Acórdão nº 1001/21.0BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 07 de Outubro de 2021
Magistrado Responsável | DORA LUCAS NETO |
Data da Resolução | 07 de Outubro de 2021 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam, em conferência, na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Sul: I. Relatório M..., nacional da República Democrática do Congo, interpôs recurso jurisdicional da sentença do Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, de 20.07.2021, que julgou improcedente a acção especial urgente por si proposta contra o Ministério da Administração Interna, na qual havia peticionado a concessão de asilo ou de autorização de residência por protecção subsidiária.
As alegações de recurso que apresentou culminam com as seguintes conclusões: «(…) 1) Em razão ao princípio da não repulsão requer a recorrente a revisão da decisão que julgou seu pedido improcedente, pois há motivos relevantes e justificadores para concessão do pedido de proteção internacional, seja na modalidade de asilo ou proteção subsidiária.
2) Em consequência à revisão requer, seja em suprimento de instância, seja ao retorno dos autos para o órgão competente para que conceda o asilo ou proteção subsidiária à recorrente, pois a sua repulsão ao Brasil ou a RDC poderá ser determinante para sua vida ou morte.» O Recorrido não apresentou contra-alegações.
Neste Tribunal Central Administrativo, o DMMP não se pronunciou.
Com dispensa de vistos, atenta a sua natureza urgente, mas com entrega prévia do texto do acórdão aos Mmos. Juízes Desembargadores Adjuntos, vem o processo à conferência desta Secção do Contencioso Administrativo para decisão.
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1. Questões a apreciar e decidir As questões suscitadas pela Recorrente, delimitadas pelas alegações de recurso e respectivas conclusões, traduzem-se em apreciar se o tribunal a quo errou ao secundar o despacho do Recorrido, de 26.05.2021, que considerou infundado o pedido de proteção internacional que formulou no Posto de Fronteira do Aeroporto de Lisboa, bem como o reconhecimento do direito a autorização de residência por proteção subsidiária.
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Fundamentação II.1.
De facto A decisão sobre a matéria de facto proferida pelo Tribunal Administrativo de Círculo de Lisboa, é aqui reproduzida ipsis verbis: «A) Em 19.04.2021, a Autora chegou à Zona Internacional do Aeroporto Internacional de Lisboa, proveniente do Estado do Rio de Janeiro, República Federativa do Brasil, no voo TP0.., fazendo uso do Passaporte n.° OP…, emitido, pela República Democrática do Congo, com data de 22.01.2020, bem como do título de residência emitido, pela República Francesa, com o n.° 2…, ambos em nome de C..., tendo os serviços da Entidade Demandada apurado, através de análise pericial, tratar-se o primeiro de documento falsificado e o segundo de documento alheio. - Cfr. fls. 4, 7, 9-10 e 1216 do PA; B) Após o facto descrito na alínea anterior e na mesma data, a Autora requereu proteção internacional ao Estado Português e preencheu o instrumento intitulado “Inquérito preliminar”, no qual se identificou pelo nome de M..., nascida em 25.12.1985, e declarou ter nacionalidade congolesa e ter requerido asilo na República Federativa do Brasil, no ano de 2015. - Cfr. fls. 2, 2930, 33 e 45 do PA; C) Após o facto descrito na alínea anterior e na mesma data, foi recusada a entrada da Autora em território nacional, por “uso de documento de viagem falso ou falsificado” e “por uso de documento alheio”, e decidida a apreensão do passaporte e do título de residência indicados em A). - Cfr. fls. 3-5 do PA; D) No dia 11.05.2021, a Autora prestou declarações, no Gabinete de Asilo e Refugiados, em Lisboa, tendo sido lavrado o instrumento, subscrito pela mesma, intitulado “Entrevista/Transcrição”, de cujo teor, que aqui se dá por integralmente reproduzido, se extrai o seguinte: I. Identificação do requerente Apelido: M… Nome: M… Pai: L…. Mãe: K… Data de nascimento: Sexo: 25.12.1985 F Local de nascimento: Kinshasa Nacionalidade (tratando-se de apátrida qual o ultimo pais de residência habitual): Republica Democrática do Congo (-) P. Tem consigo algum documento que comprove a sua identidade? R. Não.
Como está indocumentada, a identidade que neste momento declara é aquela que vai permanecer na prossecução deste processo de protecção internacional.
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Fale um pouco do seu país. Diga quais as cores da bandeira da Republica Democrática do Congo? (vermelho, azul, amarelo) R. Azul, amarelo, vermelho.
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Como se chama o presidente da Republica Democrática do Congo [Félix Tshisekedi]? R. É o filho do Tshisekedi.
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Quais os nomes das cidades da Republica Democrática do Congo? R. Kisangami, Kiku, Ituri.
Esta primeira parte da entrevista serve para conhecermos melhor a sua pessoa, os seus antecedentes, a traçar o seu perfil. Pode falar sobre a sua pessoa, dando o máximo de detalhes sobre si.
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Qual a sua morada aqui em Portugal? R. Na Bobadela com o CPR.
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Qual o seu contacto telefónico? R. 93… .
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Onde residia na RDC? R. Na Província de Ituri, vila Ituri.
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Onde nasceu? R. Nasci em Kinshasa. E depois toda a família foi para junto do meu pai que trabalhava em Ituri.
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Tem irmãos ou irmãs? R. Tinha 5 irmãos, mas já faleceram todos.
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Tem filhos? R. Tenho 1 filho, que esta com a minha mãe, em Ituri.
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Mantém o contacto com os seus familiares? R. Há algum tempo que já não contacto com eles.
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Quantos anos de escola frequentou na RDC? R. Estudei, mas não cheguei a ir para a universidade. Os anos escolares não eram normais, quando havia distúrbios, as escolas paravam e não havia aulas. Quando acalmava regressávamos as aulas.
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Professa alguma religião? R. Católica.
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Qual a sua profissão? Até quando trabalhou? R. Era comerciante. Vendia biscoitos, bombons, chocolates. Quando sai da RDC não estava a trabalhar. Trabalhava de forma intermitente, quando havia crises, parava tudo. Vamos agora falar sobre o percurso que fez desde que saiu do seu país até chegar a Portugal. Pode descrever todo o trajeto que efetuou, dando o máximo de detalhes P. Em que dia saiu da RDC? (2015 - Foi para Brasil) R. Sai da RDC em Janeiro de 2015.
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Qual era o seu destino final? R. Fui de autocarro para a Etiópia com um grupo e depois fui para o Brasil, entre abril e maio de 2015.
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Viajou com os seus documentos? Quando passou pela fronteira do seu país teve algum problema? R. O grupo que nos ajudou a fugir deu-nos documentos para apresentar no avião. Não eram passaportes, mas listas com os nomes de pessoas que deviam viajar.
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Como se chamava esse grupo? R. Protection pour le refugie, era um grupo que pertencia à igreja. Era um grupo que existia na minha vila, não sei se era a nível nacional.
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Quanto tempo viveu no Brasil? R. Vivi no Brasil de 2015 até 2021.
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Onde morava no Brasil? O que fez enquanto lá esteve? R. Morava no Rio de Janeiro e trabalhei a fazer tranças, fiz um curso de cuidador de idosos na Cruz vermelha e cheguei a trabalhar como auxiliar de cozinha no Hospital Getúlio Vargas.
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Tem algum documento que comprove a sua residência no Brasil? R. Não.
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Alguma vez procurou as autoridades brasileiras para regularizar a sua situação? R. Sim, fiz um pedido de autorização de residência. Apenas tinha um documento de me permitia trabalhar, onde se anotava todos os trabalhos que tínhamos.
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Tem esse documento consigo? R. Não. Um dia, quando saia da igreja fui assaltada por um grupo de meninos que me levaram a mala com tudo o que eu tinha.
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Fez algum pedido de protecção internacional no Brasil? R. Sim, eu pedi asilo no Brasil, mas ainda estou à espera da resposta.
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Porque decidiu vir para Portugal? R. Eu vivia bem no Brasil até ter terminado o contrato no hospital. Nessa altura fui morar na favela (em 2016), porque o aluguer era em conta e não se pagava luz, agua e gas. A data altura o chefe dos bandidos queria casar comigo, ao inicio parecia brincadeira mas com o tempo foi-se tornando mais insistente. Depois de insistir muito começou a ameaçar-me que me ia cortar a cabeça e mandar para a família em África. Fiquei tão assustada que fugi para outro bairro em finais de 2020. Ele conseguiu encontrar-me e voltou a ameaçar-me com mais insistência. Eu era refugiada no Brasil, mas a vida pouco valia por ser estrangeira. A mulher dele também descobriu e também começou a ameaçar-me para me afastar dele. Pessoas conhecidas aconselharam-me a sair do país.
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Quando é que a aconselharam a sair do país? R. Finais de 2020.
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Foi em finais de 2020 que começou a tentar vir para a Europa? R. Sim.
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Viajou sozinha? R. Sim.
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Quem é que tratou da viagem? R. Foi um amigo congolês que eu conheci no Brasil que me ajudou. Paguei-lhe e em troca ele deu-me o passaporte e os documentos que serviram para viajar para Portugal. Tem agora a oportunidade de fornecer, sem interrupções, o seu relato pessoal sobre os motivos que o levaram a sair do seu país de origem. Se possível inclua o máximo de detalhes sobre esses motivos.
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Sai por causa da guerra. O meu pai tinha actividades políticas na cidade de Ituri e certo dia vieram os militares à nossa casa, armados e mataram-nos. Eu fugi com a minha mãe e os meus irmãos. Isto aconteceu em finais de 2014. Foram os próprios militares que nos disseram para sairmos de casa porque estavam à procura apenas do meu pai. Fugimos sem destino, só para fugirmos da violência. Fugimos até chegar a uma igreja em Ituri e foram as pessoas dessa igreja os responsáveis por sairmos do país. P. A senhora foi alvo de violência por parte dos militares? R. Não, porque só queriam mesmo o meu pai.
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Voltando um pouco atrás, disse-me que foi em 2020, que começou a tentar vir para a Europa? R. Nessa altura ainda não sabia para onde ia, apenas que essa pessoa me ia ajudar a sair do Brasil.
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Nunca antes tentou viajar do Brasil para a Europa? R. Não. Apenas em 2020 quando ele me começou a ameaçar de morte.
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Então como me explica a existência de pedidos de visto Schengen, em seu nome, desde 2016 a 2020? R. Desde o início que eu tinha muito medo dele, ele tinha muitas armas e traficava droga.
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Qual é exactamente a razão pela qual está a pedir protecção ao Estado Português? R. Principalmente para fugir do homem que me estava a ameaçar no Brasil, ele que disse que me...
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