Acórdão nº 00522/16.1BECBR de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelFrederico Macedo Branco
Data da Resolução15 de Julho de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam em Conferência na Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* I Relatório M., devidamente identificada nos autos, no âmbito da ação administrativa, intentada contra o Município (...), tendente à impugnação dos atos de 12/05/2016 e 13/06/2016, de modo a que o Réu seja condenado a demolir o muro identificado, mais sendo condenado a apreciar a denúncia efetuada relativamente ao mesmo, inconformada com a decisão proferida em 2 de junho de 2019 no TAF de Coimbra, na qual a Ação foi julgada improcedente, veio interpor recurso jurisdicional.

Formula a aqui Recorrente nas suas alegações do Recurso Jurisdicional, apresentado em 22 de outubro de 2019, as seguintes conclusões: “Do despacho interlocutório: 1) Em primeiro lugar, no que diz respeito à prova pericial, o objeto desta (definido na pi. e ampliado pelo R. na contestação), requerida com vista ao apuramento da salubridade ou insalubridade do fosso que permeia a fachada da A. e o muro e à falta de segurança que a construção comporta para a A. e respetiva habitação (sobretudo, no que diz respeito à instalação elétrica), reporta-se a factualidade absolutamente relevante e imprescindível para a boa decisão dos presentes autos, pois sobre essa mesma factualidade recaem os vícios de violação de lei (material) alegados pela A. em sede de petição inicial – cfr. autos a fls...

2) Esse juízo (de insalubridade ou não insalubridade e segurança ou falta dela, decorrentes da existência e características do muro) é um juízo de índole técnica cuja aferição implica a apreciação e apreensão de factos e a formulação de juízos para os quais são requeridos conhecimentos técnicos específicos de que o julgador não dispõe (nomeadamente da área da saúde pública), razão pela qual impõe-se o recurso à prova pericial para efetivar essa sindicância.

3) Ademais, conforme decorre da própria letra da norma do art. 388.º do Código Civil, sob a epígrafe “Prova pericial”, não se trata apenas de averiguar factos, mas ainda de os apreciar (cfr. doutrina citada no corpo das alegações), apreciação esta (juízo técnico-pericial) que não está contida na documentação junta aos autos, pese embora a sua suma importância, não podendo assim os documentos constantes dos autos ser considerados suficientes para que Tribunal possa apurar a legalidade da construção.

4) Por outro lado e pelos mesmos motivos, a perícia “não é impertinente nem dilatória”, nos termos do n.º 1 do art. 476.º do CPC, antes se reporta ao núcleo fundamental da questão ou questões que se pretendem ver esclarecidas, e por se tratarem de factos cujo apuramento exige os conhecimentos especiais (técnicos) que a prova pericial pressupõe (cfr. art. 388.º CC e arestos citados no corpo das alegações).

5) É pois imprescindível, para conhecer da ilegalidade dos atos, aferir se a distância minúscula que existe entre a habitação da A. e o muro erigido é fonte de insalubridade e constitui um risco para a saúde e segurança da Recorrente, pois, repise-se, a legalidade do muro depende fundamentalmente desse facto e, consequentemente, desta última depende a legalidade da atuação administrativa que se impugna, e bem assim e inclusive, a demolição que se considera devida e se peticiona.

6) Numa palavra, por a perícia requerida se afigurar pertinente, não dilatória e não ser jamais claramente desnecessária, sendo antes absolutamente indispensável à descoberta da verdade material e à boa e justa composição da lide, o despacho recorrido incorre em erro de julgamento, por violação dos arts. 90.º, n.ºs 1 a 3 do CPTA, 388.º do CC e 476.º do CPC, aplicável ex vi arts. 1.º e 90.º, n.º 2 do CPTA e, bem assim, dos princípios do direito à prova, da aquisição processual, do inquisitório, da descoberta da verdade material e da justa composição do litígio, todos ínsitos à tutela jurisdicional efetiva dos administrados (cfr. arts. 410.º e ss. do CPC e arts. 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP), impondo-se a sua revogação e a realização da perícia requerida.

7) Em relação à prova testemunhal, diga-se que a mesma “é admitida em todos os casos em que não seja direta ou indiretamente afastada” (cfr. art. 392.º do CC), e, no caso, a mesma tem toda a pertinência, no mínimo, para comprovar a factologia alegada no art. 16.º da pi. – no mínimo, para se ouvir o Sr. Eletricista que tem conhecimento pessoal dos factos alegados e cuja inquirição, inclusive, se requereu ao R. (cfr. ponto 12 dos factos dados por provados na sentença)! 8) Factos esses, também, contendentes com a segurança das pessoas e, em concreto, da A. que se entende estar colocada em causa pela construção e na qual se alicerçam, também, as ilegalidades assacadas aos atos impugnados.

9) E, bem assim e até, tal prova é também idónea para comprovar os factos que a própria sentença, a p. 13, segundo parágrafo, diz que “a A. não prova minimamente” (seja lá o que isso do provar “minimamente” for…)! – “existência de uma conduta de esgoto que passa pelo interstício criado pelo muro” (facto este que, sem prejuízo de sobre ele incidir a prova pericial, cfr. respetivo objeto, é perfeitamente passível de ser atestado por testemunhas). Entre outros factos alegados e essenciais à composição da lide, como seja, a título de exemplo, a altura que o muro tinha antes da ampliação… 10) Portanto, também a este passo, o despacho recorrido incorre em erro de julgamento, por violação dos arts. 90.º, n.ºs 1 a 3 do CPTA, 392.º do CC, 411.º e 498.º e ss. do CPC, aplicáveis ex vi arts. 1.º e 90.º, n.º 2 do CPTA e, bem assim, dos princípios do direito à prova, da aquisição processual, do inquisitório, da descoberta da verdade material e justa composição do litígio, todos ínsitos à tutela jurisdicional efetiva dos administrados (cfr. arts. 410.º e ss. do CPC e arts. 20.º e 268.º, n.º 4 da CRP).

11) Sem prescindir quanto a tudo quanto se vem de expor, acresce que o despacho recorrido sempre incorre, de igual modo e pela mesma ordem de motivação, na prática de uma nulidade processual por omissão de ato que a lei prescreve e que é essencial para a decisão da causa (cfr. art. 195.º, n.º 1 do CPC, ex vi art. 1.º do CPTA).

12) Com efeito, a não produção da prova requerida tem, na sequência do exposto, influência direta no exame e decisão da causa, já que, reitere-se, os factos que alicerçam os vícios assacados pela A. aos atos impugnados (reportados à salubridade e segurança da construção e, assim, à legalidade ou ilegalidade da mesma que é o objeto dos atos), que são controvertidos (daí que os factos alegados pela A., designadamente, nos arts. 2.º a 17.º da pi. não constem como provados na fundamentação de facto da sentença), carecem indubitavelmente de produção de prova, logo, esta é absolutamente essencial para a descoberta da verdade material e para a justa decisão da causa.

Da sentença: 13) Apesar de não ter sido uma consideração decisiva no julgamento, até porque o Tribunal conheceu (num juízo profundamente deficitário e erróneo) das ilegalidades materiais invocadas face à Administração, ilegalidades essas que no entender da A. determinariam o não arquivamento da queixa e conhecimento das mesmas com as consequências que apontou, importa deixar claro contra a acusação, feita em parênteses, de que a matéria alegada seria conclusiva, que a matéria de facto alegada nos números 2.º a 17.º da pi. (autos a fls…) trata ou explica-se ostensivamente em factos, factos esses sobre os quais foi pedida a prova negada pela Juiz, que, singelamente e tentando resolver a questão em abstrato, decidiu aludir a requerimentos (que não transcreve) e atos (que transcreve) como matéria provada – circunstância que reforça a necessidade de ser especificada a matéria de facto a provar e a necessidade de ser levada a efeito a prova pedida.

14) Seja como for, essa afirmação no sentido de que a matéria de facto alegada para corporizar a violação dos arts. 15.º, 23.º e 74.º do RGEU (absolutamente infundamentada, como se vê de folhas 11 da sentença), é nula nos precisos termos do estatuído no art. 615.º, n.º 1. al. b) do CPC, aplicável ex vi art. 1.º do CPTA, ou encerra de um ostensivo erro de julgamento.

15) Diz-se na sentença, na ordem cognitiva que julgamos preferível, que os factos alegados jamais seriam, mesmo a verificarem-se, de molde a fazer recair o dever sobre a Autarquia de ordenar a demolição, ao abrigo das disposições citadas, posto em proporcionalidade se dever ponderar a possibilidade de conservação do bem.

16) Na ordem que seguimos, sustentaremos primeiro que a demolição é devida (nos pressupostos de facto de que partimos e defendemos e que a sentença ignorou), nada tendo a apontar à legalidade da formulação genérica do princípio da demolição como última ratio da atuação administrativa em matéria de polícia urbanística.

17) Porém, na sentença, a fls. 13, no seu início, conjugada com o parágrafo seguinte que se inicia por “De outra banda (…)” surpreende-se esta afirmação (a de que ainda que fossem julgadas procedentes os factos jamais se poderia concluir pela demolição antes de averiguar das possibilidades de conservação da obra) como um segmento justificativo e decisório autónomo – se não o é, numa leitura cautelosa, pode-o ser e, assim, a este mandatário só resta assacar a ilegalidade que se especificará infra a este propósito.

18) O que está em causa é, assim, se estamos face a momentos vinculados ou não nas distintas causas de pedir – isto mesmo descomplicando, porque a questão tem uma abrangência muito maior que se explica no dever de condenar a que se refere o art. 71.º do CPTA. 19) Ora, e porque se surpreende um segmento de decisão autónoma nesta matéria, só é possível assacar nulidade à decisão por falta absoluta de fundamentação (art. 615.º, n.º 1, al. b) do CPC, ex vi art. 1.º do CPTA), na medida em que não se ensaia sequer uma qualquer factologia que justifique a possibilidade de conservação da obra (a assim não se entender, existirá então erro de julgamento por violação do art. 71.º do CPTA) – o que se...

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