Acórdão nº 033/21.3BALSB de Supremo Tribunal Administrativo (Portugal), 22 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelJOSÉ GOMES CORREIA
Data da Resolução22 de Setembro de 2021
EmissorSupremo Tribunal Administrativo (Portugal)

Acordam no Pleno da Secção de Contencioso Tributário do Supremo Tribunal Administrativo 1. – Relatório A Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira (AT) vem, nos termos do n.º 1 do artigo 152.º do Código de Processo nos Tribunais Administrativos (“CPTA”), aplicável ex vi n.º 2 do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 10/2011 de 20 de Janeiro (Regime Jurídico da Arbitragem Tributaria — “RJAT”), com a alteração introduzida pela Lei n.º 119/2019, de 18 de Setembro, interpor recurso de uniformização de jurisprudência para o Pleno do Contencioso Tributário do STA, da decisão arbitral proferida no processo n.º 283/2020–T do Centro de Arbitragem Administrativa (CAAD), em que é Recorrida TEJO ENERGIA – PRODUÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉCTRICA, S. A.

, sinalizada nos autos, no que respeita ao segmento decisório que conclui pela competência do CAAD para aferir da legalidade de contribuições financeiras, in casu a Contribuição Especial para o Sector Energético (CESE), invocando oposição entre a decisão arbitral anteriormente identificada e a decisão proferida pelo Tribunal Arbitral com o nº 248/2019-T, que se indica como fundamento.

Inconformada, formulou a recorrente Diretora-Geral da Autoridade Tributária e Aduaneira, as seguintes conclusões: A. A questão aqui em dissenso formula-se nos seguintes moldes: «Tem o CAAD competência para dirimir litígios atinentes a contribuições financeiras, in casu a CESE?» B.

A título prévio, refira-se que, facto não despiciendo, nem a decisão recorrida, nem tão pouco a decisão fundamento divergem na definição jurídico-tributária da CESE como uma contribuição financeira.

C.

O presente Recurso para Uniformização de Jurisprudência vem interposto nos termos do n.º 1 do art.º 152.º do CPTA e n.º 2 do art.º 25.º do RJAT e tem por objecto a Decisão Arbitral proferida no processo nº 283/2020 – T CAAD por aquele centro de arbitragem por se encontrar em contradição com a decisão fundamento, proferida por aquele mesmo centro de arbitragem no Processo nº 248/2019 – T CAAD, no segmento decisório que se reporta ao entendimento que o CAAD não tem competência para dirimir litígios atinentes a contribuições financeiras, in casu a CESE? D.

Ora, a decisão arbitral sob recurso entendeu que sim.

E.

Por seu turno, na Decisão arbitral proferida no Processo nº 248/2019-T CAAD, convocado como fundamento, entendeu o seguinte: «33. Nestes termos, como a espécie tributária da CESE é uma contribuição financeira (e não um imposto) e como o âmbito de competência material dos Tribunais Arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, por força do disposto no RJAT (arts. 2.º e 4.º) e na Portaria de Vinculação (art. 2.º), apenas abrange as pretensões relativas a impostos administrados pela AT, segue-se simplesmente afirmar a conclusão da incompetência ratione materiae deste Tribunal para a apreciação do presente litígio.

Verifica-se, pois, a incompetência absoluta deste Tribunal Arbitral, o que implica uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa e determina a absolvição da instância da Requerida, conforme disposto no art. 16.º do CPPT, aplicável ex vi al. c) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT e nos arts. 278.º, n.º 1, al. a), 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, al. a) do CPC, aplicáveis ex vi alínea e) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT.» F.

Ora, os dois arestos divergem no entendimento do enquadramento da seguinte questão: «Tem o CAAD competência para dirimir litígios atinentes a contribuições G.

O entendimento vertido na Decisão recorrida colide com a Decisão fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito.

H.

Como tem sido afirmado de forma constante pela jurisprudência do STA, a identidade da questão fundamental de direito reporta-se, concomitantemente, aos preceitos ou princípios jurídicos aplicados e às situações de facto que eles concretamente disciplinaram. E que essa identidade não necessita de ser formal ou absoluta, mas uma identidade essencial.

I.

O que se verifica in casu.

J.

Ambas as decisões se reportam somente à apreciação negativa ou positiva sobre a questão se tem o CAAD competência para dirimir litígios atinentes a contribuições financeiras.

K.

Sendo que a identidade da questão de direito passa, necessariamente, e antes do mais, pela identidade da questão de facto subjacente, na exacta medida em que aquela pressupõe que as situações de facto em que assentaram as soluções jurídicas contenham elementos que as identifiquem como “questões” merecedoras de tratamento jurídico semelhante, conforme refere o Acórdão do STA, proferido no âmbito do processo número 0485/02 de 08-05-2003.

L.

Enquanto na Decisão recorrida se considerou o CAAD competente para a decidir sobre litígios onde subjazem a análise das contribuições financeiras, a decisão recorrida, liminarmente, decidiu em sentido contrário, i.e., pela incompetência material do CAAD.

M.

O que caracteriza e confere identidade às duas situações é que os factos são em tudo semelhantes e as normas jurídicas também.

N.

Nessa medida mostram-se verificados os pressupostos previstos no art.º 152.º do CPTA, para admissão do presente recurso para uniformização de jurisprudência.

O.

Entende-se na decisão recorrida, em total dissonância com a decisão fundamento, que o CAAD é competente para dirimir questões sobre contribuições financeiras.

P.

Entendimento que manifestamente vai ao arrepio quer da mens legislatoris, quer da letra da lei conforme decorre hialinamente do iter cognoscitivo vertido na decisão fundamento Q.

Sempre se diga que a decisão adoptada como decisão fundamento tem vindo a ser a posição largamente adoptada pelo centro de arbitragem, no que a esta temática se refere.

R. E que, como tal, a decisão recorrida não deverá prevalecer.

S.

A decisão fundamento (n.º 248/2019 – T CAAD), na mais correcta interpretação jurídica, tal com é entendimento da Recorrente e no sentido da qual deverá ser uniformizada a jurisprudência neste Tribunal Superior, entendeu que o CAAD não é competente para apreciar aquelas matérias.

T.

Concluindo lapidarmente que «33. Nestes termos, como a espécie tributária da CESE é uma contribuição financeira (e não um imposto) e como o âmbito de competência material dos Tribunais Arbitrais constituídos sob a égide do CAAD, por força do disposto no RJAT (arts. 2.º e 4.º) e na Portaria de Vinculação (art. 2.º), apenas abrange as pretensões relativas a impostos administrados pela AT, segue-se simplesmente afirmar a conclusão da incompetência ratione materiae deste Tribunal para a apreciação do presente litígio.

Verifica-se, pois, a incompetência absoluta deste Tribunal Arbitral, o que implica uma exceção dilatória impeditiva do conhecimento do mérito da causa e determina a absolvição da instância da Requerida, conforme disposto no art. 16.º do CPPT, aplicável ex vi al. c) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT e nos arts. 278.º, n.º 1, al. a), 576.º, n.ºs 1 e 2 e 577.º, al. a) do CPC, aplicáveis ex vi alínea e) do n.º 1 do art. 29.º do RJAT.» U.

Na mesma senda, conforme referem Sérgio Vasques e Carla Castelo Trindade, em artigo publicado nos Cadernos de Justiça Tributária n.º (Abril/Junho 2013) – “O âmbito material da arbitragem tributária” – pág. 19, dizem-nos o seguinte: «As limitações introduzidas pela Portaria de Vinculação” (…) Em face desta redacção (…) podemos assacar i) que o âmbito material da arbitragem se resume à análise de questões relativas a impostos, não sendo, portanto, susceptíveis de recurso à arbitragem, porquanto fogem aos termos de vinculação da administração tributária, as questões relativas a taxas e contribuições;» V.

Acrescentando que: «A Administração Tributária vincula-se unicamente a litígios que se prendam com impostos deixando portanto de fora as questões relacionadas com taxas e com contribuições» (pp. 25 – op. cit.).

W.

Posição igualmente partilhada por Conceição Gamito e Teresa Teixeira da Motta no artigo publicado na Revista Arbitragem Tributária n.º 2 (Janeiro 2015), sob o título “A Arbitrabilidade das taxas”( pp. 18 e ss), onde numa ampla análise ao regime da arbitragem tributária e à subsunção das taxas e contribuições à mesma são redundantes ao afirmar que: «(…) não obstante a ampla designação como arbitragem tributária e a constante referência a tributos no que aos atos arbitráveis respeita, as taxas e contribuições encontrar-se-ão, prima facie, excluídas do âmbito material de competência dos tribunais arbitrais» X.

Destarte, é manifesto que o CAAD não tem competência para julgar litígios com origem em contribuições financeiras, por força do disposto na alínea a) do n.º 1 do art.º 2.º e do n.º 1 do art.º 4.º ambos do RJAT e no art.º 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, verificando-se assim a incompetência, em razão da matéria, do centro de arbitragem, cujo conhecimento é oficioso, Y.

O que, desde logo, impede a apreciação de matéria atinentes à legalidade de contribuições financeiras pelo centro de arbitragem e determinaria, inelutavelmente, absolvição da instância da Requerida, ora Recorrente, conforme disposto no art.º 16.º do CPPT, aplicável ex vi alínea c) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT e nos n.ºs 1 e 2 do art.º 576.º e alínea a) do art.º 577.º do CPC, aplicáveis ex vi alínea e) do n.º 1 do art.º 29.º do RJAT.

Z.

Aliás, como bem concluiu a Decisão fundamento.

AA.

Porquanto, o âmbito da jurisdição do CAAD abrange unicamente, como decorre da interpretação conjugada dos arts. 2.º, n.º 1 do RJAT e 2.º da Portaria n.º 112-A/2011, a apreciação das pretensões relativas a impostos cuja administração esteja cometida à AT, não compreendendo, portanto, as pretensões relativas a “contribuições” por ela administradas.

BB.

Ao contrário do entendido pela decisão ora recorrida, a falta de vinculação é exactamente questão de matéria, porquanto redunda na competência material do CAAD, pelo que é de conhecimento oficioso (vide art.º 13.º CPTA, n.ºs 1, 2 e alínea a) do n.º 4 do art.º 98 e n.º 1 do art.º 95 todos do CPTA ex vi alínea c) do n.º 1 do art.º 29 do RJAT.) CC.

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