Acórdão nº 02351/16.3BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução15 de Julho de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* * I – RELATÓRIO M., devidamente identificada nos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença promanada nos autos, que julgou a presente ação improcedente, e, em consequência, absolveu a Ré CAIXA DE PREVIDÊNCIA DOS ADVOGADOS E SOLICITADORES [doravante CPAS] do pedido.

Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões:“(…) I.

Vem o presente recurso interposto da Douta Sentença proferida pelo Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto que julgou improcedentes os pedidos deduzidos pela Autora, ora Recorrente, de condenação da Ré, aqui Recorrida, à prática do ato de deferimento do pedido de pagamento das contribuições correspondentes ao seu tempo efetivo de estágio e de emissão das guias de pagamento relativas aos meses de novembro e dezembro de 1986 e janeiro a maio de 1987, não reconhecidos nas deliberações de 18.08.2015 e 17.06.2016.

II.

Para sustentar a sua decisão, o Tribunal a quo considerou que a expressão '“tempo de estágio” plasmada no artigo 5.°-A do anterior Regulamento da CPAS (aprovado pela Portaria n.° 487/83, de 27 de abril, alterada pelas Portarias n.°s 623/88, de 8 de setembro, e 884/94, de 1 de outubro, e pelo Despacho n.° 22665/2007, de 28 de setembro) se refere à duração programática do estágio prevista no artigo 162.° do Estatuto da Ordem dos Advogados à data vigente (aprovado pelo Decreto-Lei n.° 84/84, de 16 de março), ou seja, a 18 meses.

III.

Porém, não pode a Recorrente conformar-se com o sentido da decisão recorrida, porquanto, e conforme se propõe demonstrar, mal andou o julgador na tarefa de subsunção dos factos ao Direito, porquanto à revelia das mais elementares regras da hermenêutica jurídica, interpretou restritivamente o artigo 5.°-A do anterior Regulamento da CPAS, assim impedindo a ora Recorrente de beneficiar de todo o seu tempo de estágio na sua carreira contributiva.

IV.

Os fundamentos plasmados na decisão recorrida foram, essencialmente, três: (i) o normativo “não utiliza a expressão “duração efetiva de estágio”; (ii) caso tivesse subjacente a “duração efetiva de estágio”, tal traduzir-se-ia num tratamento desigual entre os beneficiários, uma vez que os candidatos que concluíssem o estágio em 18 meses apenas poderiam beneficiar de um aumento de 18 meses na sua carreira contributiva e aqueles que protelassem a sua inscrição, poderiam tirar partido dessa situação; (iii) permitir-se-ia um aumento da carreira contributiva, através do pagamento de contribuições pelo primeiro escalão, durante mais tempo do que o legalmente previsto (cfr. artigo 72.° do antigo Regulamento da CPAS).

V.

Contudo, nenhum destes argumentos encontra na lei e no Direito qualquer acolhimento, sendo a interpretação veiculada pelo Tribunal a quo juridicamente inaceitável e desconforme com o disposto no artigo 63.°, n.°s 1 e 4 da CRP.

VI.

Note-se que a letra do artigo 5.°-A do antigo Regulamento da CPAS expressamente refere a possibilidade dos beneficiários requererem o pagamento das contribuições respeitantes ao “tempo de estágio em que não tenham estado inscritos”, sendo certo que não usa a expressão “tempo da duração legal mínima do curso de estágio” ou “o tempo do curso de estágio” ou qualquer outra com igual significado.

VII.

Ao empregar a expressão “o tempo” ou “ao tempo” está, em termos literais, a querer significar todo o tempo e não apenas ao período legal de duração do estágio.

VIII.

Mais se diga que tal sentido é o que melhor se adequa, tendo em conta a relação jurídica sinalagmática estabelecida entre os Advogados e a Caixa de Previdência, a qual que tem como pressupostos de facto a “prestação de serviço numa dada qualidade” e o pagamento das correspondentes contribuições.

IX.

A relação jurídica entre os Advogados e a Caixa de Previdência só se consolida e se completa com a qualidade de advogado ou solicitador, mas o artigo 5.° A do anterior Regulamento da CPAS ora em análise permite que o interessado possa fazer relevar o tempo em que era ainda estagiário.

X.

Ao estender os efeitos da relação jurídica ao tempo de estágio, o Regulamento da CPAS está a compreender no seu âmbito, afinal, o tempo de serviço prestado numa determinada qualidade ou status, e as coisas não poderiam ser de outro modo, porquanto é a efetiva prestação de serviço enquanto advogado ou estagiário que é pressuposto para a constituição da relação jurídica em causa.

XI.

Não é pois a “duração legal do curso de estágio” que constitui o pressuposto de facto para a constituição da relação jurídica, mas sim o tempo efetivo de duração do mesmo. Até porque, por razões organizativas e funcionais, trata-se de um período de referência, que quando muito — atendendo ao fim visado pelo legislador, de se assegurar que o futuro advogado, antes de atingir a plena capacidade profissional, passe por um período de tirocínio sob o controlo e acompanhamento de um patrono e da própria Ordem — constitui quer para a Ordem, enquanto entidade reguladora, quer sobretudo para os estagiários, um limiar temporal mínimo, e nunca máximo.

XII.

Trata-se pois, como é óbvio, para a Ordem - e nessa medida, por decorrência, para os próprios estagiários àquela sujeitos, e enquanto a ela sujeitos — de um prazo ordenador, não sendo suposto o ter a mesma Ordem que organizar, implementar e encerrar cada curso de estágio (com a inscrição como advogados de todos os estagiários que hajam terminado o curso com sucesso e requerido tempestivamente a dita inscrição) nesses 18 meses.

XIII.

Com todo o respeito, esta tese é de tal modo disparatada que chega a dificultar a demonstração da sua antítese, na medida em que é muitas vezes custoso o exercício de demonstrar tudo algo que é, à luz de critérios lógicos e de razoabilidade, evidente e manifesto.

XIV. Em face do exposto, dúvidas não restam que o sentido literal da expressão usada na lei é a de que todo o tempo de estágio (ou seja, todo o período de tempo em que o beneficiário foi estagiário, no âmbito de um mesmo e único curso de estágio, sem suspensões nem prorrogações) é contabilizável para efeitos do apuramento da carreira contributiva.

XV.

Apenas consentindo a letra da lei, e com base na ideia de um tempo efetivo de estágio que não implique a frequência de um subsequente curso de estágio, um entendimento já algo restritivo, que exclui os períodos de suspensão ou prorrogação ou renovação do status profissional em questão (causas por definição imputáveis ao próprio — seja porque em razão de conveniência própria requereu tal suspensão, seja porque. não tendo cumprido os ónus presenciais a que estava adstrito ou não tendo conseguido superar a prova final do tirocínio, teve por isso necessidade de frequentar o subsequente curso de estágio).

XVI.

Ao plasmar entendimento diferente, afigura-se claro que a decisão proferida pelo Tribunal a quo incorre em erro de interpretação e, consequentemente, aplicação da lei.

XVII.

A conclusão restritiva plasmada na decisão recorrida não tem fundamento legal, nem sequer tem na letra da lei e no pensamento do legislador um mínimo de correspondência, incorrendo em violação primária do direito substantivo, por erro de interpretação (artigo 9.° do Código Civil) sobre o estatuído no artigo 5.°A do anterior Regulamento da CPAS.

XVIII. Do mesmo modo, não pode acolher-se o argumento utilizado na fundamentação da decisão recorrida segundo o qual a interpretação propugnada pela Recorrente conduziria à violação do princípio da igualdade, quando, na verdade, é o entendimento vertido na decisão recorrida que potencia situações de desigualdade de tratamento entre beneficiários que se encontrem em situações idênticas.

XIX.

Atente-se que no lapso temporal de seis meses em que a Recorrente aguardou que a sua inscrição como advogada fosse efetivada, esteve impossibilitada de iniciar a sua carreira contributiva com o pagamento das contribuições devidas como e enquanto advogada, como também vê negado o seu direito de o fazer enquanto advogada-estagiária. Isto, quando, note-se, mantém o seu status profissional ativo, porquanto não suspendeu a sua inscrição na Ordem como advogada-estagiária: aliás, continuou legitimamente a praticar os atos próprios — forenses e de consultoria jurídica abrangidos pelo Estatuto.

XX.

Não é pois admissível que candidatos que se encontrem nas mesmas circunstâncias, que terminam o estágio ao mesmo tempo e que requerem tempestivamente a sua inscrição como advogados tenham um tratamento tão desigual, motivado por fatores imputáveis à Ordem dos Advogados e a que os mesmos são alheios.

XXI.

Não foi, por conseguinte, intenção do legislador que a atribuição do benefício plasmado no artigo 5.°-A do anterior Regulamento da CPAS ficasse dependente de fatores tão arbitrários como a maior ou menor eficiência dos serviços de um Conselho Distrital no processo de inscrição de um candidato à advocacia. Poder-se-ia até, por hipótese, dar o caso das inscrições se procederem por ordem alfabética e um candidato cujo nome se iniciasse pela letra “A” beneficiar de uma carreira contributiva superior a um candidato cujo nome comece por “Z”.

XXII.

Não pode, em suma, consentir-se que o legislador tivesse previsto que o lapso temporal entre o final do estágio e a inscrição como advogado ficasse excluído de contabilização para qualquer efeito.

XXIII.

Assim, para obviar a esta desigualdade de tratamento, outra não poderá ser a interpretação senão a de que todo o tempo de estágio - todo o tempo de estágio efetivamente decorrido num único e mesmo curso de estágio, sem suspensões ou prorrogações — releva para efeitos de aumento da carreira contributiva nos termos do artigo 5.°A do anterior regulamento da CPAS.

XXIV.

Sendo indubitável que no lapso temporal decorrido entre o término do estágio e a efetiva inscrição como advogado o candidato mantém um status ativo (seja como advogado estagiário, se entendermos que o ato de inscrição é um ato...

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