Acórdão nº 1680/17.3T8VRL.G1.S1 de Supremo Tribunal de Justiça (Portugal), 29 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelLEONOR CRUZ RODRIGUES
Data da Resolução29 de Setembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal de Justiça (Portugal)

Proc.º nº 1680/17.3T8VRL.G1.S1 4ª Secção LCR/JG/CM Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça: I 1 - Relatório 1.

Os presentes autos de acção especial de acidente de trabalho iniciaram-se na sequência de “Participação de Acidente de Trabalho” apresentada, em 3.10.2017, por AA nos serviços do Ministério Público junto juízo do Trabalho ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., comunicando um acidente, ocorrido no dia 24.2.2017, quando trabalhava para o seu empregador BB.

  1. No decurso dos autos, na fase conciliatória, notificado para se pronunciar sobre a participação apresentada pelo sinistrado o identificado empregador informou que “o sinistrado não faz nem nunca fez parte do nosso quadro de pessoal. Posto isto julgo não ter nada a declarar”, e a seguradora, notificada para juntar a folha de férias, informar se o contrato de seguro se encontrava válido e vigente à data do participado acidente e esclarecer qual a remuneração que no seu âmbito se encontra transferida, informou que não obstante o contrato de seguro se encontrar válido e vigente à data do alegado acidente dos autos, nunca a Entidade Patronal, apesar de solicitado, procedeu à entrega das folhas de férias, pelo que lhe não era possível a junção da folha de férias nem esclarecer qual a remuneração do sinistro transferida.

  2. Prosseguindo os autos foi designada data para tentativa de conciliação, à qual compareceram o sinistrado e a sua mandatária, o empregador BB, que declarou desconhecer a existência do participado acidente de trabalho e não aceitar nenhuma responsabilidade pelo participado acidente, enquanto o sinistrado não aceitou o resultado do exame médico realizado nos autos, tendo, em conformidade sido lavrado autor auto de não conciliação. Subsequentemente, 4.

    AA propôs, no Juízo do Trabalho ..., do Tribunal Judicial da Comarca ..., acção especial emergente de acidente de trabalho contra BB, pedido a condenação do réu no pagamento de:

    1. Compensação por ITA para o trabalho desde 25.2.2017 a 9.3.2018, no montante de € 7 630,48.

    2. Um capital de remição correspondente a uma pensão anual e vitalícia por IPP, que lhe vier a ser fixada de acordo com o resultado da junta médica, com início em 9.3.2018; c) Juros de mora vencidos e vincendos sobre as quantias reclamadas, calculados à taxa legal de 4%.

  3. Alegou para tanto, em síntese, que no dia 24/02/2017, quando trabalhava por conta e sob as ordens e direcção do réu foi vítima de um acidente de trabalho, do qual lhe resultaram as lesões descritas no auto de exame médico, em resultado das quais lhe foi atribuída uma IPP de 2%, a partir de 9.3.2018, com a qual não concorda, acrescentando que participou o acidente à entidade empregadora na parte da tarde desse dia, a qual, contudo, não participou o sinistro à sua seguradora, que, por sua vez, declinou qualquer responsabilidade pelo sinistro.

  4. O réu apresentou contestação, aceitando que o autor lhe prestava alguns dias de trabalho por mês, em função das necessidades e das obras da sua empresa, e alegando não ter tido conhecimento de qualquer acidente de trabalho sofrido pelo autor e não corresponder à verdade que este o tivesse comunicado a algum responsável hierárquico.

  5. Foi seguidamente determinada a intervenção da seguradora “Generali Companhia de Seguros, S.A.”, ao abrigo do disposto no artigo 127º, nº 1, do C.P.T., a qual, por seu turno, apresentou contestação, na qual invocou, em síntese, que o empregador detinha um contrato de seguro de acidentes de trabalho titulado pela apólice nº 012/…, do qual o A. não fazia parte integrante dado que o tomador do seguro, nunca enviou à seguradora qualquer folha de férias em que o seu nome constasse, acrescentando que o sinistro não lhe foi participado pelo tomador do seguro e que as lesões sofridas pelo A. são resultado duma queda sofrida fora do seu tempo e local de trabalho.

  6. Na sequência da notificação requerida pela ré “Generali, S.A., na sua contestação, o empregador informou que “não dispõe nos seus arquivos quaisquer comprovativos dos mapas de férias enviados à contestante (…) no entanto vem informar (…) apesar de não dispor de comprovativos dos envios dos mapas de férias, a contestante nunca deixou de proceder ao pagamento de indemnizações aos seus trabalhadores em consequência de acidentes de trabalho. conforme se poderá constatar nas declarações emitidas pela ‘Generali – Companhia de Seguros, S.A.” (…), pelo que o motivo da ré não enviar o mapa de férias, nunca foi causa de exclusão da responsabilidade (…)”, juntando documentos relativos a pagamentos pela Ré de indemnizações por acidente de trabalho a três seus trabalhadores.

    Notificada deste requerimento respondeu a ré “Generali, S.A.” referindo que; “conforme a própria ré afirma – e sempre tem afirmado ao longo do processo – o sinistrado não era, à data dos factos aqui em causa, seu trabalhador… foi por esta razão - para além da não aceitação de qualquer acidente de trabalho propriamente dito - que não foi participado à interveniente qualquer acidente de trabalho relativamente ao mesmo. A defesa da ré quanto à não inclusão do sinistrado na apólice de seguro de acidentes de trabalho sempre se baseou, pois, nesta posição da entidade patronal, pois que não sendo o sinistrado seu funcionário o mesmo não poderia, de forma alguma, encontrar-se incluído no seguro celebrado nem constaria, necessariamente, de quaisquer folhas de férias...” 9.

    Proferido despacho saneador, fixada a base instrutória e realizada a audiência de discussão e julgamento, em 13.5.2020 foi proferida sentença que julgou a acção parcialmente procedente, absolvendo o R. BB dos pedidos e condenando a Ré “Generali, Companhia de Seguros, S.A.” a pagar ao A. os montantes, acrescidos de juros de mora até integral pagamento, de € 1.127,56 (mil cento e vinte e sete euros e cinquenta e seis cêntimos), a título de indemnização pelo período total de ITA, e a pensão anual e vitalícia, obrigatoriamente remível, no montante de € 21.000,00 x 70% x 2,00% = € 294,00 (duzentos e noventa e quatro euros).

    A final fixou à causa o valor de € 5 262,08.

    Tendo considerado assente a existência e caracterização do acidente como de trabalho a decisão fundou-se no entendimento de que a responsabilidade pela reparação das consequências do mesmo se encontrava transferida para a seguradora, mediante contrato de seguro válido, dizendo: “A versão apresentada pela demandada seguradora de que o sinistrado não se encontrava incluído neste mesmo contrato de seguro não pode ter qualquer acolhimento, dado que a circunstância de que o mesmo não constava das folhas de férias, não se demonstrou, já que o R. empregador nunca remeteu qualquer folha de férias, com a indicação dos nomes dos trabalhadores a seu cargo e ali incluídos, tendo a demanda seguradora mantido este contrato válido e eficaz e aceitando o pagamento de quantias indemnizatórias (ao abrigo deste mesmo acordo contratual) a outros trabalhadores.

    Tal como decorre do entendimento adoptado uniformemente “I - O número 1 da Condição Especial 01 da Apólice Uniforme do Seguro de Acidentes de Trabalho para Trabalhadores por Conta de Outrem estabelece o âmbito contratual dos seguros a prémio variável, contemplando os trabalhadores da unidade produtiva identificada nas condições particulares, de acordo com as folhas de retribuições periodicamente enviadas ao segurador.

    É a folha de retribuições, e não qualquer outro documento ou declaração, que delimita o alcance da responsabilidade infortunística transferida. II - A não inserção de um trabalhador nessa folha, ou a inclusão tardia do mesmo, provoca a sua não cobertura, sem que haja qualquer repercussão na validade do contrato ou no quantum do prémio. III - Distinta é a situação da recepção tardia pela empresa de seguros da folha de retribuições respeitante a todo o pessoal, por incumprimento por parte do tomador do seguro da obrigação de envio.

    Com efeito, este facto não afasta os trabalhadores do âmbito contratual, antes concede ao operador a possibilidade de resolver o contrato e de cobrar um prémio não estornável equivalente a 30% do prémio provisório anual, podendo ainda exigir o complemento do prémio que se apurar ser devido em função das retribuições que realmente deviam ter sido declaradas (número 4 da Condição Especial 01 da Apólice Uniforme do Seguro de Acidentes de Trabalho para Trabalhadores por Conta de Outrem).”.

    Salienta-se ainda que estamos perante um contrato celebrado em benefício de terceiro (os trabalhadores ao serviço do R. empregador) e que não tendo sido enviada qualquer folha de férias a demandada seguradora tinha fundamentos mais do que suficientes para determinar a cessação do contrato, pelo que a sua manutenção não decorre sequer de má-fé do empregador mas da inépcia e inércia de ambos, o que é em absoluto alheio ao aqui demandante e não merece qualquer protecção jurídica, em nosso entender”.

  7. Inconformada com a decisão dela apelou a R., invocando o acórdão de uniformização de jurisprudência nº 10/2001, de 21.11.2001, e a errada interpretação e aplicação da clª 5ª, al. b), da Apólice Uniforme de Acidentes de Trabalho para Trabalhadores por Conta de Outrem, sustentando, em síntese, que na modalidade de seguro em causa, a prémio variável, a não inclusão do A. nas folhas de férias remetidas pelo empregador à seguradora torna tal contrato ineficaz em relação ao autor, e não o cobre como pessoa segura, sendo responsável o empregador.

  8. Por acórdão de 3.12.2020 foi o recurso julgado improcedente e confirmada a decisão de 1ª instância, no entendimento, em síntese, de que a situação em apreço, em que nunca as folhas de férias foram...

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