Acórdão nº 0640/13.8BEBRG de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 27 de Outubro de 2021
Magistrado Responsável | FRANCISCO ROTHES |
Data da Resolução | 27 de Outubro de 2021 |
Emissor | Supremo Tribunal Administrativo (Portugal) |
Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 640/13.8BEBRG Recorrente: Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) Recorrida: A……………., Lda.
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RELATÓRIO 1.1 A AT recorre para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga, julgando procedente a impugnação judicial deduzida pela sociedade acima identificada, declarou nula a liquidação de Imposto Municipal de Sisa (sisa) efectuada com referência à compra de um bem imóvel, cujo contrato foi declarado nulo por decisão judicial.
1.2 A Recorrente apresentou as alegações de recurso, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «I- O presente recurso tem por objecto a douta sentença recorrida, proferida no processo supra referenciado, que julgou procedente a presente impugnação judicial e, consequentemente: a) Declarou “…a nulidade do acto de liquidação de SISA com o n.º 1270/2143/2002, datado de 30-07-2002, no montante de € 96.800,00, na medida em que assenta em contrato de compra e venda judicialmente declarado nulo no âmbito do processo n.º 65/03.3TTVCT, do Tribunal do Trabalho de Viana do Castelo;” e, b) Condenou “….a Administração Fiscal a restituir à Impugnante, nos termos do n.º 1 do art. 289.º do Código Civil, o montante de € 96.800,00, suportado a título de SISA [com o n.º 1270/2143/2002] devido pela aquisição dos prédios com os artigos …, …., …. e …. urbanos e …, … e …. rústicos da freguesia de Alvarães e artigos … e …. rústicos da freguesia de Neiva.
”.
II- Douta sentença essa que, a nosso ver, e salvaguardado o devido respeito que a mesma nos merece, bem como salvaguardado devido respeito por melhor entendimento, padece de erro de julgamento, em matéria de Direito, ao ter decidido, em suma, (exclusivamente) à luz dos artigos 286.º e 289.º, n.º 1 do Código Civil, e tendo subjacente a declaração da nulidade do contrato de compra e venda melhor identificado no ponto 1. do probatório, assistir à impugnante o direito de, a todo o tempo, exigir à Administração Tributária a restituição do montante de € 96.800,00, suportado a título de SISA pela aquisição dos prédios melhor identificados no referido ponto 1. do probatório.
III- Impera referir que a nossa discordância relativamente à sentença aqui em apreço assenta, desde logo, na circunstância de a mesma ter olvidado e ignorado o facto notório de, entre 2002.07.30 (data em que foi outorgada a escritura de compra e venda a que alude o ponto 1. do probatório) e 2011.10.03 (data em que a sentença a que alude o ponto 3. do probatório transitou em julgado), o negócio jurídico aqui em causa ter produzido, em termos económicos, de forma plena, todos os seus efeitos.
IV- Ou seja, em termos económicos, o facto translativo concretizou-se na data de 2002.07.30 e manteve-se plenamente válido até 2011.10.03, sendo inquestionável que, durante este (longo) lapso de tempo, se operaram todos os efeitos económicos do contrato pretendidos pelas partes, tendo a impugnante podido exercer na sua plenitude todos os direitos inerentes ao direito de propriedade que adquiriu através do negócio jurídico a que alude o ponto 1. do probatório.
V- Ora, tendo presente este facto que é, a todos os títulos, inquestionável, a questão que se coloca nos presentes autos é, desde logo, a de saber se o direito tributário contém um regime próprio e específico, diferente do direito civil, que versa sobre os efeitos da ineficácia dos negócios jurídicos, nomeadamente decorrente da declaração de nulidade dos mesmos.
VI- Se bem percebemos o entendimento sobre esta questão plasmado na douta sentença aqui posta em crise, o M.mo Juiz do Tribunal “a quo” entendeu que os efeitos da ineficácia dos negócios jurídicos, nomeadamente decorrentes da declaração de nulidade, são os mesmos em direito civil e em direito tributário, inexistindo no direito tributário qualquer regime próprio e específico a este respeito.
VII- Contudo, como é sabido, assim não sucede.
VIII- A este propósito, permitimo-nos chamar à colação a douta decisão proferida em 2018.06.18, no âmbito do processo n.º 616/2017-T, do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), disponível em “caad.org.pt/tributario/decisões”, cuja jurisprudência e doutrina citadas se nos afiguram ser aplicáveis, com as devidas adaptações, ao caso concreto, e na qual consta, nomeadamente, o seguinte: “(…) O direito tributário contém um regime próprio, diferente do regime de direito civil, sobre os efeitos da ineficácia de negócios jurídicos, concretizado genericamente no n.º 1 do artigo 38.º da LGT, que estabelece que «a ineficácia dos negócios jurídicos não obsta à tributação, no momento em que esta deva legalmente ocorrer, caso já se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes».
(….)”.
IX- Assim, transpondo a jurisprudência antes referida para o caso concreto, parece-nos poder-se concluir que, no âmbito do direito tributário, independentemente dos efeitos cíveis decorrentes da declaração da nulidade do negócio jurídico referido no ponto 1. do probatório – os quais se encontram devidamente explicados na douta sentença aqui posta em crise – nos termos do artigo 38.º, n.º 1 da LGT, a ineficácia de tal negócio jurídico, decorrente da declaração de nulidade, não obstará à tributação do mesmo, caso já se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes com o mesmo negócio jurídico.
X- Pelo que, transpondo novamente a jurisprudência antes referida para o caso concreto, parece-nos poder-se concluir que a ineficácia do negócio jurídico aqui em causa, decorrente da declaração da sua nulidade, e mesmo que esta declaração de nulidade tenha efeito retroactivo (efeito “ex tunc”), não determina, de per si, no plano estritamente tributário – ao contrário do que foi entendido na douta sentença aqui posta em crise – a restituição da importância despendida pela impugnante a título de SISA, considerando-se justificada a tributação desde que, tal como sucede no caso em apreço, em consequência do negócio jurídico celebrado, se tenham produzido os efeitos económicos pretendidos pelas partes.
XI- Acresce que, tal como foi entendido na reclamação graciosa aqui em apreço, importará averiguar se o pedido de restituição do montante de € 96.800,00, pago pela impugnante em 2002.07.30, a título de SISA, com o n.º 1270/2143/2002, pela aquisição dos prédios referidos no ponto 1. do probatório, é ou não tempestivo.
XII- Independentemente de se considerar que o prazo de caducidade do direito de reclamar graciosamente é de 120 dias, nos termos do disposto no artigo 70.º do CPPT, conjugado com o artigo 43.º do CIMT, ou de um ano, por força do disposto nos artigos 151.º e 152.º do CIMSISSD ou 44.º do CIMT, sempre será de considerar extemporânea a reclamação graciosa da impugnante, por terem sido ultrapassados os respectivos prazos, contados deste a data do trânsito em julgado da sentença superveniente [2011.10.03] até à data da apresentação da reclamação no Serviço de Finanças [2012.11.19].
XIII- Concluímos, assim, do exposto, que a decisão administrativa que indeferiu a reclamação da impugnante por extemporaneidade, não merece qualquer censura no plano jurídico, em face das normas legais aplicáveis que fixam o prazo de caducidade do direito de reclamação graciosa, sendo de improceder os vícios invocados pela impugnante.
XIV- E não se diga, tal como o faz o M.mo Juiz do processo “a quo” na douta sentença aqui posta em crise, “Ademais, assentando o acto de liquidação de SISA em causa nos autos, em contrato de compra e venda judicialmente declarado nulo, a manutenção dos seus efeitos (de pagamento do imposto de SISA devido pela celebração daquele) integra a previsão da alínea h) do n.º 2 do art. 133.º do CPA-1991 [actual 161.º, n.º 2, alínea i) CPA], segundo o qual são nulos os actos que ofendam os casos julgados.
”.
XV- No caso aqui em apreço consta-se que a Autoridade Tributária não foi parte no processo judicial n.º 65/03.3TTVCT, do Tribunal do Trabalho de Viana do Castelo, no qual foi proferida a sentença, datada de 2010.06.08 e transitada em julgado em 2011.10.03, a que se refere o ponto 3. do probatório.
XVI- Assim, inexistindo, desde logo, identidade de sujeitos processuais, e não tendo a impugnante formulado qualquer pedido tendente a declarar-se a nulidade da liquidação de SISA aqui em causa em sede do processo judicial a que se alude no ponto 3. do probatório, nem vindo aí a Autoridade Tributária condenada nesses termos, não pode entender-se que a manutenção dos efeitos da liquidação de SISA aqui em causa “integra a previsão da alínea h) do n.º 2 do art. 133.º do CPA-1991[actual 161.º, n.º 2, alínea i) CPA], segundo o qual são nulos os actos que ofendam os casos julgados.
”, bem como, na mesma linha de raciocínio, também não pode entender-se “Razão porque o identificado acto de liquidação de SISA sempre seria impugnável a todo o tempo, nos termos do art. 102.º, n.º 3, do CPPT e, como tal, susceptível de conhecimento no âmbito dos presentes autos.
”.
XVII- Em suma, ao decidir como decidiu, o M.mo Juiz do Tribunal “a quo” incorreu, a nosso ver e salvaguardado o devido respeito por melhor entendimento, em erro de julgamento, em matéria de Direito, violando, nomeadamente, o disposto no artigo 38.º, n.º 1 da LGT e o disposto nos artigos 150.º a 152.º do CIMSISSD e/ou 43.º do CIMT.
XVIII - Devendo, em consequência, a douta sentença aqui posta em crise ser revogada, e substituída por douto acórdão que julgue a presente impugnação judicial totalmente improcedente, por não provada, com todas as legais consequências – o que se requer a V. Exas.
Pelo exposto e com o mui douto suprimento de V. Exas., deve ser dado provimento ao presente recurso e, em consequência, revogada a sentença, com todas as consequências legais, como é de inteira JUSTIÇA».
1.3 A Recorrida apresentou contra-alegações, com conclusões do seguinte teor: «I- O facto tributário relevante que deu origem ao acto de liquidação de SISA impugnado assume-se como o...
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