Acórdão nº 781/21 de Tribunal Constitucional (Port, 01 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Maria José Rangel de Mesquita
Data da Resolução01 de Outubro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 781/2021

Processo n.º 926/21

3.ª Secção

Relator: Conselheira Maria José Rangel de Mesquita

Acordam, em conferência, na 3.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. Nos presentes autos, vindos do SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA (STJ), em que é reclamante A., LDA. e é reclamado o B., SPA, Ministério PÚBLICO e C., a primeira interpôs recurso para o Tribunal Constitucional, com fundamento na alínea b) do n.º 1 do artigo 70.º da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro, na sua atual versão (Lei do Tribunal Constitucional, adiante designada pela sigla LTC), do «acórdão que recaiu sobre a reclamação do indeferimento do recurso de uniformização de jurisprudência que intentou, e com o qual não se conforma» (cf. requerimento de recurso, a fls. 46) – ou seja, do acórdão do STJ de 27 de maio de 2021 (cf. fls. 38-43).

2. O recurso de constitucionalidade interposto pela recorrente (cf. fls. 9-10) tem o seguinte teor:

«A., LDA., Recorrida nos autos à margem referenciados, notificada da decisão proferida pela Conferência, datada de 17/06/2021, na sequência da arguição de nulidade e inconstitucionalidade do Acórdão de 29/04/2021, vem, ao abrigo da alínea b) do n.° 1 do art. 70.°, do art. 72.°, n." 2, al. b), e do art. 75.", n.° 1, da Lei n." 28/82, de 15 de novembro (Lei Orgânica do Tribunal Constitucional, doravante LTC), interpor RECURSO PARA O TRIBUNAL CONSTITUCIONAL, com os seguintes fundamentos:

1- O presente recurso é interposto ao abrigo da alínea b) do n.° 1 do artigo 70." da LTC.

2- O recurso tem por objecto a norma mobilizada pelo Supremo Tribunal de Justiça nos Acórdãos de 29/04/2021 e 17/06/2021, extraída do n.° 3 do art. 3.° do CPC, de acordo com a qual o tribunal pode absolver o réu do pedido de indemnização assente em responsabilidade contratual com fundamento na falta de uma relação : de causalidade adequada entre o facto ilícito apurado e os lucros cessantes peticionados que até aí, no decurso do processo, não havia sido aventado por nenhuma instância judicial inferior ou alegado pelo réu, sem dar ao autor oportunidade de exercer um contraditório prévio.

3- A decisão recorrida é irrecorrível, motivo pelo qual dela poderá ser interposto recurso para o Tribunal Constitucional (cf. artigos 70.º/2, 72.º/1/b) e 75.º/1 da LTC).

4- Tratou-se, além disso, de uma autêntica decisão-surpresa, para os efeitos do disposto no artigo 70.º, n.° 1, alínea b), da LTC, tendo sido essa a razão que justificou que a ora Recorrente só haja suscitado a inconstitucionalidade que fundamenta o presente recurso já só depois de prolatado o Acórdão de 29/04/2021, no requerimento que apresentou em 18/05/2021 (Ref.ª n.º 38904350).

5- Na verdade, não estando a Autora em condições de antecipar que, no Acórdão de 29/04/2021, o STJ iria aduzir nova fundamentação, verdadeiramente substancial, para contrariar o seu pedido de condenação da Ré — nem lhe sendo exigível que antecipasse essa nova fundamentação não seria, do mesmo passo, razoável impor-lhe um prévio ónus de arguição de inconstitucionalidade da preterição do contraditório que precedesse a convolação operada pelo Tribunal a quo.

6- Além disso, a Recorrente tem legitimidade e está em prazo.

7- As razões da discordância em relação à decisão recorrida, que justificam a interposição do presente recurso de constitucionalidade, são as seguintes:

8- O Supremo Tribunal de Justiça, no seu Acórdão de 17/06/2021, reconhece que a "Ré, nas suas alegações, não [alegou especificadamente] a inexistência de um nexo de causalidade entre o seu comportamento omissivo e aquele dano", sendo certo que foi precisamente essa a razão em que fez assentar a sua decisão de absolvição da Ré do pedido formulado pela Autora, aqui Recorrente.

9- Não obstante, o Tribunal a quo, interpretou o n.° 3 do artigo 3.º do CPC no sentido de poder absolver o réu do pedido com base nesse novo fundamento jurídico que até aí, no decurso do processo, não havia sido considerado por nenhuma instância judicial inferior ou alegado pelo réu, sem dar à Autora (Recorrida no âmbito do recurso apreciado pelo STJ), ora Recorrente, a oportunidade de exercer o contraditório.

10- Ora, tal sentido normativo é inconstitucional, por violação do princípio do contraditório.

11- Com efeito, deverá considerar-se, especificamente, que a norma extraída do artigo 3.º, n.° 3, do CPC quando interpretado no sentido de que o tribunal pode absolver o réu do pedido de indemnização assente em responsabilidade contratual com fundamento na falta de uma relação de causalidade adequada entre o facto ilícito apurado e os lucros cessantes peticionados que até aí, no decurso do processo, não havia sido aventado por nenhuma instância judicial inferior ou alegado pelo réu, sem dar ao autor oportunidade de exercer um contraditório prévio, é materialmente inconstitucional por violação do direito ao contraditório ínsito na garantia do processo equitativo prevista no artigo 20.°, n.° 4, da Constituição.

12- Caso se considere que a arguição constante do ponto anterior não é susceptível de ser conhecida no âmbito do recurso de constitucionalidade previsto no art.º 70.º/1/b b) da LTC, deverá, em todo o caso, subsidiariamente, entender-se que:

A norma extraída do artigo 3,°, n.° 3, do CPC quando interpretado no sentido de que o tribunal pode absolver o réu do pedido com base num novo fundamento jurídico que até ai, no decurso do processo, não havia sido aventado por nenhuma instância judicial inferior ou alegado pelo réu, sem dar ao autor oportunidade de exercer um contraditório prévio, é materialmente inconstitucional por violação do direito ao contraditório ínsito na garantia do processo equitativo prevista no artigo 20.°, n.° 4, da Constituição

13- Encontram-se verificados todos os pressupostos de que depende a admissibilidade do recurso para o Tribunal Constitucional, pelo que o presente recurso deverá ser admitido, com subida imediata, nos autos e efeito meramente devolutivo, nos termos do disposto no artigo 78.º n.° 3, da LTC.

Termos em que se requer a V. Exas. se dignem admitir o presente recurso, ordenando a sua subida ao Tribunal Constitucional, sendo, a final, julgada inconstitucional a norma enunciada no ponto 11. ou, subsidiariamente, a indicada no ponto (...)».

3. O STJ, por despacho de 12/7/2021, não admitiu o recurso interposto para o Tribunal Constitucional, com fundamento na falta do pressuposto de admissibilidade relativo à ratio decidendi. Isto, nos termos seguintes (cf. fls. 54-55):

«I - Relatório

A Autora vem interpor recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 70.°, n.° 1, b), da Lei do Tribunal Constitucional, do acórdão proferido no Supremo Tribunal de Justiça, em conferência, no dia 17.06.2021, que indeferiu a arguição de nulidades do anterior acórdão deste Tribunal, proferido em 29.04.2021, que decidiu o recurso de revista acima referenciado.

A Recorrente pretende que o Tribunal Constitucional fiscalize a constitucionalidade da norma extraída do n.° 3 do art. 3.0 do CPC, de acordo com a qual o tribunal pode absolver o réu do pedido de indemnização assente em responsabilidade contratual com fundamento na falta de uma relação de causalidade adequada entre o facto ilícito apurado e os lucros cessantes peticionados que até aí, no decurso do processo, não havia sido aventado por nenhuma instância judicial inferior ou alegado pelo réu, sem dar ao autor oportunidade de exercer um contraditório prévio.

Subsidiariamente, para a hipótese da daquela norma não ser suscetível de objeto de recurso de constitucionalidade, pede que se aprecie a constitucionalidade da norma extraída do artigo 3.º, n. ° 3, do CPC quando interpretado no sentido de que o tribunal pode absolver o réu do pedido com base num novo fundamento jurídico que até aí, no decurso do processo, não havia sido aventado por nenhuma instância judicial inferior ou alegado pelo réu, sem dar ao autor oportunidade de exercer um contraditório prévio,

II - Da inadmissibilidade do recurso

Nos termos do artigo 70.°, n.° 1, b), da Lei do Tribunal Constitucional, é admissível a

fiscalização concreta da constitucionalidade, através da interposição de recurso para o Tribunal Constitucional das decisões dos tribunais comuns que apliquem norma cuja inconstitucionalidade haja sido suscitada durante o processo.

O recurso de constitucionalidade previsto na alínea b), do n.° 1, do artigo 70.°, da Lei do Tribunal Constitucional, pressupõe a aplicação, pelo tribunal recorrido, como ratio decidendi, da norma cuja constitucionalidade é questionada pelo recorrente. Tal decorre da função instrumental dos recursos de constitucionalidade no processo em que são interpostos. O interesse no conhecimento do recurso de constitucionalidade está dependente da repercussão da respetiva decisão na decisão final a proferir na causa onde é interposto o recurso.

Ora, no acórdão recorrido, as duas interpretações normativas questionadas pela Recorrente, não só não foram acolhidas, como a sua aplicação foi expressamente rejeitada, como se pode constatar da leitura do seguinte excerto:

Apesar da Ré, nas suas alegações, não ter especificamente alegado a inexistência de um nexo de causalidade entre o seu comportamento omissivo e aquele dano, ao questionar a constituição daquele direito de indemnização, pôs em causa a verificação de todos os seus elementos constitutivos, uma vez que não é possível efetuar uma cisão entre eles na apreciação da existência da responsabilidade questionada, pelo que a Autora, no exercício do seu direito de resposta às alegações, teve oportunidade de contrapor as suas razões, relativamente à existência desse direito, o que,...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT