Acórdão nº 1093/19.2T8EVR.E2 de Tribunal da Relação de Évora, 23 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelRUI MACHADO E MOURA
Data da Resolução23 de Setembro de 2021
EmissorTribunal da Relação de Évora

Processo n.º 1093/19.2T8EVR.E2 Acordam no Tribunal da Relação de Évora: (…) e (…) intentaram a presente acção, sob a forma de processo comum, contra o Fundo de Garantia Automóvel (FGA), pedindo a condenação deste a pagar aos AA. a quantia de € 30.000,00, a título de danos não patrimoniais sofridos pela vítima desde o acidente até à hora da sua morte, a quantia de € 80.000,00 pela perda do direito à vida e ainda a quantia de € 40.000,00 devida enquanto indemnização pelos danos morais sofridos pelos AA. com a morte do filho.

Alegaram, em síntese, que no dia 30/5/2015, cerca das 4H50 ocorreu um acidente de viação na Estrada Nacional 4, ao km 98,109 (cruzamento do …), em que foi interveniente o veículo ligeiro de mercadoria com a matrícula (…), conduzido por (…), filho dos AA. O referido condutor perdeu o controlo do mesmo, deixando o veículo invadir a via de trânsito contrária (Arraiolos/Montemor-o-Novo), passou a circular na berma, indo colidir com as árvores adjacentes à mesma, até que embateu com o tejadilho na cabine de espera de autocarros, tendo o condutor sido projectado para a via anteriormente mencionada e aí ficando. Após o despiste e a projecção do sinistrado para a via de trânsito foi este atropelado por um terceiro que ali circulava. Atentas as marcas de sangue no asfalto, bem como a posição final do corpo da vítima, a mesma foi atropelada, embatida e arrastada por dois metros, sendo que o veículo conduzido por aquele terceiro, após ter passado com o rodado do carro por cima do corpo da vítima, fugiu, abandonando o local do acidente sem prestar, nem providenciar o auxílio devido à vítima. Até à data não foi possível apurar a identidade do condutor que atropelou o (…), nem tão pouco a marca, cor, ou a matrícula do veículo em causa. Em virtude do atropelamento sofrido, (…) sofreu “múltiplas lesões crânio-encefálicas, cervicais, torácicas, abdominais e dos membros”. E, em consequência das lesões supra referidas, sofreu uma “hemorragia sub-dural maciça”, tendo sido esta a causa necessária da sua morte.

Devidamente citado para o efeito veio o R. apresentar a sua contestação, impugnando a factualidade relativa ao acidente e alegando que o filho dos AA. conduzia a viatura em causa completamente embriagado, com uma taxa de alcoolemia entre 1,86 g/l e 2,40 g/l de álcool no sangue, pelo que, com toda a probabilidade, o acidente que originou o despiste do veículo que conduzia se deveu à alta taxa de alcoolémia verificada, devendo o pedido indemnizatório ser bastante reduzido ou até mesmo excluído. Acresce que se desconhecem quais as lesões físicas que resultaram do despiste, e no qual o falecido foi projetado para fora do carro, e quais as lesões sofridas pelo atropelamento, sendo certo que o relatório de autopsia apenas refere hemorragia sub-dural maciça, consecutiva de acidente de viação. Além disso, os valores das indemnizações peticionadas pelos AA. são manifestamente exageradas. Conclui, assim, pela improcedência da acção, devendo o R. ser absolvido dos pedidos.

De seguida veio a ser proferido despacho saneador, que considerou a instância válida e regular.

Posteriormente, realizou-se a audiência de julgamento, com observância das formalidades legais, tendo sido proferida sentença que julgou improcedente, por não provada, a presente acção e, em consequência, absolveu o R. dos pedidos formulados pelos AA.

Inconformados com tal decisão dela apelaram os AA. para esta Relação que, por acórdão proferido em 24/9/2020, anulou a sentença recorrida, determinando a realização de várias diligências de prova e um novo julgamento.

Voltando os autos ao tribunal a quo aí foi realizado uma nova audiência de julgamento, em cumprimento do que havia sido determinado no aresto supra referido.

De seguida, veio a ser proferida pelo M.mo Juiz a quo uma nova sentença, a qual julgou parcialmente procedente, por provada, a presente acção e, em consequência, condenou o R. a pagar aos AA. a quantia global de € 110.000,00, sendo € 50.000,00 pela perda do direito à vida, € 20.000,00 a título de danos não patrimoniais sofridos pela vítima e € 40.000,00 pelos danos não patrimoniais sofridos pelos AA. com a morte do filho.

Inconformado com esta decisão dela apelou, agora, o R., tendo apresentado para o efeito as suas alegações de recurso e terminando as mesmas com as seguintes conclusões:

  1. O Tribunal a quo condenou, o Fundo de Garantia Automóvel a pagar aos Autores, a quantia global de € 110.000,00.

  2. Salvo o devido respeito por opinião diversa, mas pela matéria dada como provada nos factos 1, 3, 5, 6, 9, 11, 13 e 14 estamos em crer que não foram apreciados todos os pressupostos essenciais ao apuramento da responsabilidade civil de cada um dos intervenientes no acidente.

  3. Pois, não basta a conclusão de que a causa da morte tenha resultado do atropelamento, é essencial apurar em que circunstâncias ocorreu esse mesmo atropelamento.

  4. E, por um lado, apreciada a conduta do falecido, que conduzia o seu veículo com uma taxa de álcool no sangue entre 1,86 g/l e 2,40 g/l (taxa criminal), despistou-se sozinho, invadiu a via de trânsito contrária, passou a circular na berma, colidiu com pelo menos duas árvores e foi embater no tejadilho da cabine dos autocarros e ainda foi projetado para a via, aí ficando. Sendo que muito provavelmente nem fizesse uso do cinto de segurança.

  5. Por outro lado, temos a circunstância do condutor do veículo terceiro que se terá deparado com o corpo de (…) no meio da faixa de rodagem, à noite e numa estrada sem iluminação. Que, além de se desconhecer se aquele condutor teve noção de ter embatido num corpo, não poderá ser exigível a qualquer condutor que previsse esse acontecimento a muito menos que se lhe exija a destreza de poder evitar o atropelamento.

  6. Pelo que, salvo o devido respeito, o Douto Tribunal a quo poderia e deveria ter aplicado o disposto no artigo 570.º do Código Civil, na medida em que o falecido contribuiu para aquele resultado, devendo o pedido indemnizatório ser excluído, absolvendo-se o FGA.

  7. Ou, caso assim não se entenda, deveria ter sido aplicada uma redução significativa ao total indemnizatório, cuja parcela maior seria atribuível ao próprio falecido.

  8. Por último, quanto ao montante de € 20.000,00 fixado a título de danos não patrimoniais sofridos pela vítima desde a hora do acidente e a hora da sua morte, cumpre salientar que o Douto Tribunal considerou terem decorrido mais do que 45 minutos de sofrimento, pois o acidente ocorre cerca das 4horas e 50 minutos e o alerta é dado cercas 5 horas.

  9. Ora, desconhece-se a hora da morte e desconhece-se a hora em que o falecido terá sido atropelado pelo veículo terceiro, pois só a partir dessa hora e até à hora da sua morte é que poderá ser demandado o FGA, sendo que o primeiro acidente se dá por culpa exclusiva do falecido.

  10. Mas, mesmo que o FGA fosse responsável por todo o tempo de sofrimento de (…), que não se poderá conceber, o valor sentenciado de €...

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