Acórdão nº 083/12.0BEALM de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 27 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução27 de Outubro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

ACÓRDÃO 1. RELATÓRIO 1.1.

A Autoridade Tributária e Aduaneira, inconformada com a sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada - que julgou procedente a impugnação judicial deduzida por «A…………, Lda.», contra a liquidação adicional de Imposto Sobre Transmissões Onerosas de Imóveis (IMT) n.º 60102100167411, e respectivos juros compensatórios no valor total de € 51.169,32 -interpôs o presente recurso jurisdicional.

1.2.

Proferido despacho de admissão do recurso e notificada a Recorrente dessa admissão, foram juntas as respectivas alegações, passando-se a transcrever o teor do quadro conclusivo final: «A) Em causa no presente recurso está a douta sentença que julgou procedente a impugnação judicial apresentada contra o ato de liquidação oficiosa de IMT e respetivos juros compensatórios, no valor total de € 51.169,32; B) A referida liquidação resultou da entrega a título de prestação acessória definitiva, gratuita e não reembolsável do prédio urbano sito na ........., lote ......, na freguesia de São Lourenço, concelho de Setúbal, pelos sócios únicos B………… e C............; C) Na sentença ora sob recurso o tribunal “a quo” julgou procedente a impugnação e em consequência determinou anulação do ato de liquidação adicional impugnado, por ter concluído que “…a interpretação da Administração tributária ofende o princípio da legalidade, uma vez que estende a norma de incidência do artigo 2 do CIMI através de uma presunção de onerosidade que não se encontra prevista pelo legislador.”; D) Salvo o devido e merecido respeito pelo tribunal “a quo”, entende a Fazenda Pública que na douta sentença foi feita uma errada interpretação do regime jurídico aplicável aos factos dados como provados nos autos e que aqui não se questionam; E) Na alínea e) do n.º 5 do artigo 2.º do CIMT, apenas é feita referência a “capital”, não se fazendo nela qualquer distinção entre “capital social” ou “capital próprio”, por exemplo; F) In casu, impunha-se ao Meritíssimo Juiz do tribunal “a quo” o respeito por um dos princípios basilares do direito segundo o qual onde o legislador não distingue, não cabe ao intérprete fazê-lo; G) Perante as regras de interpretação da lei, que resultam do artigo 9.º do CC, deve concluir-se que onde a lei não distingue está vedado ao intérprete fazê-lo; H) A figura das prestações acessórias, prevista no artigo 287.º do CSC para as sociedades anónimas, tem uma natureza societária, pois tais prestações são parte integrante da relação jurídica estabelecida entre os sócios; I) A distinção que é feita no n.º 1 dos artigos 209.º e 287.º do CSC, entre prestações acessórias onerosas e prestações acessórias gratuitas, é uma distinção bastante ambígua, razão pela qual Raul Ventura in Sociedade por Quotas, Vol. I, Almedina, Coimbra, 1987, pág., 214, refere que “As prestações gratuitas podem suscitar uma dúvida de natureza…; não havendo qualquer contrapartida da sociedade a uma prestação efetuada por um sócio, pode parecer que se trata de pura liberalidade do sócio. Na realidade não é assim; com ou sem contrapartida da sociedade, a obrigação acessória tem natureza societária, faz parte da relação jurídica criada entre os sócios pelo respetivo contrato. O sócio obriga-se a efetuar prestações acessórias como se obriga a efetuar a própria prestação de capital e todas as prestações que efetua à sociedade, na qualidade de sócio, têm um fim social, que as afasta das liberalidades ou doações. A nomenclatura legal «prestações feitas gratuitamente» pode levar a supor o contrário, mas o defeito é da nomenclatura…”; J) As prestações acessórias efetuadas ao longo do contrato de sociedade, mesmo quando não têm contrapartida imediata ou direta, não podem, nunca, ser consideradas liberalidades; K) A entrega de bens imóveis pelo sócio à sociedade, mesmo que a título de prestações acessórias, deve, em substância, ser considerada uma transmissão onerosa e não uma liberalidade, já que o seu cumprimento gera sempre o nascimento de um direito associado àquelas prestações; L) A realização do capital através da figura de prestação acessória de bens imóveis mesmo quando efetuada a título gratuito, definitivo, não reembolsável nem originadora de qualquer contraprestação no momento da sua realização, tem como fim a consolidação desse mesmo capital, sendo este o fim que justifica a constituição de tal prestação; M) Não se destinando a subscrever o capital social, as prestações acessórias integram o conceito de partes de capital, tanto por definição jurídica como contabilística; N) A par dos aumentos de capital social, das prestações suplementares e dos suprimentos, também as prestações acessórias são fontes de financiamento internas; O) Em termos contabilísticos as prestações acessórias devem ser contabilizadas como passivo, se forem onerosas ou restituíveis, e como instrumentos de capital próprio se forem gratuitas, tal como resulta do SNC, mais concretamente das NCRF 7, 11 e 27; P) Nos termos do artigo 21.º n.º 1 alínea a) do CIRC, as prestações acessórias, revestindo a natureza de entradas de capital, e desde que reconhecidas no capital próprio, não concorrem para a formação do lucro tributável; Q) Está devidamente provado nos presentes autos que a referida operação materializou-se pela contabilização dos correspondentes prédios no imobilizado corpóreo da impugnante e foi reconhecida no seu capital próprio; R) Não há dúvida que estamos, in casu, perante uma operação que deverá ser qualificada como transmissão onerosa de imóveis e, como tal, sujeita às regras de incidência de IMT; S) A AT, ao proceder à referida liquidação, respeitou, escrupulosamente, todas as normas legais aplicáveis, razão pela qual deve a liquidação impugnada ser mantida na ordem jurídica por este douto Tribunal de recurso; T) Ao decidir pela revogação do ato de liquidação impugnado, nos moldes em que o fez na douta sentença aqui recorrida, o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo” violou o disposto no artigo 9.º do CC e nos artigos 1.º n.º 1, 2.º n.º 5 alínea e), e 4.º, estes do CIMT; U) Por assim ser, como de facto é, e estando tudo devidamente provado nos presentes autos, não pode a sentença aqui em apreço manter-se na ordem jurídica, nos termos em que foi proferida, já que, nela, o Meritíssimo Juiz do Tribunal “a quo”, incorreu em erro de julgamento de direito».

1.3.

A Recorrida contra-alegou, condensando os argumentos apresentados em defesa do julgado nos seguintes termos: «1º - A recorrida defende, que a situação constante nos autos, cai, necessariamente, fora da incidência da al. e) do n° 5 do art.° 2.º do CIMT, disposição à qual a AT entendeu subsumir a referida situação.

  1. - A AT concluiu que tal facto era enquadrável na al. e) do n° 5 do art.° 2.º do CIMT, ainda que não tenha existido qualquer contrapartida para os sócios adveniente da entrega da prestação acessória em espécie e enquanto partes interessadas não atuaram com o animus donandi.

  2. - A AT entende assim, que a transmissão do direito de propriedade do imóvel não configurou uma verdadeira liberalidade por parte dos seus únicos sócios, pois a detenção das participações sociais na sociedade beneficiária da transmissão permite identificar um escopo de lucro que afasta o instituto da doação.

  3. - Como tal as prestações acessórias em causa no presente caso consubstanciariam uma verdadeira transmissão onerosa de imóveis e, como tal, sujeita às regras de incidência de IMT.

  4. - E, por outro lado, aferir se a norma de incidência do CIMT possibilita a tributação desta operação com base na presunção de um qualquer tipo de sinalagma entre os sócios e a sociedade beneficiária da transmissão, no momento da transmissão ou num momento futuro e incerto da atividade societária.

  5. - Nos presentes autos, não podemos considerar, para efeitos de incidência de IMT, que a transmissão do imóvel para a sociedade, ora recorrida, seja substancialmente idêntica àquela que haveria numa transmissão onerosa do direito de propriedade sobre um imóvel.

  6. - A presunção da existência de sinalagma no futuro, através de potenciais lucros da sociedade, não tem consagração legal. 8º - A AT não pode liquidar tributos com base em presunções pessoais, ou seja, não lhe assiste o poder de presumir e atribuir um carácter sinalagmático à transferência de propriedade, para depois presumir a qualificação em onerosa da operação. 9º - Estando em causa a interpretação de normas de incidência tributária, as mesmas devem ser interpretadas nos seus exatos termos, sem o recurso à analogia e evitando também a interpretação extensiva, 10º - A interpretação da lei deve reconstituir o pensamento legislativo, atender às circunstâncias em que a lei foi elaborada e às condições específicas da sua aplicação, não podendo ser realizada pelo intérprete, uma interpretação tão extensiva de modo a aplicá-la a casos que ela não previu, entrando num processo analógico. 11º - A obrigação da prestação acessória no caso dos autos é válida, uma vez que foi estabelecida através da alteração do contrato de sociedade. 12º - Não se provando ter existido qualquer contrapartida específica da sociedade para com os sócios aquando da transmissão do imóvel, o acto reveste natureza gratuita, não se integrando no n° 1 do art.° 2.º, do CIMT.

  7. - A interpretação efetuada pela AT ofende o princípio da legalidade, uma vez que estende a norma de incidência do artigo 2.º do CIMI através de uma presunção de onerosidade que não se encontra prevista pelo legislador.

  8. - Em concordância com o princípio da legalidade dos impostos, estes só podem ser cobrados quando se verificam os pressupostos aos quais a lei condiciona a existência de uma obrigação fiscal, 15º - Se não se verificar um dos pressupostos, já não é possível a tributação, por obediência ao princípio da tipicidade do imposto. 16º - Esta convicção deve assentar em pressupostos objectivos e não em meras suposições ou juízos de natureza puramente subjectiva. 17º - Cabendo à AT o ónus da prova da verificação de tais pressupostos».

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