Acórdão nº 00531/20.6BEPRT de Tribunal Central Administrativo Norte, 13 de Agosto de 2021

Magistrado ResponsávelRicardo de Oliveira e Sousa
Data da Resolução13 de Agosto de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Norte

Acordam, em conferência, os Juízes Desembargadores do Tribunal Central Administrativo Norte:* * I – RELATÓRIO N., S.A, com os sinais dos autos, vem intentar o presente RECURSO JURISDICIONAL da sentença do Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto promanada em 26.05.2021, que indeferiu a requerida providência cautelar de intimação à abstenção de conduta.

Alegando, a Recorrente formulou as seguintes conclusões: “(…) 1. O Tribunal recorrido não deu como provado o seguinte facto: “A existência de um acordo verbal entre Requerente e Requerido quanto à anulação, por este último, das 18 multas contratuais aplicadas”; 2. O referido facto deveria ter sido dado como provado, com a seguinte redação: “Em reunião realizada no dia 24-04-2019, foi celebrado um acordo verbal entre a Requerente e o Requerido, nos termos do qual o Requerido iria anular as multas contratuais aplicadas à Requerente.”; O tribunal recorrido não incluiu no leque de factos provados os seguintes factos: - “Foi celebrado um acordo verbal entre Requerente e Requerido para o pagamento, por parte deste, de uma indemnização a título de reposição do equilíbrio financeiro do contrato à Requerente de, pelo menos, cerca de 10/11 % do valor inicial da empreitada, ou seja, cerca de € 300.000,00”; -O tribunal recorrido não incluiu no leque de factos provados o seguinte facto: “A Requerente requereu ao Requerido, por carta datada de 05-04-2019 (cf. doc. 24 do Requerimento Inicial) e recebida pelo Requerido pelo menos no dia 09-04-2019 (cf. doc. 25 do Requerimento Inicial), prorrogação legal do prazo de execução da empreitada até ao dia 12-10-2019, com os respetivos plano de trabalhos, plano de mão-de-obra, plano de equipamentos e cronograma financeiro, tendo procedido à atualização do valor da reposição do equilíbrio financeiro apresentado, para a quantia de € 1.012.729,30”; - “No dia 11-06-2019, foi celebrado, entre a Requerente e o Requerido, o contrato para a execução da cobertura ajardinada na empreitada, com prazo de execução de 30 dias”; - “No dia 23-05-2019, foi celebrado, entre a Requerente e o Requerido, o contrato para a execução de trabalhos de instalação de equipamentos e mobiliário, com prazo de execução de 30 dias”; - “No dia 24-09-2019, foi celebrado, entre a Requerente e o Requerido, o contrato para a execução do contrato de anodização da fachada, no âmbito do qual não foi estipulado prazo para a execução do trabalho”; - “Os trabalhos relacionados com as carpintarias (equipamentos e mobiliário) interferiam com os trabalhos relacionados com a instalação dos ar condicionados, uma vez que não se conseguia concluir os trabalhos dos armários sem colocar o ar condicionado atrás e criar as entradas e saídas de ar, e dos trabalhos da especialidade de eletricidade, uma vez que havia fios que passavam por dentro dos armários, impactando todas as outras especialidades”; - “As forras das paredes, que também eram em carpintaria condicionavam todas as estruturas e que foi um processo que impactou nas outras especialidades. Sem a definição das carpintarias (equipamentos e mobiliário) não se conseguiam colocar os aparelhos cuja instalação estava prevista na empreitada”; - “Os trabalhos da cobertura ajardinada impactavam com as outras especialidades porque era uma zona técnica e onde estão alojados equipamentos de ar condicionado”; - “Os trabalhos a mais relacionados com a anodização da fachada, tinham impacto nos trabalhos relacionados com as caixilharias e com o revestimento de zinco na parte da frente”; - “Nenhuma das prorrogações de prazo concedidas pelo Requerido à Requerente contemplou as ordens de execução desses (cobertura ajardinada, equipamentos e mobiliário e anodização da fachada) trabalhos a mais”; - “Na sequência de peritagem realizada no âmbito do processo referido no número 21 dos factos dados como provados, foi referido pelo colégio de peritos o seguinte: a. O valor dos trabalhos reconhecidos pela fiscalização (até ao auto 31, de julho de 2019) representa cerca de 99% do valor do contrato inicial; b. A visita feita em 29.07.2020 mostrou uma obra aparentemente concluída embora com alguns defeitos, conforme melhor se explica na resposta ao quesito d) adiante.

  1. O custo total estimado para a correção de defeitos é de € 21.600,00.” 3. Estes factos são relevantes para a boa decisão da causa e deveriam ter sido incluídos no leque de factos provados com estas redações; 4. Afirma o tribunal a quo que “A convicção do Tribunal quanto a todos os factos vertidos formou-se se com base na posição expressa pelas partes nos respetivos articulados e na análise do teor dos documentos pontualmente invocados, seja os juntos com os articulados, seja os constantes do processo administrativo armazenado em plataforma One Drive, ao qual o Requerido concedeu acesso através do fornecimento de password (cfr. fls. 1068-1070 dos autos), que não foram impugnados e, por isso, se mostram mais que suficientes para a análise perfunctória que se exige nestes autos.” 5. Contudo, a verdade é que a Recorrente impugnou, no requerimento junto aos autos com a ref. 007551680, no dia 30-10-2020, “todos os documentos apresentados com a oposição e com o Processo Instrutor impugnados, quanto à sua autenticidade ou veracidade, conteúdo, letra e assinatura e, ainda, quanto aos efeitos, alcance e consequente prova que com os mesmos se pretenda fazer, nos termos dos artigos 415, n° 2 e 444°, n° 1 do CPC, com exceção dos que são da autoria da Requerente ou contêm a sua assinatura (e mesmo quanto a estes, deixam-se impugnados os efeitos, alcance e consequente prova que com os mesmos o Requerido pretenda fazer)”.

    1. Pelo que, nos termos do disposto no artigo 374.°, n.° 2, do Código Civil, a prova da veracidade dos documentos cabia ao Município Recorrido, não podendo o tribunal formar a sua convicção em documentos impugnados e cuja veracidade não foi provada 20 pela parte que os apresentou.

    2. Ao ter decidido como decidiu, o tribunal a quo decidiu em violação do disposto no artigo 374.°, n.° 2, do Código Civil, e no artigo 615.°, n.° 1, al. d), do CPC, uma vez que fundamentou a sua convicção em documentos cuja veracidade não se encontrava provada pela parte que os apresentou, nulidade que se argui para os devidos efeitos legais.

    3. A jurisprudência citada pelo tribunal a quo aceita que há situações em que através de decisão do tribunal, o acionamento e o pagamento de garantia bancária deve ser impedido, quando estejamos perante a existência “de fraude ou de violação flagrante das regras da boa-fé.” 9. Não há diferença entre o banco garante e a outra parte no contrato base.

    4. A má fé ou abuso do direito do beneficiário da garantia bancária deve ser aferida, face ao Requerente da providência cautelar, em função dos atos praticados e dos pressupostos subjacentes ao pedido de pagamento no âmbito do contrato base de empreitada e não em função “de manifesto erro de vontade na formação do contrato da garantia bancária, devido ou não a fraude”.

    5. O contrato de garantia bancária é uma relação beneficiário - banco; o que se discute nos autos é a relação base, de empreitada, entre dono da obra e empreiteiro, com uma cláusula acessória de garantia que o dono da obra está a usar contra o empreiteiro. O recurso a terceiro (banco garante) não altera o ângulo de análise: empreiteiro - dono da obra.

    6. O empreiteiro não tem, nem teria como ter, que alegar ou provar factos inerentes a condutas ocorridas na relação entre o beneficiário e o banco, até porque as desconhece.

    7. Pelo que, as situações de abuso de direito, em violação da boa-fé, ocorridas na relação entre o empreiteiro e o dono de obra devem relevar para efeitos de impedirem o acionamento abusivo de garantias bancárias.

    8. No âmbito da empreitada, a Recorrente sempre se insurgiu contra a efetiva aplicação de qualquer multa ou dívida ao Município Recorrido ou compensação de créditos, bem como às comunicações enviadas por este. As respostas da Recorrente estão juntas aos autos e as condutas e comunicações do Município Recorrido não correspondem ao que foi acordado entre as partes. É exatamente a relevância desta questão que a Recorrente alega no Requerimento Inicial, bem como a consequente má-fé do Município Recorrido ao acionar as garantias bancárias e atuar contra o que acordava com aquela.

    9. Assim, a “existência de fraude manifesta ou abuso evidente do beneficiário” não deve ser avaliada em função apenas do contrato de garantia, mas sim em função de todos os pedidos formulados na ação principal intentada pela aqui Requerente, que corre termos no Tribunal Administrativo e Fiscal do Porto, sob o processo n.° 956/20.7BEPRT (cf. doc. 5), e da conduta do Município Recorrido no contrato de empreitada, no âmbito do qual, essencialmente, acordou com a Recorrente anular as multas aplicadas. (como alegado no artigo 57.° do Requerimento Inicial), mas fez o contrário.

      Com efeito, a provar-se, como, a nosso ver, resulta provado (cf. II.1.1 - Facto não provado 1), nos presentes autos, que o Recorrido Município acordou com Recorrente anular as multas contratuais aplicadas, fazendo-a crer que, por essa razão, não seria necessário impugnar judicialmente o ato de aplicação de multas, para vir, posteriormente, a acionar as garantias bancárias para se fazer pagar pelas referidas multas contratuais, e invocar a caducidade do direito de ação de anulação do mesmo ato de aplicação de multas, não constitui uma situação de abuso de direito? 16. A resposta a esta questão não pode deixar de ser positiva e este abuso de direito deverá ser tido em conta para efeitos de impedir o acionamento e o pagamento de garantia bancária, não sendo relevante o facto de o referido acordo não ter sido reduzido a escrito, porquanto a celebração do mesmo pela via verbal era o suficiente para, em circunstâncias normais, criar na Recorrente uma situação de convencimento de qual o acordo seria cumprido.

    10. Acresce que, conforme o alegado pela Requerente, nos artigos 151.° a 153.° do requerimento...

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