Acórdão nº 1296/12.0BESNT de Tribunal Central Administrativo Sul, 23 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelPEDRO NUNO FIGUEIREDO
Data da Resolução23 de Setembro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I. RELATÓRIO J... e A... intentaram ação administrativa comum contra Instituto Nacional de Emergência Médica, IP, B... e M...

, peticionando a condenação dos réus, solidariamente, (i) no pagamento de € 150.000,00 pelo óbito de J..., (ii) no pagamento de € 200.000 pelos danos morais sofridos em razão do sobredito óbito, (iii) no pagamento do valor das consultas, medicamentos e tratamentos que tenha que fazer para o tratamento de doença do foro psiquiátrico e (ou) psicológico causadas pelo óbito de J..., em valor a liquidar; (iv) no pagamento de € 200.000 em consequência da indignação, angústia e sofrimento causados aos dois autores pelo atendimento telefónico que lhes foi dispensado; (v) tudo acrescido aos juros de mora, à taxa legal.

Por sentença de 24/07/2019, o TAF de Sintra julgou a ação parcialmente procedente e condenou o INEM, IP, no pagamento aos autores, pela perda de chance de sobrevivência de J..., de indemnização no montante de € 140.

000,00, a que acrescem juros de mora à taxa legal, a partir da prolação da sentença; e absolveu os demais réus.

Inconformado, o INEM, IP, interpôs recurso daquela decisão, terminando as alegações com a formulação das conclusões que seguidamente se transcrevem: “I- Com o devido respeito, consideramos incorretamente julgado o ponto 50 e 51.º dos factos (acabados de transcrever inclusive) II- Em face do relatório da autopsia, e dos testemunhos de F… ( entre os minutos 15:50 a 19:58 da segunda gravação do seu testemunho e minutos 31:20 a 32:50 da terceira gravação do seu testemunho , ambos da sessão de julgamento de 12-01-2018) e de T… (entre os minutos 22:30 a 24:55 da gravação do seu testemunho na mesma sessão de julgamento) impõe-se uma decisão sobre o ponto da matéria de facto impugnado diversa da declarada pelo Tribunal a quo, ou seja deve ser declarado como provado o ponto 51 da matéria de facto.

III- Deve ser declarado como provado que o pai e marido dos AA – J... – apresentava fatores de risco, do ponto de vista da sua condição física, que fosse propício a sofrer de um enfarte agudo de miocárdio.

IV- Em face do relatório da autopsia, e dos testemunhos de F... (entre os minutos 16:07 a 19:58 e minutos 31:20 a 32:00 da segunda gravação do seu testemunho da sessão de julgamento de 12-01-2018) e T... (entre os minutos 35:04 a 37:36 e 41:01 a 41:39 da gravação do seu testemunho na mesma sessão de julgamento) acima transcritos impõe-se uma decisão sobre o ponto da matéria de facto impugnado diversa da declarada pelo Tribunal a quo, ou seja deve ser declarado como não provado o ponto 50 da matéria de facto.

VI-Deve ser declarado como não provado, até por falta de relevância para os autos, o vertido no facto n.º 50 da sentença a quo.

VII- Mas, no caso em análise não se pode dizer que o INEM teve um funcionamento lento ou deficitário ou anormal, senão vejamos: VIII - A testemunha M... confortada com a transcrição da primeira chamada para o 112 diz que a resposta dada pela operadora do CODU sugerindo para aguardar o efeito do Ben-u-ron, contactar a linha saúde 24 ou os bombeiros de Paços d’Arcos para transportarem J... para o centro de saúde e que podiam ligar o 112 se precisassem novamente foi uma resposta adequada porque podia ser apenas gripe ( que aliás é referido na sentença a quo).

IX- Neste mesmo sentido pronunciaram-se as testemunhas F... (entre os minutos 4:16 a 4:32e e 19:45 a 21:01 da segunda gravação do seu testemunho da sessão de julgamento de 12-01-2018) e T... (entre os minutos 15:20 a 19:50 da gravação do seu testemunho na mesma sessão de julgamento).

X - Aliás, o Tribunal a quo veio a reconhecer que “Quanto à Ré M... nada há que se lhe aponte em termos da sua actuação 7. Dos factos provados (cf. nº 4 a 6 e 9 a 17) não se afigura que tivesse violado os seus deveres funcionais – pelo contrário, fez as perguntas com calma e moderação, tentou acalmar a A. A... que se mostrava agitada, localizou a chamada, colhendo a informação sobre a morada da A. e, a final, disse-lhe que poderia voltar a ligar se a situação piorasse. Cumpriu o Protocolo e agiu em conformidade com as circunstâncias. A informação obtida sobre o estado do doente podia configurar uma simples gripe, pelo que, nas suas perguntas e respostas nada existe que pudesse configurar um desvio aos seus deveres funcionais.” XI- A testemunha F..., médico de serviço no CODU no momento dos factos, por força da segunda chamada muda a prioridade de P5 para P3 às 8 horas, 18 minutos, facto que deve ser dado como provado, o que não aconteceu na sentença a quo.

XII- Os Bombeiros de Barcarena chegaram à morada em causa para prestar assistência a J... entre as 8 horas, 27 minutos e 9 segundos e as 8 horas e 28 minutos e 04 segundos, conforme resulta da associação dos factos provados n.º 24, 29 e 30, em resposta ao acionamento de meios realizada pelo CODU.

XIII- O CODU, que é o mesmo que dizer o INEM, não acionou meio de emergência médica na primeira chamada porque as queixas partilhadas pela interlocutora não permitiram descortinar que se tratava de um enfarte ou paragem cardiorrespiratória.

XIV- Todos os médicos que prestaram testemunho foram unânimes a declarar que tem de haver atuação imediata para reverter a paragem cardiorrespiratória (minuto 12:25- 13:00 da terceira gravação do testemunho de F..., M… perguntada se é seguro que tais doentes morram, disse que não, podem sobreviver, se socorridos a tempo) XV- A testemunha M... é perentória inclusive a afirmar que “o momento da vítima ser socorrida deveria ter sido logo no 1.º telefonema.” (transcrição da sentença a quo, página 28), o que aliás é repetido pela testemunha T..., nomeadamente entre os minutos 8:00 e 8:21 da gravação do seu testemunho.

XVI- O tribunal a quo reconhece que, atento às queixas de J... identificadas na primeira chamada, não era de supor, não era razoavelmente exigível que a operadora tivesse percebido que se tratava de um enfarte e/ou paragem cardio-respiratória e aí julgou bem… XVII- Portanto há que recordar que a testemunha M... e F... afirmaram de forma genuína e desinteressada perante o quadro grave da obstrução de três artérias conjugado com a idade da vitima era muito difícil reverter o estado daquele mesmo que a assistência fosse imediata, o que aliás também foi corroborado pela testemunha M... que “declarou que a margem de recuperação é escassa para este tipo de casos” (transcrição sentença a quo, página 27).

XVIII- No caso em apreço, a assistência não foi imediata, nem foi prestada nos 50 minutos e 8 segundos que mediaram entre o primeiro e segundo contacto para o 112, mas nenhuma responsabilidade pode ser imputada a qualquer titular dos órgãos do INEM, seus funcionários ou agentes (aliás o tribunal não imputou à operador do CODU que atendeu a primeira chamada qualquer ação ou omissão ilícita) nem tão pouco se pode dizer que houve um funcionamento anormal.

XIX- Se tal não aconteceu, apenas se deve ao facto da forma como foram indicadas as queixas de J... pela pessoa que efetuou a primeira chamada terem criado de forma razoável e compreensível a convicção na funcionaria do INEM que se tratava de uma gripe, ou seja, não configurava uma emergência médica no puro sentido da expressão, mas uma situação que merecia aconselhamento e encaminhamento para canais e serviços do Ministério da Saúde, o que fez inclusive de forma irrepreensível (até porque não mereceu censura pelo Tribunal a quo).

XX- Se os médicos ouvidos pelo tribunal a quo testemunharam de forma unânime que a possibilidade de reversão do estado era muito escassa mesmo com assistência imediata, é fácil de imaginar que volvidos 50 minutos dos primeiros sintomas essa possibilidade, antes escassa, tivesse agora próximo, muito próximo do zero. , razão pela não se compreende, nem se aceita o sentenciado.

XXI- Mesmo na segunda chamada para o 112/CODU realizadas entre as 8:13horas e as 8:19:16 horas (facto provado n.º 20 e 22), onde a comunicação entre operador de emergência médica não foi tão fluida, não pode proceder a imputação de mau funcionamento do serviço, senão vejamos: XXII- Foi acionado pelo INEM um meio para prestar socorro a J... em resposta a essa segunda chamada que durou 6 minutos e seis segundos: ambulância dos Bombeiros de Barcarena e VMER.

XXIII- O operador durante esses 6 minutos e seis segundos teve dois interlocutores distintos, o que dificultou a comunicação e a recolha das informações necessárias para a avaliação da ocorrência pelo operador de emergência médica, desde logo por terem sido passadas informações contraditórias entre si, a este respeito é claro o esclarecimento prestado pela testemunha T... entre os minutos 46:18 a 1:01:00 da gravação do seu testemunho prestado na sessão de julgamento realizada a dia 12-01-2018.

XXIV- Sendo certo que, alguma falha que tenha ocorrida nesta chamada, não foi a causa do trágico desfecho ou até determinante para o mesmo XXV- A atuação do INEM foi adequada, não existindo qualquer nexo causal entre a conduta dos profissionais do INEM, pois está por demonstrar que teria sido possível recuperar o doente, caso a atuação do INEM tivesse sido mais célere ou com o envio de meios diferenciados mais cedo.

XXVI- Assim, não só não se pode estabelecer nexo causal entre a conduta dos profissionais do INEM e o desfecho morte, como é certo que o estado clínico da vítima era muito grave, o que potenciou o evento e tornou a sua reversão muito difícil, XXVII- Acresce que as informações prestadas pela sociedade Portuguesa de Cardiologia, pela Ordem dos Médicos e pela Direção Geral da saúde, em respostas às questões colocadas pelo Tribunal, referem-se percentagens, mas em termos gerais e abstratos, o mesmo será dizer que não estão a olhar para o caso concreto de J...

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XXVIII- Muito menos tal percentagem é séria se considerarmos que o socorro não foi prestado entre as 7:22:52 horas (início da primeira chamada para o 112) e as 8:19:16 (término da segunda chamada para o...

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