída em 16.03.2017, que se dedica com intuito lucrativo à atividade de extração de granitos, tendo a sua sede na Rua (…) – facto admitido por acordo, cf. art.º 1.º da contestação...

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