Acórdão nº 762/21 de Tribunal Constitucional (Port, 24 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelCons. Lino Rodrigues Ribeiro
Data da Resolução24 de Setembro de 2021
EmissorTribunal Constitucional (Port

ACÓRDÃO N.º 762/2021

Processo n.º 951/21

Plenário

Relator: Conselheiro: Lino Rodrigues Ribeiro

Acordam, em Plenário, no Tribunal Constitucional

I – Relatório

1. O Partido Social Democrata, através do Presidente da respetiva Comissão Política do Porto, apresentou uma participação contra o Município do Porto e o Presidente da Câmara Municipal do Porto, por violação do princípio da neutralidade e imparcialidade das entidades públicas previsto no artigo 41.º da Lei Orgânica n.º 1/2001, de 14 de agosto, em virtude do envio de «cartas, por toda a cidade, dirigida aos “caros pais, mães e encarregados de educação” [o]nde, entre outras considerações, propagandeia a ação do Município em matéria de política educativa» (a fls. 14 ss.). O Município do Porto fez chegar a participação à Comissão Nacional de Eleições (CNE), acompanhada da sua resposta (a fls. 19 ss.).

2. No dia 16 de setembro de 2021, a CNE emitiu a Informação n.º I-CNE/2021/261 (fls. 35 ss.) e, no mesmo dia, em reunião plenária, tomou, por unanimidade, a seguinte deliberação (fls. 11 ss.):

«1. No âmbito da eleição para os órgãos das autarquias locais, de 26 de setembro de 2021, o PPD/PSD apresentou, no dia 15 de setembro p.p., uma queixa contra a Câmara Municipal do Porto, ao abrigo do procedimento previsto no n.º 1 do artigo 16.º do Regimento da CNE, alegando, em síntese, ter existido violação dos deveres de neutralidade e imparcialidade das entidades públicas, por ter procedido à distribuição de cartas dirigida “aos pais, mães e encarregados de educação”, propagandeando a ação do município em matéria de política educativa, citando depois alguns excertos da referida carta que remete em anexo.

2. O município visado fez chegar a participação à CNE acompanhada da sua resposta, conforme previsto no n.º 1 do artigo 16.º do Regimento da CNE, alegando, em síntese, o seguinte:

- Não pode o exercício das atribuições do município ficar prejudicado pelo período eleitoral, sob pena de serem limitados os direitos fundamentais dos cidadãos, nomeadamente o de acesso à educação;

- O ofício visa prestar uma informação, clara e objetiva, sobre o início do ano letivo aos seus interessados;

A informação não se destina ao público em geral, mas a um setor específico da população;

- O direito dos cidadãos à informação necessária ao acesso à educação não pode sofrer ilimitadas restrições no contexto do ato eleitoral, antes devendo entrar em linha de conta com a necessária preparação do início do ano letivo;

- Como sucessivamente deliberado pela CNE e jurisprudência do Tribunal Constitucional, não podem ser eliminadas em período eleitoral, as comunicações com conteúdo meramente informativo, sob pena de se eliminar, de forma excessiva e desproporcional, outros direitos fundamentais.

Este envio inclui-se numa prática reiterada e habitual no Município, transversal a vários executivos municipais;

A informação disponibilizada sobre o funcionamento dos programas municipais, cuja existência neste concreto Município não é nem recente, nem esporádica, mas sim, habitual, disponibilizada todos os anos;

- Inexiste no texto do ofício qualquer caráter promocional ou publicitário;

- O ofício em apreço não constitui meio idóneo para provocar uma desigualdade de oportunidades das candidaturas.

Juntamente com a resposta, a autarquia remeteu um conjunto de ofícios de teor semelhante remetido em anos letivos anteriores.

3. A carta objeto da presente queixa é subscrita pelo Presidente da Câmara Municipal do Porto e pelo Vereador do Pelouro da Educação, tendo sido dirigida a toda a comunidade educativa do Porto.

Analisado o teor da carta, constata-se, de facto, que excede a componente informativa, em infração ao disposto no n.º 4, do artigo 10.º, da Lei n.º 72-A/20145, de 23 de julho. Com efeito, a carta não se limita a informar sobre bens ou serviços disponibilizados pelo município aos alunos no ano letivo que teve início no mês de setembro. Aliás, só no final do documento em causa é que são facultados contactos quanto às formas de obter mais informações sobre a oferta educativa em diferentes áreas, remetendo para um portal, bem como para um contacto telefónico e endereço de email para obter mais informações sobre as atividades disponibilizadas.

4. De resto, em várias passagens, são utilizadas expressões elogiosas e que extravasam o teor meramente informativo, consubstanciando publicidade institucional proibida; "[a]s Direções das Escolas merecem também a nossa distinção e reconhecimento. Parceiros de todos os dias com quem construímos uma relação de grande confiança e uma forte colaboração e cumplicidade para que o Porto seja cada vez mais uma cidade educadora e uma referência pela forma como cuida e educa as crianças e os jovens"; "(...) e é essa confiança que se renova a cada ano, que nos inspira para dar continuidade ao investimento para dotar as escolas de melhores condições para o ensino e a aprendizagem, na construção de um equilíbrio entre a segurança e bem-estar e as dinâmicas lúdico-educativas "(...) o Município do Porto continua a assegurar, a todas as crianças das nossas escolas, o programa PORTO DE ATIVIDADES (...), sem encargos financeiros para as famílias(...)"; "o Município do Porto compromete-se ainda a reforçar a oferta educativa das escolas em diferentes áreas (...)"; "Continuaremos a fornecer o serviço de refeições escolares a todas as crianças, garantindo a sua gratuitidade às crianças do escalão 'A'".; "Continuamos a missão na construção de uma cidade amiga das crianças, dos jovens e das famílias, com escolas dinâmicas, criativas, capazes de promover a coesão social e os ideais de uma cidade educadora."

5. Do presente processo faz parte a Informação n.º I-CNE/2021/261, que se dá aqui por integralmente reproduzida e do qual faz parte integrante.

6. Face ao que antecede, a Comissão delibera:

a) Ordenar procedimento contraordenacional contra o Presidente da Câmara Municipal do Porto e o Vereador do Pelouro da Educação, por violação do disposto no n.º 4, do artigo 10.º, da Lei n.º 72-A/2015, de 23 de julho;

b) Advertir o Presidente da Câmara Municipal do Porto e o Vereador do Pelouro da Educação para que, no decurso do período eleitoral e até à data da realização da eleição, se abstenham de efetuar, por qualquer meio, todo e qualquer tipo de publicidade institucional proibida.»

3. A deliberação foi notificada ao Município do Porto, na pessoa do Presidente da Câmara Municipal do Porto, no dia 20 de setembro, por correio eletrónico, às 10 horas e 58 minutos, acompanhada da Informação n.º I-CNE/2021/261 (fls. 43 ss.).

4. A Câmara Municipal do Porto, através do seu Presidente, interpôs então recurso para o Tribunal Constitucional, ao abrigo do disposto no artigo 102.º-B da Lei n.º 28/82, de 15 de novembro (LTC), por correio eletrónico enviado no dia 21 de setembro de 2021, às 20 horas e 24 minutos (fl. 3), registado na CNE a 22 de setembro de 2021 sob a referência E-CNE/2021/14254, recurso que apresenta, para o que aqui mais releva, o seguinte conteúdo (fls. 5 s.):

«(...)

II – A Admissibilidade e Tempestividade do Recurso

3. Como resulta da análise da notificação recebida, a Comissão não se dignou referir quais as normas legais habilitadoras daquela deliberação.

Não obstante, calcula-se que a mesma tenha sido adotada, como tem sucedido em outras situações semelhantes, ao abrigo dos artigos 5.º e 7.º da Lei n.º 71/78. O artigo 5.º, n.º 1, al. d), daquele diploma é, de resto, referido na Informação "aprovada".

Trata-se, assim, de uma deliberação adotada pela Comissão Nacional enquanto principal órgão de Administração Eleitoral, e, como tal, recorrível, nos termos do n.º 1 do artigo 102.ª-B da Lei do Tribunal Constitucional.

4. Como foi já afirmado peio Tribunal Constitucional (cfr. Acórdão n.º 588/2017), "a jurisprudência deste Tribunal tem sido constante na consideração de que o conceito de ato de administração eleitoral subjacente ao artigo 102.º-B da LTC abrange uma pluralidade de atos que antecedem e sucedem o ato eleitoral em si, e não apenas o ato eleitoral em sentido estrito, incluindo, para o que aqui releva, as deliberações da CNE sobre os atos de propaganda política diretamente relacionados com a realização de um dado ato eleitoral, e independentemente de serem ou não praticados no período de campanha eleitoral definido por lei (cf., Acórdão n.º 471/2008, Acórdão n.º 209/2009, Acórdão n.º 475/2013 e Acórdão n.º 409/2014, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt). A CNE atua, pois, na garantia da igualdade de oportunidades das candidaturas e da neutralidade das entidades públicas perante as ações de propaganda política anteriores ao ato eleitoral, e, por isso, destinadas a influenciar diretamente o eleitorado quanto ao sentido do voto, ainda que as mencionadas ações ocorram em período anterior ao da campanha eleitoral (cf., neste sentido, Acórdão n.º 209/2009, Acórdão n.º 475/2013 e Acórdão n.º 409/2014, todos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt).

5.Acresce que, tendo a notificação ocorrido no dia de ontem, 20 de setembro, dúvidas não subsistem que o presente recurso é tempestivo.

III – A Invalidade da Deliberação Recorrida

6. Como de seguida se procurará evidenciar, a Deliberação de que agora se recorre é inapelavelmente inválida, por nvício de violação de lei". Com efeito, aquela deliberação incorre num erro manifesto quanto aos seus pressupostos, resultante de ter considerado que uma comunicação informativa enviada pelo Município do Porto a determinados cidadãos constitui um ato de publicidade institucional proibido por lei.

Para esse erro muito contribuiu a negligente e descuidada apreciação dos factos pela Comissão Nacional de Eleições - e pelo seu Gabinete Jurídico, como...

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