Acórdão nº 01914/17.4BELSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 07 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelMARIA BENEDITA URBANO
Data da Resolução07 de Outubro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam em conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Supremo Tribunal Administrativo: I – RELATÓRIO 1.

Os AA. nos processos apensados C………… (Proc. n.º 2708/17.2BELSB), D…….... (Proc. n.º 2652/17.3BELSB), E………… e outros (Proc. n.º 2682/17.5BELSB), F………… e outros (Proc. n.º 2671/17.0BELSB) e G………… (Proc. n.º 2529/17.2BELSB), devidamente identificados nos autos, interpõem as presentes revistas do acórdão do TCAS, de 08.04.2021, que decidiu: “i) negar provimento aos recursos dos autores; ii) conceder provimento aos recursos da entidade demandada e dos contrainteressados, revogar a sentença recorrida na parte por estes recorrida e julgar a ação administrativa de contencioso relativo a procedimentos de massa improcedente”.

Na origem do recurso interposto para o TCAS esteve uma decisão do TAC de Lisboa, de 13.11.2020, que julgou totalmente procedente a acção administrativa de contencioso de massas “e nessa decorrência anulo o acto que homologou a lista final de classificação do procedimento concursal aberto pelo Aviso publicado em Ordem de Serviço da Direcção Nacional da Polícia Judiciária n.º 106/2014, de 31 de Dezembro, com todas as consequências legais”.

O TAC de Lisboa anulou, pois, o acto que homologou a lista de classificação final relativa ao procedimento concursal de acesso limitado para o preenchimento de 80 postos de trabalho do mapa de pessoal da Polícia Judiciária, da categoria de inspector-chefe, escalão 1, da carreira de investigação criminal.

  1. C……………. recorreu para este STA, apresentando as respectivas alegações, concluindo, na parte que agora mais interessa, nos seguintes termos (cfr. alegações de fls. 9934 a 9962 – paginação SITAF): “(…) PROSSEGUINDO, IX. Para garantir o anonimato da prova e assegurar o princípio da igualdade e da imparcialidade, princípios estruturantes e transversais neste tipo de procedimentos concursais, o Júri, como resulta da matéria de facto dada como provado nos pontos 8 e 9, aprovou regras que estabeleciam, entre o mais, que “[a] folha individual de identificação dever[ia] ser preenchida de forma legível;.

    Não [sendo] permitida a identificação, nem a inscrição de qualquer elemento ou sinal identificador, fora dos campos expressamente indicados para o efeito;”.

    1. Constando, de igual modo, do enunciado da Prova Escrita de Conhecimentos Específicos que “[s]ob pena de anulação as provas não dever[iam] ser assinadas, rubricadas ou conter quaisquer sinais identificadores do candidato, excepto nesta folha onde deve ser escrito o nome completo de forma legível.“ - Cfr. ponto 14 da matéria de facto dada como provada -.

    2. Decorria ainda das instruções aos candidatos para a realização da prova que “(…) eles não se deveriam identificar nem inscrever qualquer elemento ou sinal identificador, fora dos campos expressamente indicados para o efeito (ou seja, fora da folha individual de identificação), procedimento instituído para que se garantisse o anonimato”, tendo chegado ao “(…) ao conhecimento do júri que, mais que um candidato (seja por nervosismo inerente a prestação da prova, seja por entender que o despacho, para estar correto, deveria ser devidamente esclarecedor quanto ao nome e a qualidade do seu autor), na resposta à questão III, escreveu/assinou o próprio nome, quebrando-se, desta forma, o carácter anónimo do teste, pressuposto básico da objetividade, imparcialidade e isenção que se pretende preservar em todo o procedimento” - Cfr. pontos 30 e 31 da matéria de facto dada como provada.

    3. O Júri do concurso deliberou previamente as regras a adoptar pelos candidatos na realização da Prova Escrita de Conhecimentos Específicos, sob pena de anulação das provas, de onde se destaca que não era permitida a identificação, nem a inscrição de qualquer elemento ou sinal identificador, fora dos campos expressamente indicados para o efeito.

    4. Com a aprovação dos documentos designados de “Procedimentos a adoptar na aplicação da prova” e “Instruções aos candidatos para a realização da prova”, o júri procedeu de forma clara e inequívoca, avisando os candidatos que não era permitida a identificação, nem a inscrição de qualquer elemento ou sinal identificador, fora dos campos expressamente indicados para o efeito, aviso que constava de igual modo na nota inserida na folha de rosto da Prova Escrita de Conhecimentos, no sentido de que, sob pena de anulação, as provas não deveriam ser assinadas, rubricadas ou conter quaisquer sinais identificadores do candidato.

    5. Por estas razões, a aposição do nome do candidato na folha do exercício, involuntária ou não, compromete “ipso facto” a imparcialidade do júri e a igualdade de tratamento dos candidatos, sendo os candidatos inteiramente responsáveis pelo erro que se verificou no caso em apreço e, por consequência, a anulação da sua prova escrita é uma medida justificada face aos interesses gerais que a regra do anonimato visa proteger.

    6. De facto, o Júri do concurso teve acesso aos nomes dos candidatos que se identificaram nas provas, uma vez que vários deles dirigiram ao Júri do concurso exposições onde referem que, por lapso ou distração, identificaram-se na resposta III.

    7. É evidente que a partir dessa data, tendo os jurados conhecimento dos requerimentos dos interessados para procederem à rasura que, aquando da correção, saberiam estes, sem qualquer dúvida, quais os candidatos em causa, sabendo, do mesmo modo, os respetivos curricula.

    8. Ora, este jogo de circunstâncias é, efetivamente, suscetível de lançar sobre aquela deliberação do júri uma aura de suspeita e desconfiança, pondo em causa a imagem de objetividade e seriedade que os órgãos da Administração Pública devem guardar.

    9. E nem se diga – como o faz o Tribunal recorrido – que, por se encontrar documentado no procedimento a atuação do júri, não existe benefício de uns candidatos em relação a outros, porque, por um lado, o simples risco de lesão da isenção e da imparcialidade da Administração é fundamento bastante para a anulação do ato, mesmo que em concreto se desconheça a efetiva violação dos interesses de algum concorrente, e, por outro lado, da atuação do júri documentada no procedimento resulta o reconhecimento expresso por parte deste de que a identificação dos candidatos na prova escrita quebrou o carácter anónimo do teste, pressuposto básico da objectividade, imparcialidade e isenção que se pretende preservar em todo o procedimento, o que, por si, só era motivo bastante, para a exclusão de tais candidatos.

    10. É que a garantia de anonimato das provas escritas era um elemento absolutamente essencial no sentido de garantir a necessária independência e imparcialidade do júri, pois que, conhecendo a identidade do candidatos, fica, desde logo, colocada em causa a imparcialidade do júri, permitindo-lhe aceitar rasuras (quando não o poderia fazer) com plena consciência dos requerentes e beneficiários de tal decisão.

    11. Relativamente ao universo dos concorrentes, isso transmite a ideia de que, tendo o júri imposto a regra do anonimato e que as provas não deveriam ser assinadas, rubricadas ou conter quaisquer sinais identificadores do candidato, não tendo procedido à anulação das mesmas, tal como se tinha autovinculado, o Júri quis beneficiar os candidatos que aí haviam escrito o seu nome/identificação.

    12. E a questão que se coloca é, desde logo, a de saber se tivessem sido outros os candidatos a identificaram-se na resposta à questão III se, ainda assim, o júri tomaria a mesma decisão ou se, pelo contrário, manteria a decisão tomada na sua reunião de 15 de julho de 2015, exarada na ata nº 6, e no enunciado da prova, ou seja, a anulação da prova.

    13. Mas mais: porque foi estabelecida a regra do anonimato do teste, o Júri do concurso viu-se obrigado a fixar um critério para os 26 candidatos que se identificaram que não foi escolhido no tempo próprio, ou seja, antes do júri ter acesso aos candidatos e aos seus currículos e, tendo-o feito extemporaneamente, mostra-se afetado o princípio da estabilidade das regras concursais originariamente definidas, bem como a confiança dos candidatos na integral subsistência e manutenção destas até ao desenrolar final do procedimento concursal, violando-se os princípios da justiça, da tutela da confiança e da transparência da Administração, uma vez que não existe transparência sem conhecimento prévio e sem estabilidade das regras e dos critérios de apreciação a que a Administração se autovincula no momento da abertura do concurso.

    XXIII.O Tribunal recorrido incorreu em erro de julgamento ao ter julgado improcedente o vício de violação dos princípios da estabilidade das regras concursais, da boa fé e tutela da confiança e da autovinculação administrativa, bem como da legalidade, isenção, igualdade, transparência e imparcialidade - art. 266º, nºs. 1 e 2 da CRP, arts. 3º, 6º e 9º do CPA (arts. 3º, 5º e 6º do CPA antigo) e art. 05º do DL n.º 204/98 –, o que impõe a revogação do acórdão recorrido”.

    A final pugna pela admissão da revista e pela sua procedência, com a consequente revogação da decisão recorrida.

  2. D…………. recorreu para este STA, apresentando as respectivas alegações, concluindo, na parte que agora mais interessa, do seguinte modo (cfr. alegações de fls. 9967 a 10019 – paginação SITAF): “(…) 5. O Júri do concurso teve conhecimento da identidade de 2 candidatos (factos provados nos pontos 30 e 31) que se identificaram na prova escrita, fora do campo previsto para o efeito, pelo que tinha que aplicar as regras que previamente se auto-vinculou sem atender ao nome desses candidatos.

  3. O Júri estabeleceu regras, que foram publicitadas a todos os candidatos, para a realização da prova escrita e no enunciado da Prova Escrita de Conhecimentos Específicos constava “Sob pena de anulação as provas: não deverão ser assinadas, rubricadas ou conter quaisquer sinais identificadores do candidato, excepto nesta folha onde deve ser escrito o nome completo de forma legível”.

  4. 2 candidatos dirigiram-se ao júri do concurso e referiram que por lapso...

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