Acórdão nº 0628/16.7BEALM de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 06 de Outubro de 2021

Magistrado ResponsávelFRANCISCO ROTHES
Data da Resolução06 de Outubro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Recurso jurisdicional da sentença proferida no processo de impugnação judicial com o n.º 628/16.7BEALM 1. RELATÓRIO 1.1 A sociedade acima identificada (adiante também denominada Impugnante e Recorrente) interpôs recurso, ao abrigo do n.º 3 do art. 280.º do Código de Procedimento e de Processo Tributário (CPPT), para o Supremo Tribunal Administrativo da sentença por que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Almada julgou improcedente a impugnação judicial por ela deduzida contra os actos de liquidação de taxas de ocupação e de utilização do solo e/ou subsolo municipal, com infra-estruturas e equipamentos afectos à actividade de distribuição de energia eléctrica, no ano de 2015, efectuada pelo Município de Palmela, no montante global de € 2.303,16.

1.2 Admitido o recurso, para subir imediatamente, nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo, a Recorrente apresentou as alegações, que resumiu em conclusões do seguinte teor: «1.ª Na presente acção de impugnação judicial discute-se, essencialmente, se os actos de liquidação de taxas de ocupação e de utilização do solo e subsolo municipal, com infra-estruturas e equipamentos afectos à actividade de distribuição de energia eléctrica, no montante global de € 2.303,16 (dois mil trezentos e três euros e dezasseis cêntimos), consubstanciam uma violação abstracta ao disposto no n.º 4 do artigo 3.º do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro, sendo, por conseguinte, ilegais.

  1. Chamado a pronunciar-se sobre o pedido formulado pela RECORRENTE, o Tribunal a quo julgou improcedente a presente acção de impugnação, tendo para o efeito defendido que «não se observa no supra citado artigo 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27.11, qualquer isenção geral de taxas municipais no domínio da actividade de distribuição de energia eléctrica, independentemente da estruturas/linhas eléctricas em questão se destinarem à exploração da rede de baixa, média ou alta tensão».

  2. Sucede, porém, que a decisão recorrida – que, de resto, se encontra em total contradição com as 4 (quatro) Sentenças, todas transitadas em julgado, proferidas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Mirandela no âmbito dos processos n.ºs 326/13.3BEMDL, 328/13.0BEMDL, 96/16.3BEMDL e 319/17.1BEMDL, em, respectivamente, 20 de Dezembro de 2016, 3 de Fevereiro de 2017, 20 de Novembro de 2018 e 14 de Junho de 2019 (cujas cópias foram juntas com o requerimento de interposição de recurso para efeitos do disposto no artigo 280.º, n.º 3, do Código de Procedimento e Processo Tributário) e, bem assim, com o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo proferido no processo n.º 0434/14.3BEALM, em 17 de Fevereiro de 2021 – assenta em manifesto erro de direito, devendo, por isso, ser revogada e substituída por outra que determine a anulação do identificado acto de liquidação.

  3. Com efeito, como vem preclaramente estabelecido no artigo 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro, a «obrigação de pagamento da renda anual pelas concessionárias da actividade de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão fica sujeita à atribuição efectiva da utilização dos bens do domínio público municipal, nomeadamente do uso do subsolo e das vias públicas para estabelecimento e conservação de redes aéreas e subterrâneas de distribuição de electricidade em alta, média e baixa tensão afectas ao Sistema Eléctrico Nacional (SEN), com total isenção do pagamento de taxas pela utilização desses bens» (os destacados são da RECORRENTE).

  4. Dito de outro modo, o legislador determinou de forma inequívoca, através do transcrito artigo 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro, que a utilização dos bens do domínio público municipal por parte das concessionárias da actividade de energia eléctrica em baixa tensão, com infra-estruturas e outro equipamento de alta e média tensão (e, obviamente, de baixa tensão), é comutada pela renda paga no âmbito da concessão de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão, «com [a consequente] total isenção do pagamento de taxas pela utilização desses bens».

  5. Dito ainda por outras palavras, nas do Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 17 de Fevereiro de 2021, proferido no processo n.º 0434/14.3BEALM, «do n.º 3 do art. 4.º do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro, decorre que o pagamento da renda efectuado ao abrigo de Contrato de Concessão de Distribuição de Energia Eléctrica em Baixa Tensão desonera as respectivas concessionárias do pagamento de quaisquer taxas pela ocupação do espaço público municipal com as infra-estruturas de distribuição de energia eléctrica em baixa, média ou alta tensão».

  6. Neste sentido, impondo o artigo 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro, os municípios sejam financeiramente compensados pela utilização do seu espaço público com as infra-estruturas de distribuição de electricidade em alta, média e baixa tensão através da obtenção da renda anual prevista no mencionado Contrato de Concessão de distribuição de energia eléctrica em baixa tensão, qualquer taxa municipal dirigida a (re)comutar a mesma utilização é, inexoravelmente, ilegal.

  7. Por último, como resulta claro da jurisprudência do Tribunal Constitucional, o regime constante do artigo 3.º, n.º 4, do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro, com o referido sentido interpretativo, não ofende, contrariamente ao que vem defendido pela ENTIDADE DEMANDADA, o disposto nos artigos 238.º e 241.º da Constituição da República Portuguesa.

  8. Em face de todo o exposto, impõe-se, pois, concluir pela ilegalidade dos actos de liquidação da taxa municipal de ocupação sub judice, revogando-se, em consequência, a Sentença recorrida e declarando-se a presente acção impugnatória procedente, com a consequente anulação de tais actos».

1.3 O Recorrido apresentou contra-alegações, com conclusões do seguinte teor: «1. A materialidade subjacente à taxa liquidada não se contém no âmbito de aplicação do Contrato de Concessão de Distribuição de Energia Eléctrica em Baixa Tensão; 2. As liquidações impugnadas decorrem de pedidos de autorização da impugnante de linhas de Média Tensão; 3. No caso, estão unicamente em causa a instalação de cabos de Média Tensão, não abrangidos pelo contrato de concessão; 4. Do contrato de concessão celebrado entre a recorrente e o recorrido não resulta qualquer isenção da taxa devida pela ocupação do domínio público municipal mediante a instalação de infra-estruturas de Média e Alta Tensão, excluindo expressamente as infra-estruturas de Média Tensão e Alta Tensão; 5. O objecto contratual do contrato de concessão circunscreve-se à distribuição de energia eléctrica em Baixa Tensão; 6. O contrato de Concessão apenas respeita à distribuição de energia eléctrica em baixa tensão, tal como resulta do seu artigo 1.º, n.º 1, nada dispondo quanto à distribuição de energia em média tensão; 7. E, conforme resulta do artigo 7.º, estão excluídos do âmbito do contrato as subestações, as redes de média e alta tensão e os respectivos postos de seccionamento bem como quaisquer outras instalações de média e alta tensão; 8. Do contrato de Concessão resulta que quer a renda devida, quer as isenções concedidas, respeitam apenas e tão-só à distribuição de energia eléctrica em Baixa Tensão e não à distribuição em Média e Alta Tensão; 9. O Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro destina-se única e exclusivamente a regular a remuneração dos contratos de concessão da distribuição em Baixa Tensão; 10. A utilização de solo municipal com infra-estruturas da distribuição em Alta e Média Tensão, alcança-se por força de outros normativos que não do Decreto-Lei n.º 230/2008, de 27 de Novembro; 11. Este regime legal apenas tem a virtualidade de regular o regime de cálculo das rendas em Baixa Tensão, nos termos habilitados pelo art. 44.º do Decreto-Lei n.º 171/2006, de 23 de Agosto, que, naturalmente, nunca se reporta nem prevê um direito universal das cessionárias a uma utilização gratuita dos bens municipais; 12. As linhas de Média e Alta Tensão não estão isentas de pagamento das contrapartidas pelo uso do domínio público municipal, sendo que, as taxas liquidadas correspondem precisamente à utilização do domínio público municipal; 13. Não foi concedido à impugnante qualquer isenção de taxa por ocupação do solo e subsolo municipais pela passagem de linhas e redes de média tensão; 14. As taxas liquidadas e impugnadas configuram-se como verdadeiras taxas pela utilização e aproveitamento de bens do domínio público e privado municipal e dessa utilização e aproveitamento resultam vantagens patrimoniais para a recorrente; 15. Do contrato celebrado não resulta qualquer isenção de taxas pela utilização de linhas de Média e Alta Tensão, não se encontrando o uso destas comutado pela renda paga no âmbito da concessão; 16. Carece de qualquer fundamento a invocação da ilegalidade do acto de liquidação, não merecendo a douta sentença objecto do presente recurso qualquer censura, fazendo uma correta análise e apreciação à questão da situação em concreto».

1.4 Recebidos os autos neste Supremo Tribunal Administrativo, a Procuradora-Geral-Adjunta – após ter promovido que a Recorrente fosse notificada para comprovar o trânsito em julgado das decisões invocadas como fundamento do recurso, promoção que foi deferida, na sequência do que a Recorrente apresentou notas de trânsito em julgado dessas sentenças – emitiu parecer no sentido de que seja concedido provimento ao recurso. Isto, após ter enunciado os termos do recurso e ter reconhecido a verificação da oposição entre a sentença recorrida e as sentenças que foram apresentadas como fundamento do recurso, com a seguinte fundamentação: «[…] salvo melhor juízo, é manifesta a oposição entre as decisões em confronto.

Acresce que a orientação perfilhada na decisão recorrida não está de acordo com a jurisprudência mais recente do S.T.A (cfr. doutos Acórdãos proferidos em 17-02-2021 no proc. 0434/14.3BEALM e em 07-04-2021 nos processos...

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