Acórdão nº 789/21 de Tribunal Constitucional (Port, 07 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Teles Pereira
Data da Resolução07 de Outubro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO Nº 789/2021

Processo n.º 593/2021

1.ª Secção

Relator: Conselheiro José António Teles Pereira

Acordam, em Conferência, na 1.ª Secção do Tribunal Constitucional

I – A Causa

1. O Ministério Público intentou, no Juízo do Trabalho de Lisboa, uma ação declarativa, sob a forma de processo especial, contra A. (a ora recorrente), pedindo que se declare a nulidade da deliberação sobre a distribuição de bens da ré pelos associados, na sequência da sua extinção. O processo correu os seus termos neste tribunal com o número 9706/20.7T8LSB e culminou na prolação de sentença, datada de 26/11/2020, que julgou a ação procedente.

1.1. Desta decisão recorreu a ré para o Tribunal da Relação de Lisboa. Das respetivas alegações consta, designadamente, o seguinte:

“[…]

19. Efetivamente, ainda que se conceda na natureza não preclusiva dos prazos estabelecidos nos n.ºs 4 e 5 do artigo 456.º do CT, aceitando a natureza de prazos meramente ordenadores ou indicativos, cumpre aferir os limites da sua elasticidade!

20. Nas mencionadas normas, o legislador estabeleceu prazos que entendeu que deviam ser reduzidos, curtos: 8 e 15 dias!

21. Não estabeleceu, como o faz tantas vezes, prazos de um mês, 3 meses, 6 meses, 1 ano ou mais…

22. Efetivamente, da fixação desses prazos, de 8 dias e 15 dias, traduz a ratio legis de que o interessado, no presente caso, a Recorrida, num prazo de um mês, seja, dois ou três, veja satisfeito o seu direito fundamental à certeza e segurança jurídicas,

Ora,

23. a tese em que assenta a douta sentença recorrida centra-se na dita natureza meramente ordenadora do prazo, conduzindo a considerar, complacentemente, como legal que o Ministério do Trabalho tenha cumprido a sua obrigação ao fim de cerca de mais de 9 meses, cerca de 281 dias depois, em vez dos 8 dias legalmente estabelecidos, portanto, mais de 40 vezes o prazo legal,

24. mais sendo reforçada tal interpretação na douta sentença que se o Ministério Público, por sua vez, em vez de dar cumprimento ao prazo de 15 dias o tivesse extravasado, também não haveria caducidade pela mesma razão!

25. Ora, extrapolando para o prazo conferido ao MP, por aplicação de um critério proporcional, para mero efeito de raciocínio e demonstração da omissão de apreciação do direito cometida na douta sentença recorrida, o prazo de 15 dias do Ministério Público, pode dizer-se, o dobro, conduziria a que a ação de declaração judicial de nulidade da deliberação pudesse ser intentada cerca de 20 meses depois, portanto, em 600 dias, i.e., num prazo mais de 40 vezes o legalmente previsto.

26. Note-se que o exercício contabilístico sobre os prazos, que de acordo com a douta sentença seriam admissíveis, não está a indicar o que o Tribunal a quo considera ou considerou como prazos ou limites máximos para a prática dos atos, porque sobre isso nada disse, mas, especula-se, tão-só, prazos que considerou razoáveis, portanto, permitindo especular que, no entendimento do Tribunal a quo, poderão ser ainda ampliados por mais meses ou anos!

27. Efetivamente, de acordo com o que vai exposto, sem perder de vista que, no presente caso, o Ministério Público cumpriu o seu prazo de 15 dias, caso tal não tivesse acontecido, a incerteza da Recorrente quanto à sua situação jurídica, quanto a saber sobre se o controlo de legalidade previsto pelo legislador (para um mês, dois ou três…) poderia arrastar-se por um período (mínimo) de 24 meses – e, por via do acolhimento dessa mesma tese, portanto, qualquer entidade ou cidadão que se encontre sujeito ou integrado em procedimentos regidos por prazos meramente ordenadores ou indicativos!

28. É ostensivo que a interpretação e aplicação dos prazos previstos nos n.ºs 4 e 5 do artigo 456.º do CT, nos termos que foram realizadas pela douta sentença, constituem frontal violação ao Estado de Direito no que respeita à tutela da paz e seguranças jurídicas, a violação do Princípio da Segurança Jurídica ínsito no princípio do Estado de Direito consagrado no artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa.

[…]

32. Já a Recorrente não pode conceder, por grave violação dos direitos fundamentais, in casu, da Recorrente-associação em liquidação, que uma situação jurídica possa ficar indefinida por um período muitas vezes superior ao que o legislador concebeu para o estabelecimento da paz jurídica, da segurança jurídica!

33. No presente caso, como alegado na contestação, a Recorrente, depois da remessa da deliberação ao MT, em conformidade com o estabelecido na alínea b) do n.º 2 do artigo 456.º, e tendo a publicação do cancelamento do registo dos estatutos da associação, a que se refere o n.º 4 do mesmo artigo, ocorrido no BTE, n.º 26, de 15 de julho de 2019,

34. tinha a legítima expectativa, conferida pelas citadas normas, de, ao fim de uma ou duas semanas, tomar conhecimento da “apreciação fundamentada sobre a legalidade da deliberação”, emitida pelo serviço competente do ministério, e da sua remessa ao Ministério Público!

35. Com o devido respeito, é ostensivo como tal apreciação é a negação do Estado de Direito naquele que é o seu mínimo: a submissão do Estado ao direito, às regras jurídicas!

36. Em qualquer caso, e em particular, é chocante a desconsideração de deveres fundamentais assentes em explícitos princípios consagrados na Constituição da República Portuguesa, dentre eles o Princípio da Segurança Jurídica, que está subjacente à fixação dos mencionados prazos, ainda que não preclusivos ou perentórios, mas meramente ordenadores, admitindo-se, por essa via, uma indefinição ilimitada da situação jurídica, no caso, a manutenção da “associação em liquidação”.

[…]

37. A interpretação e aplicação dos mencionados prazos estabelecidos nos n.ºs 4 e 5 do artigo 456.º do CT, e em normas próximas relativas à constituição das associações e seus estatutos, ou em quaisquer outras instrumentos legislativos que consagrem prazos meramente ordenadores em situações análogas, é inaceitável que seja feita nos termos da douta sentença, a qual, perante toda a factualidade descrita e provada quanto aos vários prazos e datas e atos praticados, partindo da qualificação dos prazos como meramente ordenadores, desconsidera a existência de limites para o cumprimento desses prazos, limitando-se a reconhecer e declarar que a sua violação tem como única (potencial ou virtual) consequência legal “a eventual responsabilidade disciplinar de quem não remeteu atempadamente”. Tão-só!

[…]

40. exortando-se este Tribunal Superior, a uma tomada frontal de posição de rutura com as soluções de desrespeito pelos cidadãos, lato senso, de onde resulte um real respeito pelo Estado de Direito, em particular pela segurança jurídica, conformação decorrente do artigo 2.º da Constituição da República Portuguesa (abreviadamente, CRP), tudo, por ter competência para tal sem que seja necessário provocar essa posição ao Tribunal Constitucional.

[…]

43. Consequentemente, deve considerar-se que superiores princípios que conformam o ordenamento jurídico nacional, de foro constitucional, como o da segurança e certeza jurídicas constituirão limite a qualquer interpretação que vise a ampliação de em dezenas de vezes os prazos legalmente estabelecidos.

[…]

81. Os princípios basilares do Estado de Direito, in casu, os expressamente consagrados na Constituição da República Portuguesa, em particular o Princípio da Segurança Jurídica, constituem limite absoluto a que, por via da qualificação dos prazos legais estabelecidos para a apreciação e declaração de ilegalidade dos estatutos como meramente “ordenadores” ou “indicativos”, se possa reconhecer um qualquer direito-dever de ação judicial por parte do Ministério Público mais de vinte e cinco anos depois.

82. Em absoluto, caducou o direito-dever de ação do Ministério Público no que respeita à alegação de ilegalidade do citado artigo 30.º dos estatutos e, portanto, a impossibilidade da declaração da sua nulidade, sendo legalmente válido o regime aí estabelecido,

83. resultando assim uma solução para a liquidação e partilha da Recorrente que se apresenta conforme ao direito, negando o reconhecimento de um absoluto vazio legal quanto ao destino a dar aos bens da associação, permitindo a sua definitiva extinção,

84. conduzindo tal colmatação, por um lado, à manutenção da integralidade dominial exigida pelo direito das coisas, e, por outro lado, o respeito pelo princípio da segurança jurídica e da liberdade de associação prevista no artigo.

85. A interpretação e aplicação, pela douta sentença recorrida, do disposto no n.º 5 do artigo 450.º do CT, implica a inibição de cessar a atividade associativa, a qual constitui um direito dos interessados, integrando, naturalmente o direito (liberdade) constitucional de associação.

86. Seja no direito constitucional de associação, seja da livre iniciativa económica empresarial inclui-se, natural e necessariamente, o direito a cessar as atividades subjacentes a tais atividades, portanto o direito, a liberdade de cessar as atividades e extinguir as pessoas coletivas de natureza associativa ou societária!

87. No que respeito à liberdade de associação, consagrada no artigo 46.º da CRP, em particular no seu n.º 1, que consagra o direito à constituição de associações, e no n.º 3 que estabelece que “ninguém pode ser obrigado a fazer parte de uma associação”.

88. Não se pode aceitar que o ordenamento jurídico integre a norma do n.º 5 do artigo 450.º, se interpretada e aplicada com o sentido realizado na douta sentença, na medida em que, limitando-se a decretar a proibição de distribuição dos bens, no âmbito da partilha consequente da liquidação da Recorrente, não decretando, nem a lei, nem tribunal, qualquer injunção, i.e., não...

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