Acórdão nº 779/21 de Tribunal Constitucional (Port, 01 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução01 de Outubro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 779/2021

Processo n.º 345/21

3.ª Secção

Relator: Conselheiro Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do Supremo Tribunal Administrativo, em que são recorrentes A. e B. e é recorrida a AT – Autoridade Tributária, os primeiros vieram interpor recurso de constitucionalidade ao abrigo do disposto no artigo 70.º, n.º 1, alínea b), da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), da decisão proferida pelo Tribunal Central Administrativo Norte no dia 21 de maio de 2020, que negou provimento ao recurso por eles interposto da sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Viseu no dia 18 de julho de 2019, que julgou totalmente improcedente a impugnação pelos mesmos deduzida contra a liquidação de IRS relativa ao ano de 2013. Os recorrentes interpuseram ainda recurso dessa decisão para o Supremo Tribunal Administrativo, que, porém, julgou o recurso inadmissível.

2. O recurso de constitucionalidade apresenta o seguinte teor:

«A. e mulher, Recorrentes nos autos acima identificados, tendo sido notificados, através do ofício com a referência 002494832, do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo que julgou não preenchidos in casu os pressupostos legais do recurso de revista excecional, vêm dizer que mantêm interesse na subida do recurso que, ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro e por referência ao Acórdão proferido pelo Tribunal Central Administrativo Norte em 21 de maio de 2020, foi oportunamente interposto nos autos para o Tribunal Constitucional (cf. fls. 1032 SITAF e documento em anexo), cuja admissão e subida reiteram e requerem.

Subsidiariamente, acautelando a hipótese de assim se entender necessário ou oportuno à luz do disposto no n.º 2 do artigo 75.º da LTC, vêm (re)interpor recurso para o Tribunal Constitucional , ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, assim como da alínea b) do nº 1 do artigo 280º da Constituição da República Portuguesa ("CRP"), da referida decisão do TCAN, de 21 de maio de 2020, a fls. 984 SITAF, que conheceu do mérito da causa e ora se tornou definitiva, nos mesmos termos do requerimento de fls. 1032 SITAF, que aqui se reproduzem:

Exmos. Senhores Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte

Exmo. Senhor Conselheiro Relator do Tribunal Constitucional

O presente recurso para o Tribunal Constitucional é interposto ao abrigo da alínea b) do nº 1 do artigo 70º da LTC, assim como da alínea b) do nº 1 do artigo 280º da CRP, estando, pois, em causa a aplicação, por parte do TCAN, de norma cuja inconstitucionalidade foi suscitada pela Recorrente durante o processo e antes da prolação do Acórdão de que ora se recorre.

Em especial, na página 17 das suas alegações de recurso dirigido ao TCAN, haviam os Recorrentes

apontado o seguinte:

"No caso dos autos, a AT, por aplicação dos critérios presuntivos previstos no n.º 2 do artigo 52.º do Código do IRS, determinou um valor de realização ou transmissão das ações pelo aqui Recorrente marido à C. no montante de EUR 55.525.600, concluindo, então, pela obtenção de um ganho pelo mesmo Recorrente marido de mais de 53 milhões de euros.

[...]

O acréscimo de capacidade contributiva resultante da contraprestação associada à segunda transmissão verificou-se na esfera de uma outra pessoa, jurídica e tributariamente, distinta dos aqui Recorrentes.

Ora, o princípio da capacidade contributiva, enquanto princípio geral da tributação e corolário do princípio da igualdade no domínio tributário, enquanto «pressuposto, limite e critério da tributação», exige que o legislador fiscal configure as obrigações dos contribuintes a partir de factos tributários que fundem a capacidade de suportar o encargo correspondente.

Conforme afirmou o Tribunal Constitucional, no Acórdão n.º 348/97), «a tributação conforme com o princípio da capacidade contributiva implicará a existência e a manutenção de uma efetiva conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico selecionado para objeto do imposto». [...]"

A propósito desta invocada violação do principio da capacidade contributiva nessa dimensão, entendeu o TCAN no Acórdão recorrido que "[... ]não é possível afirmar que a tributação incide sobre uma riqueza que não existe ou que não está de acordo com a sua "capacidade de gastar", pois os Recorrentes têm o incremento patrimonial que decorre da consequente valorização das ações que detêm naquelas sociedades" [cf. página 35 do Acórdão recorrido] e que "o facto de as mais-valias apuradas na transmissão das ações não terem sido objeto de tributação [...] permitiu aos Recorrentes uma poupança fiscal que se traduz numa evidente maior capacidade contributiva" [cf. página 36 do Acórdão recorrido].

Nesse sentido, entendeu o TCAN que a tributação dos Recorrentes ao abrigo do disposto no n.º 1 e na alínea b) do n.º 2 do artigo 52º do Código do IRS, em causa nos autos, não viola o princípio da capacidade contributiva naquela dimensão, na medida em que sempre existe um incremento patrimonial na esfera jurídica do alienante pessoa singular que decorre da consequente valorização das participações sociais que este detém, direta e indiretamente, na sociedade que, por sua vez e por um valor superior, revendeu as ações por este primitivamente transmitidas e que realizou a mais-valia que não foi objeto de tributação.

Assim, a norma cuja inconstitucionalidade se pretende que o Tribunal Constitucional venha a apreciar é a norma ínsita à conjugação dos referidos n.º 1 e da alínea b) do n.º 2 do artigo 52º do Código do IRS [na redação aplicável à data dos factos], na interpretação que lhe foi dada pelo TCAN no Acórdão recorrido, no sentido de que tal norma permite à Autoridade Tributária e Aduaneira, quando considere fundadamente que possa existir divergência entre o valor declarado numa operação de transmissão de ações e o respetivo valor real, tributar em IRS o valor presumido dessa transmissão de ações determinado com base no último balanço, quando apure que o acréscimo patrimonial efetivo e não tributado que decorre da alienação das mesmas ações se verificou na esfera jurídica de uma pessoa coletiva, direta e indiretamente detida pelo primitivo alienante pessoa singular.

Tal enunciado interpretativo da referida norma, projetado na ratio decidendi do Acórdão recorrido nessa parte, viola o princípio da capacidade contributiva, o qual é corolário do princípio da igualdade, consagrado no artigo 13.º da CRP, quebrando a necessária "conexão entre a prestação tributária e o pressuposto económico selecionado para objeto do imposto" exigida por aquele princípio.

Os Recorrentes suscitaram a mencionada questão de inconstitucionalidade, em especial, nas suas alegações de recurso dirigidas ao TCAN, apresentadas nos autos (cf. páginas 16 a 19 das referidas alegações), tendo a norma ínsita à conjugação das apontadas disposições legais vindo a ser aplicada por aquele Tribunal, que julgou não verificada tal questão de inconstitucionalidade e manteve a liquidação efetuada com base na mesma norma, interpretando-a e aplicando-a no apontado sentido desconforme com a Constituição.

NESTES TERMOS e nos demais de Direito, por estar em tempo e por se encontrarem preenchidos os requisitos previstos nos artigos 70.º a 75.º-A da LTC, requer a admissão do presente recurso, com os efeitos previstos no artigo 78.º da LTC, devendo o mesmo, em consequência, ser remetido para o Tribunal Constitucional, com as demais consequências legais.»

3. Através da Decisão Sumária n.º 451/2021, foi decidido não conhecer o objeto do recurso, em razão de a questão de constitucionalidade formulada pelo recorrente não se dirigir a qualquer norma que apresente respaldo suficiente na decisão recorrida como sua ratio decidendi. Foi a seguinte, no essencial, a fundamentação apresentada:

«5. (…) A questão dos recorrentes, recorde-se, diz respeito à «norma ínsita à conjugação dos referidos n.º 1 e da alínea b) do n.º 2 do artigo 52º do Código do IRS [na redação aplicável à data dos factos], na interpretação que lhe foi dada pelo TCAN no Acórdão recorrido, no sentido de que tal norma permite à Autoridade Tributária e Aduaneira, quando considere fundadamente que possa existir divergência entre o valor declarado numa operação de transmissão de ações e o respetivo valor real, tributar em IRS o valor presumido dessa transmissão de ações determinado com base no último balanço, quando apure que o acréscimo patrimonial efetivo e não tributado que decorre da alienação das mesmas ações se verificou na esfera jurídica de uma pessoa coletiva, direta e indiretamente detida pelo primitivo alienante pessoa singular».

Contudo, no recurso interposto para o TCAN, os recorrentes formularam a sua questão de constitucionalidade por referência, matricialmente, à «interpretação ínsita no n.º 2 do artigo 52.º do Código de IRS no sentido de que determina em absoluto o rendimento tributável sem que ao contribuinte seja dada a possibilidade de demonstrar o valor efetivo dessa capacidade contributiva ou acréscimo que se pretende tributar». E só esta norma poderia ser conhecida pelo Tribunal Constitucional, pois só em relação a ela têm os recorrentes legitimidade para interpor o presente recurso, nos termos do disposto nos artigos 70.º, n.º 1, alínea b), e 72.º, n.º 2, da LTC.

Sucede que essa norma não tem respaldo suficiente na decisão recorrida enquanto ratio decidendi da mesma, como se verifica a partir de uma análise dessa decisão, em particular das suas páginas 33 a 36 (fls. 164 a 165-verso dos autos), que ora se transcrevem:

«(...)

3.2.4.3. Violação do princípio da capacidade contributiva...

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