Acórdão nº 94/18.2BELLE de Tribunal Central Administrativo Sul, 09 de Setembro de 2021
Magistrado Responsável | SOFIA DAVID |
Data da Resolução | 09 de Setembro de 2021 |
Emissor | Tribunal Central Administrativo Sul |
Acordam na 1.ª Secção do Tribunal Central Administrativo Sul I - RELATÓRIO O Ministério Público (MP) interpôs recurso da decisão do TAF de Loulé que julgou verificada a excepção de litispendência.
Em alegações são formuladas pelo Recorrente, as seguintes conclusões:”1. Nos presentes autos, o Ministério Público, em defesa da legalidade e do urbanismo, impugnou os actos administrativos praticados pela Câmara Municipal de Olhão no âmbito dos requerimentos para concessão de alvarás de autorização para ocupação dos talhões n.ºs 2.. e 2.., situados na Ilha da Armona, Olhão, e dos pedidos de licença de alteração e ampliação n.ºs 7…./89 e 7…/89, acima identificados.
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A acção foi interposta contra o Município de Olhão, sendo contra-interessado P…, tendo sido indicados, como fundamentos do pedido, a incompetência da entidade licenciadora, a violação do POOC, do Regime Jurídico da REN e do Parque Natural da Ria Formosa.
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Na acção n.º 121/17.0BELLE-A veio P… demandar a APA, indicando como contra-interessado o Município de Olhão, pedindo a declaração de invalidade do despacho produzido pela APA em 2 de Fevereiro de 2017, que determinou a demolição do edificado por si nos talhões identificados sitos na Ilha da Armona, e a atribuição de efeitos aos actos de licenciamento produzidos pela Câmara Municipal de Olhão, que assumiu serem nulos por incompetência daquela entidade para os produzir.
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A sentença proferida considerou verificar-se a excepção de litispendência por haver correspondência entre as partes (sendo que a APA e o Ministério Público, cada um em cada uma das acções referidas, assume a posição de legalidade na defesa do interesse público) e por o pedido formulado na referida acção n.º 121/17 englobar o pedido formulado na presente acção.
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Considerou o Mm.º Juiz que o pedido daquela acção engloba o formulado neste porquanto, ao pedir a atribuição de efeitos putativos aos actos de licenciamento, reflexamente exige que se aprecie a legalidade daquele licenciamento – precisamente o que é discutido na presente acção.
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Carece de razão, porém.
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Assim, e em primeiro lugar, não se pode defender que APA e Ministério Público representam a mesma parte, os mesmos interesses jurídicos.
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O Ministério Público é uma magistratura dotada de independência e autonomia (art.ºs 219.º da Constituição da República Portuguesa e 3.º do Estatuto do Ministério Púbico), cabendo-lhe a defesa intransigente da legalidade, sob toda e qualquer perspectiva (conforme refere o art.º 4.º do Estatuto do Ministério Público, cabe a esta magistratura “defender a legalidade democrática”); 9. Diferentemente, a APA tem uma natureza distinta: trata-se de um órgão administrativo dependente do Governo e que deverá cumprir as suas ordens.
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Ora, considerando a diferente natureza das duas entidades em questão, nunca se poderá dizer, salvo o devido respeito por opinião contrária, que uma entidade independente e autónoma se pode colocar no mesmo patamar que uma entidade que depende do Governo de Portugal: basta perspectivar o andamento da acção acima referida, e a posição que a APA pode vir a assumir, para perceber que esta entidade e o Ministério Público podem não assumir a defesa dos mesmos interesses.
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Não existe, igualmente, coincidência (ainda que parcial) dos pedidos efectuados.
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Na acção n.º 121/17.0BELLE-A o ali Autor assume a ilegalidade dos actos por os mesmos se reportarem ao licenciamento de construções numa área situada fora da concessão atribuída ao Município de Olhão na Ilha da Armona, sendo que o pedido é o de atribuição de efeitos jurídicos àqueles actos.
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Uma vez que não são impugnados directamente os actos de licenciamento, não se aplica à apreciação da respectiva validade a excepção consagrada no n.º 3 do art.º 95.º do CPTA, que permite que se apreciem todas as causas que podem determinar a invalidade dos actos impugnados, independentemente de terem, ou não, sendo invocados.
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Ao invés, aplica-se a regra constante do art.º 95.º, n.º 1, do CPTA, segundo a qual “a sentença deve decidir todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação e não pode ocupar-se senão das questões suscitadas”.
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Ora, admitindo-se que a excepção de litispendência pretende, acima de tudo, que não existam duas sentenças que, debruçando-se sobre a mesma situação, se possam contradizer, fácil é de ver que não é esse o caso presente.
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Não nos esqueçamos que foram formulados dois pedidos na acção 121/17: a declaração de invalidade do acto proferido pela APA e a atribuição de efeitos putativos aos actos de licenciamento.
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Para termos uma ideia acerca da não total coincidência entre os pedidos formulados nesta acção e na acção n.º 121/17, vejamos quais os limites a que está sujito o Mm.º Juiz que apreciar aquela acção: deverá, em primeiro lugar, apreciar o acto administrativo concretamente impugnado, isto é, o acto proferido pela APA. Depois, deverá apreciar o pedido de atribuição de efeitos putativos aos actos de licenciamento, na perspectiva apresentada, ou seja, na perspectiva de terem sido, ou não, proferidos por entidade que para tal tinha competência.
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Não tendo, na acção n.º 117/17, sido impugnados os actos de licenciamento, não poderá o Juiz apreciar, sob todas as perspectivas (nomeadamente atendendo às regras constantes dos regimes da REN, POOC e PNRF), aqueles actos sob pena de a sentença a proferir extravasar os seus limites materiais e ser, por isso, inválida.
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É certo que o objecto material é o mesmo...
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