Acórdão nº 01105/20.7BEBRG de Tribunal Central Administrativo Norte, 15 de Julho de 2021

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução15 de Julho de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os juízes da Secção de Contencioso Administrativo do Tribunal Central Administrativo Norte:* * I – RELATÓRIO JUNTA DE FREGUESIA (...), devidamente identificada nos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal de Braga promanada no âmbito da presente Providência Cautelar por si intentada contra C.

e C., LDA., igualmente identificados nos autos, que, em 19.05.2021, julgou procedente a suscitada exceção de ilegitimidade processual ativa, com a consequente absolvição dos Requeridos.

Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) 1. O Tribunal a quo considerou que, cortejada a Lei n° 54/2005 de 15/11 (sobre a titularidade dos Recursos Hídricos), “o domínio público hídrico fluvial pertence ao Estado e, às Freguesias, apenas, está atribuído, em parte, o domínio hídrico lacustre (artigo 6º, nº 2, al. b) da Lei 54/2005) ”.

  1. Nesse sentido, concluiu que “carece de legitimidade a Requerente, por pretender defender, i.e., impor o cumprimento, o respeito de uma servidão, da qual não é titular”.

  2. Completando ser “forçoso concluir que a Requerente não alega, nem decorre da sua pretensão, que a mesma tenha legitimidade para a pretensão cautelar (e mesmo principal) que aqui deduz. Pelo que, verifica-se a ilegitimidade ativa, a qual é exceção dilatória e de conhecimento oficioso (artigo 89º, n.°s 1, 2, 4, al. e) do C.P.T.A.), que impede o conhecimento do mérito e determina a absolvição da instância dos Requeridos, como se decide”.

  3. Acontece que, a Recorrente não pode concordar com o entendimento do Tribunal a quo, isto porque não é seu entendimento que a simples circunstância do domínio público hídrico pertencer ao Estado e não às Freguesias obste ao dever de prossecução do interesse público por parte destas, nomeadamente no âmbito das suas atribuições, em particular, no domínio do ambiente, tal como o Regime Jurídico das Autarquias Locais o confere.

  4. Dispõe o art. 2° daquela Lei n° 75/2013 de 12/09 que “Constituem atribuições das autarquias locais a promoção e salvaguarda dos interesses próprios das respetivas populações, designadamente nos domínios referidos no n.0 2 do artigo 7.° e no n.° 2 do artigo 23° da presente lei”, acrescentando a alínea f) do art. 3° do mesmo diploma legal que “As autarquias locais prosseguem as suas atribuições através do exercício pelos respetivos órgãos das competências legalmente previstas, designadamente de fiscalização”.

  5. De igual modo, o n° 1 do art. 7° do mesmo regime jurídico dispõe que “Constituem atribuições da freguesia a promoção e salvaguarda dos interesses próprios das respetivas populações, em articulação com o município.” e o n° 2 que “As freguesias dispõem de atribuições designadamente nos seguintes domínios: g) Proteção civil; h) Ambiente e salubridade; j) Ordenamento urbano e rural; k) Proteção da comunidade”.

  6. Além do RJAL (Lei n° 75/2013 de 12/09), importa considerar o art. 9° n° 2 do CPTA, relativo à legitimidade ativa “Independentemente de ter interesse pessoal na demanda, qualquer pessoa, bem como as associações e fundações defensoras dos interesses em causa, as autarquias locais e o Ministério Público têm legitimidade para propor e intervir, nos termos previstos na lei, em processos principais e cautelares destinados à defesa de valores e bens constitucionalmente protegidos, como a saúde pública, o ambiente, o urbanismo, o ordenamento do território, a qualidade de vida, o património cultural e os bens do Estado, das Regiões Autónomas e das autarquias locais, assim como para promover a execução das correspondentes decisões jurisdicionais”.

  7. Além disso, incumbirá sempre à Junta de Freguesia zelar e fazer zelar pelo direito ao ambiente e ao ordenamento do território, porque é uma das suas atribuições, fazendo ver a todos que devem cumprir com as normas legais da República, ainda que a competência específica, em determinada matéria, esteja acometida ao Estado.

  8. Nesse sentido, a servidão de passagem, de acesso às águas de pesca e fiscalização, não é unicamente um direito do Estado mas também dos cidadãos, nomeadamente dos pescadores, da freguesia, pelo que incumbe à entidade pública - freguesia - a defesa dos direitos daqueles cidadãos.

  9. Pelo exposto, não podemos concordar com o entendimento do Tribunal a quo, que julgou procedente aquela exceção de ilegitimidade ativa, tendo a Junta de Freguesia atuado, in casu, em conformidade e mediante as atribuições que lhe são conferidas pela Lei n° 75/2013 de 12/09 (Regime Jurídico das Autarquias Locais).

  10. Mais importa alegar que o requisito do periculum in mora também se julga por preenchido, porquanto caso seja necessário e haja a pretensão de aceder às águas do rio Cávado naquele local, as entidades licenciadoras, autoridades fiscalizadoras e pescadores não o conseguirão fazer, 12. E da ponderação dos interesses públicos e privados em presença, decorre que os danos resultantes da concessão da providência não se mostram superiores àqueles que podem resultar da sua recusa (…)”.

    * Notificados que foram para o efeito, os Recorridos produziram contra-alegações, que remataram com o seguinte quadro conclusivo: “(…) 1.

    Nos termos do disposto no artigo 6.° n.° 1 da Lei n.° 54/2005, de 15 de novembro “O domínio público lacustre e fluvial pertence ao Estado”.

  11. Os presentes autos tratam de um troço do Rio Cávado situado em terreno privado, e por isso não em terreno municipal e muito menos em terreno de freguesia, pelo que dúvidas não podem restar que pertence ao Estado a competência para os presentes autos, e não à junta de freguesia, e menos ainda ao seu omnipresente presidente! 3.

    Os preceitos e toda a doutrina que a recorrente, em jeito canhestro, “despeja” nas alegações, não se referem à tutela de uma eventual servidão como a dos presentes autos, mas sim ao ordenamento e/ou defesa do ambiente, parecendo que foram enviadas para o processo errado.

  12. Considerando que a pretensão da recorrente nos presentes autos é o cumprimento/respeito da alegada servidão administrativa, e esta, a existir, sempre pertenceria ao Estado, é indubitável que carece de legitimidade nos presentes autos, pelo que muito bem andou o Tribunal em declará-la, sob pena de estar a gastar recursos ao estado e às partes a discutir inutilidades.

  13. Ainda que alegando a Recorrente defender interesses dos seus cidadãos pescadores, o certo é que (i) os pescadores nunca foram impedidos de aceder às margens do rio (e como se disse anteriormente, a zona não é sequer ou é muito residualmente usada por pescadores), nem tampouco aduziram o que quer que fosse nos presentes autos nesse...

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