Acórdão nº 1635/20.0T8VCT.G1 de Tribunal da Relação de Guimarães, 14 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA CRISTINA CERDEIRA
Data da Resolução14 de Outubro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Guimarães

Acordam na Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães I. RELATÓRIO Arq. A. E. intentou a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra X, Lda., pedindo que: a) se declare que o A. A. E. é o proprietário exclusivo e legítimo possuidor da fracção “A” identificada no artº. 2º da petição inicial, por a ter herdado de seus pais e estar divorciado da sua ex-mulher M. C. com quem casara no regime de comunhão de bens; b) se declare que a detenção da Ré sobre esta fracção “A” é ilegal, sem título e de má fé; c) se condene a Ré X, Ldª. a: 1. reconhecer que o A. A. E. é o proprietário exclusivo e legítimo possuidor da fracção “A” identificada no artº. 2º da petição inicial e que é objecto desta acção; 2. desocupar e entregar ao A. esta fracção “A” descrita no artº. 2º da petição inicial, livre de pessoas e bens, no mesmo bom estado de conservação em que a Ré a recebeu; 3. receber a quantia que lhe for devida por eventuais benfeitorias necessárias e úteis com base no enriquecimento sem justa causa, dando-se a compensação na parte correspondente com o montante de indemnização devido ao A. pelo atraso na entrega da fracção pela Ré e com o montante que for devido ao A. por virtude das deteriorações praticadas pela Ré na sobredita fracção “A”; d) reconhecer que não tem direito a receber qualquer valor pelas benfeitorias voluptuárias que tenha feito na fracção “A” cujo levantamento não evite o detrimento predial; e) indemnizar o A. na quantia diária de € 41,67 por cada dia em que a Ré tem ocupado e ocupe abusiva e ilegalmente a fracção “A”, a contar do dia seguinte ao dia 29 de Fevereiro de 2020, o que perfaz já a quantia de € 1.375,10 de indemnização a ser paga ao A. desde 1 de Março de 2020, data em que a Ré a devia ter entregue ao A., livre e devoluta de pessoas e bens, até ao dia da entrega definitiva da fracção ao A., no mesmo estado de conservação e configuração em que a mesma se encontrava aquando do início da ocupação pela Ré, acrescida de juros moratórios vincendos, à taxa legal, desde a data da citação da Ré até integral e efectivo pagamento; f) a reparar/reconstruir na íntegra as instalações da fracção “A”, reparando todos os danos e deteriorações que a fracção padeça à data da entrega das respectivas chaves ao A., no prazo máximo de três meses a contar do trânsito em julgado da sentença; g) ver estabelecido o pagamento a favor do A. de uma sanção pecuniária compulsória no valor de € 350,00 por cada dia de incumprimento, para além do trânsito em julgado da sentença.

Para tanto alega, em síntese, que após a morte da sua mãe em 12/08/2007 ficou a ser o proprietário pleno da fracção autónoma identificada no artº. 2º da petição inicial, atento o disposto no artº. 1476º, nº. 1 e por força, igualmente, do teor dos artºs 1790º e 1722º todos do Código Civil.

Além da aquisição derivada, alega, também, factos inerentes à aquisição originária (por usucapião), por parte do A., do direito de propriedade sobre a aludida fracção tal como se encontra identificada na petição inicial.

Apesar do A. ter casado no regime de comunhão geral de bens com M. C., porque ambos se divorciaram (conforme sentença proferida em 24/04/2018 e transitada em julgado em 25/05/2018), por força do disposto nos artºs 1790º e 1722º do Código Civil, esta fracção “A” é propriedade única, exclusiva do A., por ser um bem próprio dele, que lhe foi adjudicado na escritura de partilhas por óbito de seu pai.

Em 23/09/2009 foi registada a constituição da sociedade Ré, com o objecto social, além de outros, da produção e comércio de produtos alimentares e não alimentares.

Durante a vigência do casamento, o A. disponibilizou gratuitamente esta fracção para a Ré nela instalar e explorar um supermercado, com a obrigação de a restituir ao proprietário logo que este solicitasse a devolução, tendo tal empréstimo das instalações sido feito sem convenção de prazo para a restituição das instalações, o que representa ter havido um comodato do A. a favor da Ré.

No decurso da ocupação gratuita da fracção “A” pela Ré, esta executou na mesma as obras e alterações descritas no artº. 20º da petição inicial.

Mais alega que a Ré, não obstante ter sido devidamente notificada em 5/02/2020 (através de notificação judicial avulsa) para proceder à restituição desta fracção “A” ao requerente, livre e devoluta de pessoas e bens, no dia 29 de Fevereiro de 2020, recusa-se a entregar a fracção e as respectivas chaves ao A., detendo-a e ocupando-a abusiva e ilegitimamente, o que está a causar prejuízos ao A., pelo que está a Ré obrigada a indemnizar aquele por cada dia que, desde a data de 1/03/2020, continuar a ocupar as instalações do A., sem o consentimento nem autorização deste, e até à data em que lhe faça a entrega definitiva da fracção, livre de pessoas e bens, no mesmo bom estado de conservação e tal como a recebeu, bem como pelo rendimento que o A. deixou de auferir por não dispor da fracção que é sua.

A Ré contestou, impugnando a subsunção jurídica efectuada pelo A. e que serviu de base às suas pretensões, alegando que, quando a fracção autónoma em causa foi adquirida pelo A. por via sucessória (mais concretamente, por óbito de seu pais) - a respectiva raiz a 26/05/2000 e o usufruto a 12/08/2007 -, aquele encontrava-se casado com M. C. sob o regime da comunhão geral de bens (pois o seu matrimónio vigorou de 22/08/1987 a 25/05/2018), o que significa que tal imóvel ingressou no património comum do casal.

Invocou a existência de causa prejudicial, argumentando que apesar de divorciados, o A. e a referida M. C. ainda não procederam à partilha subsequente ao divórcio, encontrando-se ainda a correr o respectivo processo de inventário, no Juízo de Competência Genérica de Melgaço, com o nº. 50/18.0T8MLG, onde a referida fracção foi relacionada como bem comum do casal, sendo as duas quotas da Ré no valor de € 2.500,00 cada (uma titulada pelo A. e outra pela sua ex-cônjuge M. C.) também bem comum do casal e como tal foram relacionadas no referido inventário, pelo que importa apurar se a dita fracção autónoma e as quotas da Ré são adjudicadas a cônjuges diferentes ou ao A., o que a suceder, torna o presente processo absolutamente inútil.

Neste contexto, requereu a suspensão da presente acção até se decidir a partilha dos bens comuns do extinto casal composto pelo A. e pela referida M. C., mais concretamente da fracção autónoma em discussão e das duas quotas de Ré, no aludido processo de inventário nº. 50/18.0T8MLG.

Invocou, também, a falta de prazo do alegado comodato da fracção, o abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium e a má fé por parte do A., bem como o facto de ser titular do direito de retenção sobre a fracção autónoma identificada nos autos enquanto não lhe for pago o crédito resultante das benfeitorias que nela executou de boa fé e que lhe custaram a quantia de € 81.916,89, impugnando os restantes factos alegados pelo Autor.

A Ré deduziu ainda reconvenção, no caso de procedência da acção, alegando, em síntese, que executou, de boa-fé, na fracção autónoma em causa benfeitorias necessárias, ou pelo menos úteis, no valor de € 81.916,79, ou outro que o Tribunal vier a fixar, que não podem ser removidas da mesma sem detrimento da coisa, e enquanto tal montante ou outro que o Tribunal vier a fixar não for pago à Ré, assiste-lhe o direito de retenção sobre aquela fracção autónoma.

Conclui, pugnando pela improcedência dos pedidos formulados pelo A., ou caso assim não se entenda, peticionando que: a) seja reconhecido o direito de retenção da Ré sobre a fracção autónoma identificada no artº. 2º da petição inicial, enquanto não lhe for pago o crédito que detém sobre o A. no valor de € 81.916,79 ou outro que o Tribunal vier a fixar, pelas benfeitorias nela realizadas; Em reconvenção: b) seja o A. condenado a pagar à Ré reconvinte a quantia de € 81.916,79 ou outra que o Tribunal vier a fixar, a título de indemnização pelas benfeitorias por esta executadas na aludida fracção autónoma; c) seja reconhecido o direito de retenção da Ré sobre a fracção autónoma, enquanto não lhe for pago o crédito que detém sobre o A. no valor de € 81.916,79 ou outro que o Tribunal vier a fixar, pelas benfeitorias nela realizadas.

O A. veio responder às excepções deduzidas pela Ré, mais concretamente sobre a interpretação do artº. 1790º do Código Civil, a existência de causa prejudicial, a falta de prazo do comodato, o...

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