Acórdão nº 0260/16.5BECBR-A de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelANABELA RUSSO
Data da Resolução22 de Setembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

RECURSO PARA UNIFORMIZAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA Acórdão 1.

Z…………. e X…………. vieram, ao abrigo do preceituado no artigo 152.º, n.º 1 al. b) do Código de Processo nos Tribunais Administrativo (CPTA), interpor recurso para uniformização de jurisprudência, alegando que os acórdãos proferidos por este Supremo Tribunal Administrativo a 14 de Outubro de 2010, no processo n.º 260/16.5BECBR, e a 20 de Abril de 2020, no processo n.º 261/16.3BECBR (ambos integralmente disponíveis em www.dgsi.pt), perfilharam entendimentos opostos relativamente à mesma questão fundamental de direito.

1.2.

As alegações de recurso apresentadas, através das quais os Recorrentes visam demonstrar a referida oposição, mostram-se finalizadas com as seguintes conclusões.

I.

Vem o presente recurso interposto para o pleno do STA, ao abrigo do disposto na al. b) do n.° 1 do art. 152.° do CPTA, por se entender que existe contradição entre dois Acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal Administrativo, em concreto, entre a decisão proferida nos presentes autos e a decisão proferida no processo n.° 261/16.3BECBR.

II.

As questões de facto e de direito sujeitas à apreciação do Supremo Tribunal de Justiça são materialmente as mesmas.

III.

Em ambos os processos foram remetidas petições iniciais via email que não foram recepcionadas pelo Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, não se tendo apurado as razões por que não ocorreu a receção da peça processual e documentos remetidos via eletrónica.

IV.

A assinatura electrónica permite aferir a certificação cronológica do envio das peças processuais por email, o que, num caso e noutro, não foi possível.

Na verdade, no processo n.° 261/16.3BECBR também se decidia sobre o envio de peças processuais não validadas cronologicamente.

V.

Em ambos os processos não resultou como não provado que as mensagens de correio electrónico não tivessem sido enviadas, tendo apenas ficado demonstrado que ambas não foram recepcionadas pelo destinatário, o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra.

VI.

Nos presentes autos, o recurso foi julgado improcedente, ao passo que no processo n.° 261/16.3BECBR o Supremo Tribunal Administrativo julgou o recurso procedente, por considerar que a parte não pode ser prejudicada, de acordo com o dever de gestão processual e o princípio da boa fé previstos nos artigos 6.° 8.° C.P.C.

VII.

Entendem os Recorrentes que existe contradição entre dois Acórdãos proferidos pelo Supremo Tribunal Administrativo, em concreto, entre a decisão proferida nos presentes autos e a decisão proferida no processo n.° 261/16.3BECBR, estando, por isso, perante uma contradição entre dois acórdãos do Supremo Tribunal Administrativo referente à mesma questão de direito, tendo este Acórdão, perante a mesma situação de facto, decidido pela aplicação dos art.s 6.° e 8.° do C.P.C., ao passo que a decisão proferida nos presentes autos não aplicou tais normativos.

VIII.

Entendem os Recorrentes, salvo o devido respeito — que é muito — que a decisão proferida nos presentes autos deveria ter seguido o entendimento adoptado pelo Supremo Tribunal Administrativo no processo n.° 261/16.3BECBR.

IX.

Os Advogados, no exercício da sua profissão e dos mandatos que lhes são conferidos deparam-se, por vezes, com um funcionamento deficiente das plataformas informáticas de entrega de peças processuais.

X.

Em 2013 e 2014 o funcionamento do SITAF era manifestamente deficiente, em concreto na primeira fase judicial do processo.

XI.

Por esse motivo, e ao abrigo da prerrogativa que era conferida aos mandatários da apresentação de peças processuais por correio eletrónico contemplada no art. 2.° da Portaria n.° 1417/2003, de 30/12, na redação dada pelo artigo 26.° da Portaria n.° 114/2008, de 6/2, era comum o envio das peças processuais por correio electrónico. Tal decorria dessa prerrogativa legal e de um deficiente funcionamento do SITAF.

XII.

No dia 08.10.2013 o mandatário dos ora Recorrentes, por erro de envio da peça processual através do SITAF, enviou a impugnação judicial cuja apreciação material se pretende por correio electrónico.

XIII.

Ou seja, salvo melhor opinião (apesar de o teor de folhas 56 dos autos atestar, precisamente, o envio de uma mensagem de correio electrónico naquele dia e hora, à qual foi aposta assinatura digital que, no entanto, apresentou problemas de fidedignidade) a decisão proferida nos presentes autos pelo Tribunal Central Administrativo e confirmada pelo Supremo Tribunal Administrativo, nada tem a ver com a aposição ou não de assinatura digital da qual se possa aferir a “validação cronológica”.

XIV.

Sucede que em algum momento resulta como não provado que o email não tenha sido enviado, o que, no entender dos Recorrentes, significa que não era necessária a alteração da matéria de facto dada como provada para julgar de forma diversa, aplicando os art.s 6.° e 8.° do C.P.C.

XV.

Com efeito, no dia 08.10.2013 os ficheiros foram todos eles enviados no ficheiro de formato portable document format (pdf) que é um tipo de formato não editável, significando isto que o ficheiro se manterá, sempre, inalterado.

XVI.

Acresce ainda que foi emitido um DUC e paga uma taxa de justiça no dia do envio da peça processual.

XVII.

Conjugando toda a matéria dos autos, e de acordo com as regras da experiência comum, não devem restar dúvidas do envio do email por parte do mandatário dos Recorrentes no dia 8 de Outubro de 2013.

XVIII.

O mandatário dos Recorrentes cumpriu todos os requisitos contemplados no art.° 2.° da Portaria n.° 1417/2003, de 30 de Dezembro.

XIX. Ainda que se considerasse aplicável ao caso em apreço as exigências do Decreto-Lei n.° 290-D/99, de 2 de Agosto, com as alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.° 88/2009, de 9 de Abril, a conjugação de folhas 58 com folhas 61 a 63 dos autos atestam o envio de uma mensagem de correio electrónico no dia 08/10/2013, às 18h45m, com certificado digital que se encontrava válido de 08/10/2013 a 05/11/2013, certificado este emitido pela Multicert.

XX.

Os documentos juntos pelos Recorrentes com o requerimento de 23.05.2016 e que constam a folhas 61, 62 e 63, contêm a informação sobre a data e hora de expedição do documento electrónico (18 horas, 45 minutos e 27 segundos do dia 08.10.2013) e indicam qual a entidade certificadora, que é a Multicert.

XXI.

Os elementos constantes nos documentos de fis. 61 a 63 dos autos não são preenchidos manualmente pelo utilizador, mas antes fornecidos por aquela entidade certificadora.

XXII.

Com efeito, ao abrigo do disposto no art.° 10.° da Portaria n.° 642/2004, de 16 de Junho, À apresentação de peças processuais por correio electrónico simples ou sem validação cronológica é aplicável, para todos os efeitos legais, o regime estabelecido para o envio através de telecópia.

XXIII. Ora, caso se admita que a exigência para apresentação de peças processuais e documentos nos processos dos tribunais da jurisdição administrativa e fiscal vai para além do disposto na Portaria n.° 1417/2003, de 30 de Dezembro, e é exigível a validação cronológica, então terá de se fazer uso do disposto naquele normativo da Portaria n.° 642/2004, de 16 de Junho, que prevê a cominação para o envio de peças processuais não validadas cronologicamente, referindo que lhes é aplicável o estabelecido para o envio através de telecópia.

XXIV.

Considerando que tal regime está previsto no Decreto-Lei n.° 28/92, de 27 de Fevereiro, e nos termos do n.° 1 do artigo 4.° do referido diploma, sob a epígrafe “força probatória” As telecópias dos articulados, alegações, requerimentos e respostas, assinados pelo advogado ou solicitador, os respectivos duplicados e os demais documentos que o acompanhem, quando provenientes do aparelho com número constante da lista oficial, presumem-se verdadeiros e exactos, salvo prova em contrário. — destaque nosso.

XXV.

Neste caso, aplicando ao caso em apreço, teria de se presumir como verdadeiro e exacto o envio do referido e-mail no dia 08.10.2013, o que é suportado, aliás, pelos documentos que constam a folhas 58 a 63 dos autos.

Nas circunstâncias do caso sub iudice, ao abrigo do princípio da promoção do acesso à justiça (princípio pro actione — consagrado no art. 9.º e no n.° 3 do art.° 11.º, ambos da LGT) e do direito à tutela jurisdicional efectiva, e em respeito pelo princípio da protecção da confiança e da segurança jurídica, impunha-se ao Tribunal Recorrido que ordenasse que o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra conhecesse do mérito da Impugnação Judicial apresentada pelos Recorrentes.

XXVI.

O princípio de promoção do acesso à justiça, ou princípio pro actione, que se pode encontrar nos art.° 9.° e n.° 3 do art.° 11.º da LGT, art.° 7.° do CPTA e art.° 6.° do CPC e o princípio da boa-fé processual, plasmado no art. 8.° do CPC representam uma concretização do princípio constitucional do acesso à justiça, do qual decorre que os tribunais têm o dever de interpretar as normas processuais num sentido de favorecer o acesso ao Tribunal e a emissão de uma pronúncia sobre o mérito das pretensões formuladas, evitando situações de denegação de justiça, designadamente por excesso de formalismo, contemplado no art.° 20.° da Constituição da República Portuguesa (CRP).

XXVII.

Como bem se decidiu no processo n.° 261/16.BECBR, Não se tendo apurado as razões por que não ocorreu a receção da peça processual e documentos remetidos via eletrónica, a parte não pode ser prejudicada, de acordo com o dever de gestão processual e o princípio da boa fé previstos nos artigos 6.° e 8.°do C.P.C.

XXVIII.

Neste processo, depois da decisão proferida pelo Supremo Tribunal Administrativo, veio o Tribunal Administrativo e Fiscal de Coimbra, conceder provimento à impugnação judicial apresentada; ou seja, não fosse a mencionada decisão do Supremo Tribunal Administrativo e teríamos, muito provavelmente, uma sociedade que explora um estabelecimento comercial na cidade de Coimbra há vários anos a ver-se forçada a encerrar por...

Para continuar a ler

PEÇA SUA AVALIAÇÃO

VLEX uses login cookies to provide you with a better browsing experience. If you click on 'Accept' or continue browsing this site we consider that you accept our cookie policy. ACCEPT