Acórdão nº 773/21 de Tribunal Constitucional (Port, 01 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Fernando Vaz Ventura
Data da Resolução01 de Outubro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 773/2021

Processo n.º 626/2021

2.ª Secção

Relator: Conselheiro Fernando Ventura

Acordam, em conferência, na 2.ª secção do Tribunal Constitucional

I. Relatório

1. A., S.A., vem reclamar, ao abrigo do artigo 76.º, n.º 4, da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (Lei de Organização, Funcionamento e Processo do Tribunal Constitucional, doravante LTC), do despacho proferido pelo relator no Supremo Tribunal de Justiça, em 21 de maio de 2021, que não lhe admitiu o recurso para o Tribunal Constitucional.

2. Para melhor compreensão da reclamação, importa reter que o recurso de constitucionalidade é incidente de ação declarativa intentada pela aqui reclamante contra o B., S.A., que foi julgada improcedente por saneador-sentença, proferido em 1 de julho de 2019. Inconformada, a autora recorreu para o Tribunal da Relação do Porto, que, por acórdão de 14 de janeiro de 2020, negou provimento ao recurso e manteve a decisão recorrida. Arguida a nulidade desse aresto, foi a mesma indeferida por acórdão proferido em 28 de abril de 2020. Visando os dois acórdãos do Tribunal da Relação do Porto, interpôs a autora recurso de revista excecional, invocando o disposto na alínea a) do n.º 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil. Por decisão da relatora no Tribunal da Relação foi decidido não admitir a revista excecional. Desse despacho veio a autora apresentar reclamação, que foi desatendida por despacho do relator no Supremo Tribunal de Justiça. Apresentada reclamação para a conferência, o Supremo Tribunal de Justiça, por acórdão proferido em 23 de março de 2021, decidiu julgar improcedente a reclamação, confirmando o despacho que manteve a não admissão do recurso.

3. Deste acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 23 de março de 2021, interpôs a reclamante recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da LTC, através de requerimento com o seguinte teor:

«1º Como resulta dos autos, a questão controversa que se coloca também no presente recurso, tem a ver com a vontade do Meritíssimo Juiz do Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Cível do Porto - Juiz 5, de pôr termo ao processo sem realizar audiência prévia e audiência de julgamento, como resulta do Despacho proferido em 10-04-2018, Referência: 391610385.

2º Como resulta também dos autos, a aqui recorrente em resposta ao Despacho, em 20 de abril de 2018, apresentou requerimento, Via Citius Ref: 28917887, onde manifestou o seu desacordo com o Despacho e declarou que o processo controvertido e a matéria probatória deve ser apreciado/a, valorado/a e decidido de facto e de direito, após debate contraditório, em sede de Audiência Prévia e discussão de julgamento.

3o Contudo, ao contrário do requerido, do declarado pela aqui recorrente, o Meritíssimo Juiz no Despacho Saneador, proferiu 1a Sentença em 15-10-2018, Referência: 397125217 e 2a Sentenças, em 03-07-2019, Referência: 405710064.

4º Entende a autora, aqui recorrente que com a não realização da Audiência de Julgamento e com a não produção de prova testemunhal e documental requerida na petição inicial, e a prova que se viesse apurar, foi impedida de cumprir o ónus probatório relativo aos factos alegados, conforme lhe competia, tendo o Tribunal a quo violado o disposto no artigo 595º, nº 1, al. b) do CPC, na medida em que não tinha os dados necessários, para proferir Decisão de 'mérito, havia uma efetiva e verdadeira necessidade de produção de mais prova.

5o Foi também vedado à aqui recorrente, não foi permitida a produção de prova, em sede de Audiência Contraditória de julgamento, designadamente a audição das testemunhas, como o previsto nos termos no nº 3 do art. 3º do CPC.

6o A preterição daquela formalidade processual, a não realização de Audiência de Julgamento, concretizada na violação do princípio do contraditório, constitui a omissão de um ato prescrito na lei capaz de influir no exame e na decisão da causa, incluindo-se na cláusula geral sobre as nulidades processuais previstas no art. 195º nº 1 do CPC.

7º Nos termos do artigo 341º do Código Civil "as provas têm por função a demonstração da realidade dos factos". Com efeito, as provas são produzidas ou trazidas para análise dentro do processo com a função primordial de demonstração da verdade dos factos alegados pelas partes, o autor e réu, para a formação da convicção do juiz.

Entende a A., S.A., aqui recorrente que as decisões proferidas nos autos:

Pelo Tribunal de 1ª Instância (Tribunal Judicial da Comarca do Porto - Juiz 5), em 03-07- 2019, Referência: 405710064;

Pelo Tribunal de 2º Instância (Tribunal da Relação do Porto), em 27-01-2020, Referência: 13425081 e em 30-04-2020, Referência: 13660987;

Pelo Tribunal de 3ª Instância (Supremo Tribunal de Justiça), em 02-12-2020, Referência; 9677606 e em 24-03-2021, Referência: 9959416.

Ofendem a Constituição da República Portuguesa, designadamente o direito à produção de prova testemunhal em sede de Audiência contraditória de julgamento, o direito a um processo justo e equitativo, bem como os Princípios Constitucionais da Segurança Jurídica e da Proteção da Confiança.

9º As referidas questões foram suscitadas pela aqui recorrente, em todos os articulados nomeadamente nos recursos e reclamação interpostos no Tribunais da Relação do Porto e no recurso e reclamações apresentadas no Supremo Tribunal de justiça, designadamente:

No Recurso para o Tribunal da Relação do Porto, apresentado nos autos em 20 de setembro de 2019, REFa: 33453354, nas páginas 6, 7 e 8 da Alegações e nas Conclusões 15a, 20a, 21a, 24a, 25a, 32a, páginas 27, 28 e 29.

Na Reclamação para o Tribunal da Relação do Porto, apresentado nos autos em 10 de fevereiro de 2020, REFa:34810335, nos artigos 6º, 12º, 14º, 15º, 17º, 18º, 19º, 20º, 21º e 22º, páginas 2, 3 e 4.

No Recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentado nos autos em 2 de julho de 2020, REFa: 35960675 nas páginas 5, 6, 8, 9, 10, 11, 12 e 13 das Alegações e nas Conclusões 8a, 10a, 13a, 17a, 18a, 19a, 20a, 21a, 22a, 23a, 24a, 25a, 26a, 27a, 28a, 29a, 30a, 31a, 32a, 33a, 34a, 35a e 36a, páginas 15, 16, 17 e 18.

Na Reclamação para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentado nos autos em 5 de outubro de 2020, REFa: 36690057, nas páginas 3, 4, 5 e 6.

Na Reclamação para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentado nos autos em 15 de dezembro de 2020, REFa: 37480099, nos artigos 2a, 3a, 4a, 5a, 7a, 9a, 10a, 11a, 12a, 13a, 14a, 18a, 19a, 20a, 25a, 26a, 27a, 28a, 29a, 30a, 31a, 32a, 33a, 34a, 37a, 38a, 39a, 40a, 45a e 47a nas páginas 1,2, 3, 4, 5, 6, 7, 8 e 9.

10º Nos termos do artigo 204º da CRP, todos os Juízes, seja qual for a sua categoria (artigo 209º da CRP) exercem a fiscalização da Constituição.

11º Também os Tribunais de recurso conhecem oficiosamente da Inconstitucionalidade.

12º Como resulta dos autos, nos Acórdãos proferidos pelo Tribunal da Relação do Porto e pelo Supremo Tribunal de Justiça, os Venerandos Senhores Juízes Desembargadores e Conselheiros, não se pronunciaram, omitiram, sobre a questão da violação do direito Fundamental da autora aqui recorrente de ver as provas, designadamente a prova testemunhal, serem apreciadas e controvertidas em sede de Audiência Contraditória de Julgamento e consequentemente da violação da Constituição da República Portuguesa.

13º O direito à prova surge, por um lado, como uma consequência natural da garantia constitucional prevista no supracitado artigo 20º, nº 1, da CRP (acesso ao direito e tutela jurisdicional efetiva, mas também, por outro lado, surge como uma emanação dos direitos, liberdades e garantias que merecem tutela constitucional.

14º Nesse sentido, o direito à prova é considerado um direito fundamental, conferindo às partes, não só o acesso aos tribunais e a tutela jurisdicional efetiva, como também a faculdade de apresentação de provas em juízo e a sua discussão em sede de Audiência de Julgamento.

15º O art. 20º da CRP, garante, em geral, aos cidadãos o direito de acesso ao direito e aos tribunais, para defesa dos seus direitos e interesse legalmente protegidos;

16º Visa também, a proteção do interesse público e dos valores coletivos, como a paz pública e a confiança, também na justiça;

17º Estão aqui também em causa os Princípios da Segurança Jurídica e da Proteção da Confiança, também consagrados no art. 20º da CRP.

18º O direito de aceder aos tribunais, de intervir em processos judiciais, de modo a obter a tutela jurisdicional efetiva, na defesa de direitos e interesse legalmente protegidos, é um direito constitucionalmente consagrado nos termos dos arts. 20º e 202º da Constituição da República Portuguesa (CRP), é um direito fundamental.

19º Entende a aqui recorrente, que foi violado o Princípio do Contraditório, nomeadamente o direito de uma parte processual poder contraditar e ver produzida prova numa Audiência...

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