Acórdão nº 3554/18.1T8VFR-A.P1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 14 de Outubro de 2021

Data14 Outubro 2021
Órgãohttp://vlex.com/desc1/1997_01,Supreme Court of Justice (Portugal)

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA I. RELATÓRIO 1.

Fisioclínica S. Paio de Oleiros, Lda.

, com sede na Rua …., …, …., propôs, em 18 de Outubro de 2018, contra JOP – Veículos e Peças, S.A.

, com sede na Rua …., …, …. e Jaguar Land Rover Portugal - Veículos e Peças. S.A.

, com sede no Edifício Escritórios …, Rua …, n.º 2 - 3.° B-3, …, …, acção com processo comum, pedindo:

  1. Se declare resolvido o contrato de compra e venda do veículo automóvel celebrado a 10 de Maio de 2017 entre a autora e a 1.ª e ré, desde 20 de Abril de 2018; b) Se condene as rés solidariamente a devolver à autora a quantia de € 70.300,00 (setenta mil e trezentos euros), acrescida de juros desde 20 de Abril de 2018, correspondente ao preço do veículo que adquiriu à l.ª ré, até integral pagamento; c) Se condene as rés solidariamente a pagar à autora uma indemnização de € 5.000,00 (cinco mil euros), a título de danos não patrimoniais; ou, se assim se não entender, d) Se condene as rés solidariamente a substituir a viatura por outra com as mesmas características, no estado de novo, ou a entregar à autora o veículo devidamente reparado e em perfeitas condições de funcionamento, apto a circular em segurança, sem qualquer avaria, concedendo novo prazo de garantia de dois anos, tudo sem prejuízo de serem as duas rés condenadas no pagamento da indemnização de € 5.000,00.

    Alega para tanto, e em síntese, que adquiriu, em 10/05/2017, junto da l.ª ré, concessionário da 2.ª ré, um veículo automóvel …, modelo ..., novo, ao qual foi atribuída a matrícula ...-SX-..., pelo valor global de € 70.300,00, que pagou.

    A partir de Junho de 2017 a viatura da autora começou a demonstrar graves problemas de funcionamento e, no seguimento de reclamação da autora, a viatura, com cerca 4.000 Kms, esteve nas instalações da l.ª ré, no dia 30/06/2017, para conserto e reparação das deficiências reportadas.

    Contudo, ao invés do asseverado pela 1.ª ré, as deficiências que descreveu mantiveram-se e agravaram-se nos meses seguintes ao da devolução da viatura, impedindo mesmo a circulação da viatura, o que foi reportado via email, nos dias 3 e 7 de Dezembro. Assim, no dia 8 de Dezembro de 2017, a viatura, com cerca de 10.500 Km, teve de ser transportada em reboque para a oficina da l.a ré, onde permaneceu desde o dia 8 de Dezembro até ao dia 2 de Janeiro de 2018. Depois da entrega da mesma a 2 de Janeiro de 2018, confirmaram os legais representantes da autora que as anomalias não haviam sido resolvidas e que começavam a aparecer outras patologias, pelo que, a autora, a 12 de Fevereiro de 2018, enviou reclamação via email à l.ª ré reportando todo o historial de avarias da viatura SX, das reclamações enviadas, das deslocações e permanências da viatura à oficina da l.ª ré, sem que nada se resolvesse, aparecendo outrossim novas deficiências.

    Em meados de Fevereiro, a l.ª ré ainda não tinha logrado debelar os problemas existentes desde a data da aquisição da viatura, designadamente avaria a avaria na câmara traseira que pensavam ir solucionar com a actualização de software, no sistema star/stop que nunca funcionou devidamente, ruído/vibração no tablier da viatura. E a 16 de Fevereiro de 2018, o mandatário da A. enviou às rés comunicação via email, reclamando a substituição integral da viatura ou a rescisão contratual com a consequente devolução do preço pago pela viatura. Foi ainda realizado novo diagnóstico à viatura, tendo-se concluído pelas avarias e deficiências de funcionamento que enumera no item 19 da p.i.. Além disso, a autora apurou a existência de outra deficiência, agora na pintura, e todos os descritos defeitos foram novamente comunicados à l.ª ré via email, a 4 de Abril de 2018, concluindo-se que a viatura com apenas 13.981 Km, padecia de demasiados problemas, o que inviabilizava a sua cabal e plena utilização.

    Face à ausência de qualquer resposta da 1.ª ré, a autora rescindiu o contrato de compra e venda da viatura, através de carta registada enviada a 17 de Abril para as rés.

    1. Citada, veio a 2.ª ré Jaguar Land Rover Portugal - Veículos e Peças. S.A.

      , contestar, deduzindo a excepção de caducidade dos direitos invocados na acção, para o que aduz: - não pode, legalmente, considerar-se a autora como consumidora e, por isso, beneficiária da protecção conferida pelo Regime Jurídico da Venda e Garantia de Bens de Consumo, DL 67/2003, de 8 de Abril, e os restantes diplomas conexos, respeitantes à defesa do consumidor; - regendo-se, assim, a presente relação comercial pelo regime do contrato de compra e venda de coisa defeituosa, previsto nos artigos 913.º e s. do CC; - ora, alega a autora que o seu veículo "começou a demonstrar graves problemas a partir de Junho de 2017", tendo tais "faltas de conformidade" sido denunciadas à "ré em Junho de 2017 e sucessivamente em Dezembro de 2017, Fevereiro, Março e Abril de 2018"; - pelo que nos termos e para os efeitos do regime aqui aplicável, a autora procedeu à efectiva denúncia dos alegados defeitos ou faltas de conformidade do veículo em Junho de 2017; - o que implica, ao abrigo do número 4 do artigo 921.º do CC, que dispunha a autora de um prazo de seis meses desde a data de denúncia do defeito para intentar a presente acção para exercício dos seus direitos; - desse modo, a considerar-se realizada a denúncia dos alegados defeitos em Junho de 2017 a presente acção teria sempre de ser apresentada em juízo até Dezembro de 2017; - uma vez que apenas foi apresentada em juízo em 18 de Outubro de 2018, à autora já não é permitido exercer o direito a que se arroga, dado que o direito a propor a presente acção já caducou, devendo, por isso, a mesma ser julgada improcedente, por verificada a excepção de caducidade prevista no número 4, do artigo 921.° do CC, obstando assim ao conhecimento do mérito da causa, com a consequente absolvição da ré dos pedidos contra si formulados.

    2. A 1.ª ré, JOP – Veículos e Peças, S.A.

      , contestou igualmente, tendo também de deduzindo a excepção de caducidade dos direitos da autora, porquanto, como a própria autora afirma, pelo menos em 16 de Fevereiro de 2018 foi denunciado o defeito, e qualquer acção teria de ser intentada até 16 de Agosto de 2018.

      Mas ainda, como mero raciocínio, é a própria autora que refere na p.i. que a última denúncia teria ocorrido em 16 de Abril de 2018, caso em que qualquer acção a propor deveria ser até 16 de Outubro de 2018. Logo, como a autora só propôs a acção em 18 de Outubro de 2018, já estava extinto por caducidade tal direito.

    3. A autora respondeu, concluindo pela improcedência da invocada excepção e pela condenação das Rés como litigantes de má-fé.

    4. Em sede de despacho saneador foi julgada improcedente a excepção da caducidade.

      É a seguinte a parte relevante da decisão: “Na contestação a esta acção, os RR vêm invocar a excepção peremptória de caducidade, alegando que aquando da propositura da acção já havia decorrido o prazo de seis meses preceituado no Art. 917º do C.C.

      Antes de apreciarmos esta excepção, cumpre analisar ao abrigo de que legislação se devem decidir os presentes autos.

      Face ao alegado pela A., e como resulta da petição inicial, tal como a acção vem configurada pela A., sendo a A. pessoa colectiva de responsabilidade limitada, a Lei do consumidor, regulada pelo DL 67/03 de 8/4, decorrente da Lei 24/96 de 31/07 que incorpora no direito interno português a Directiva 1999/44/CE do Parlamento Europeu de 25/5 não tem aplicação ao caso dos autos, pois esta lei só se aplica a bens destinados a uso não profissional ( cfr. Art. 2º, nº 1 da Lei 24/96 e Art.l 1º-A, nº 1 e Art. 1º-B, al. a) do DL 67/03 de 8/4.). Decorre da doutrina e Jurisprudência que vastamente se têm debruçado sobre o tema que para efeitos da Lei do Consumidor ( DL 67/03) ( cfr. Prof. Dr. Calvão da Silva, in Venda de Bens de Consumo, 4º Ed., 2010, Editora Almedina, Fls. 56, (CSC Art. 6º e Art. 160º do CC), ao referir que “ todo aquele que adquira bens ou serviços destinados a uso não profissional será uma pessoa humana ou pessoa singular, com exclusão das pessoas jurídicas ou colectivas, as quais adquirem bens no âmbito da sua actividade, segundo o princípio da especialidade do escopo, para a prossecução dos seus fins, actividades ou objetos profissionais” ou Ac. TRC, Proc. 1648/11.6TBACB.C1), deve ser considerado consumidor aquele a quem são fornecidos bens que não os destina para uso profissional, sendo considerado consumidor a pessoa humana e não as pessoas colectivas como a ora A. Uma vez que a A., pessoa colectiva adquiriu a viatura para benefício da sua actividade económica, ainda que os seus representantes legais façam uso pessoal da mesma, não se aplica a Lei do Consumidor mencionada. O regime aplicável ao nosso caso é, pois, o regime da compra e venda de coisa defeituosa dos Arts. 913º e ss do C.C.. Aqui chegados, passemos a apreciar a excepção de caducidade da acção invocado pelas RR. Deste modo, face à invocada caducidade do direito da Autora, cumpre, de imediato, apreciar, se o pedido da A. foi tempestivamente exercido.

      Para o efeito, importa considerar que, em função da natureza comercial do contrato de compra e venda em apreço, lhe são aplicáveis os artigos 913º e ss do CC.

      Com efeito, nos termos do disposto no Art. 917º do CC, a acção a propor caduca decorridos 6 meses após a denúncia.

      Face às cartas trocadas entre A. e RR. e juntas aos autos, verificamos que a “última” comunicação efectuada pela A. a queixar-se dos vícios da coisa adquirida, foi feita por carta datada de 16/4/18, recebida pela R. JOP em 18/4/18 e pela R. Jaguar em 23/4/18.

      A acção foi proposta em 18/10/2018, ou seja, a acção foi proposta (atendendo aos critérios estabelecidos no Cod. Civil quanto à contagem dos prazos no seu art. 279º do CC) dentro dos seis meses seguintes à ‘denúncia’ veiculada pela A.

      Diga-se ainda, que o prazo de garantia dos dois ou três anos não tem que ser aqui trazido à colação, pois este é o prazo durante o qual o comprador pode invocar defeitos, situação que aqui não foi...

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