Acórdão nº 918/20.4BELSB de Tribunal Central Administrativo Sul, 09 de Setembro de 2021

Magistrado ResponsávelJORGE PELICANO
Data da Resolução09 de Setembro de 2021
EmissorTribunal Central Administrativo Sul

N…, vem interpor recurso da sentença proferida no âmbito da presente acção de intimação para protecção de direitos, liberdades e garantias, que, por falta de verificação de pressupostos processuais para intimação do Recorrido Infarmed - Autoridade Nacional do Medicamento e Produtos de Saúde, I.P., à emissão de normas, procedeu à absolvição deste da instância.

Apresentou as seguintes conclusões com as suas alegações de recurso: “1. O segmento petitório da ação intentada pela Recorrente assenta no seguinte pressuposto: “incluindo, mas sem limitação, (…) a adoção das seguintes condutas” (…).

  1. Todas as condutas identificadas no pedido da Recorrente assumem a natureza de condutas materiais, i.e. atos materiais a praticar pela Recorrida.

  2. Mesmo que se considerasse que o pedido da Recorrente não se reportava à adoção de condutas, sempre se dirá que o Tribunal tem poderes para ajustar a sua decisão à intimação à prática das condutas necessárias a acautelar os direitos da Recorrente.

  3. O Tribunal a quo não está vinculado aos pedidos per se, podendo ajustá-los de forma a assegurar a proteção dos direitos invocados de forma proporcional.

  4. O Tribunal a quo incorreu numa incorreta interpretação do disposto nos artigos 109.º, n.ºs 1 e 3, do CPTA.

  5. Não se poderá aplicar, per se, o disposto no artigo 77º, 1 do CPTA per se, porquanto não estamos perante uma ação administrativa especial para a condenação na emissão de normas, mas sim um processo urgente de intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias.

  6. Os requisitos para a ação para condenação na emissão de normas, previstos no artigo 77º do CPTA, são distintos dos requisitos para decretamento a intimação para proteção de direitos, liberdades e garantias, previstos no artigo 109º do CPTA.

  7. O Tribunal a quo fez uma incorreta interpretação dos artigos 109º e 77º conjugados do CPTA.

  8. Sem prejuízo da argumentação supra expendida, mesmo enquadrando-se a pretensão da Requerente nos termos do art.º 77.º do CPTA, esta haveria de proceder.

  9. Deverá afastar-se o erro em que a sentença incorre ao afirmar que condenar o Requerido na emissão de um regulamento constituiria violação do princípio da separação dos poderes.

  10. É a própria CRP que afirma, no art.º 202.º, n.º 2 que “Na administração da justiça incumbe aos tribunais assegurar a defesa dos direitos e interesses legalmente protegidos dos cidadãos, reprimir a violação da legalidade democrática e dirimir os conflitos de interesses públicos e privados.

    ”.

  11. Sendo o próprio art.º 77.º do CPTA, no contexto da obrigação de emissão de regulamento, um exemplo paradigmático do dever da ordem jurisdicional sindicar a ação ou omissão da administração pública.

  12. Não há, por isso, qualquer violação do princípio da separação dos poderes em ver os tribunais condenarem uma entidade pública na emissão de um regulamento, o que se afigura claramente diferente de o tribunal definir o conteúdo desse regulamento, situação que está de todo afastada no caso em apreço.

  13. Os pressupostos da condenação do Requerente na emissão de um regulamento são, essencialmente dois: a) Alegação de um prejuízo diretamente resultante da situação de omissão; e b) Ilegalidade da omissão de emissão de um regulamento, para dar exequibilidade a atos legislativos carentes de regulamentação.

  14. Quanto ao primeiro, está inequivocamente demonstrado – e constitui facto assente, seja pela prova documental junta, seja pela posição adotada pelo Requerido – que a divulgação a terceiros de documentos entregues ao Requerido, no âmbito de pedidos de autorização de introdução no mercado de medicamentos, constitui um prejuízo para a atividade comercial da Requerente.

  15. Esta matéria factual foi devidamente explicitada na petição inicial, entre outros, sob os itens n.º 3 a 5, 25 a 28, 63 a 68 e 73 a 107, demonstrando-se explicitamente os prejuízos causados à Requerente (indo por isso mais longe do que é legalmente exigido, já que neste domínio bastará a mera alegação, necessariamente verosímil).

  16. Quanto ao segundo pressuposto – demonstração da situação de ilegalidade por omissão de normas cuja adoção, ao abrigo de disposições de direito administrativo, seja necessária para dar exequibilidade a atos legislativos carentes de regulamentação – o tribunal a quo errou novamente ao considerar que não existia qualquer ilegalidade por omissão de emissão de regulamento.

  17. Notemos, em primeiro lugar, que não está apenas, ao contrário do afirmado pela decisão sindicada, a norma do art.º 189.º, n.º 6 do RJMUH e a conclusão que desse número se retira sobre o termo “pode”.

  18. É necessário antes de mais perscrutar todo o edifício normativo em causa relativo à problemática em apreço que opõe os seguintes direitos e interesses: a) Proteção da confidencialidade dos documentos entregues pela Requerente, enquanto titular de tais elementos entregues ao Requerente, para instruir os seus pedidos de autorização de introdução no mercado e que se presumem confidenciais, nos termos do art.º 188.º, n.º 2 e 3 do RJMUH e, bem assim, art.º 268.º, n.º 1 da CRP, entre outros, no sentido de ser garantido à Requerente a participação em todos os procedimentos administrativos em que tenha interesse, como é o caso do acesso a documentos confidenciais da sua titularidade; e, por outro lado, b) Direito de terceiros, competidores da Requerente, em pedir o acesso a tais documentos, ao abrigo das normas consagradas nos art.º 268.º da CRP, 82.º, n.º 1 do CPA e da LADA.

  19. A existência desta colisão de direitos é uma realidade assumida pela Requerente e aceite pelo Requerido.

  20. Ou seja, quer a nossa Lei Fundamental, quer a legislação ordinária reclamam a necessidade da existência de um regulamento quanto ao pedido por terceiros de acesso aos documentos em causa que, desde logo, contemple uma fase de audiência prévia do titular dessa informação entregue e depositada no Requerido.

  21. O pedido de acesso a tais informações não deixa de ser um procedimento administrativo e, como tal, deveria estar sujeito à mais sagrada regra de proteção dos interessados: o direito de audiência prévia.

  22. Tendo esta realidade como pressuposta (e efetiva), torna-se necessário compreender em que medida o art.º 77.º, n.º 1 do CPTA lhe oferece alguma tutela, ou seja, se há ou não um dever de emissão de um regulamento.

  23. Ora, quer partamos do próprio art.º 188.º do RJMUH – que congrega em si mesmo no n.º 2 e 3 a confidencialidade e no n.º 6 a necessidade de regulamentação –, quer atentemos no demais conjunto normativo sobre esta matéria – CRP, LADA, CPA – verifica-se uma imperiosa necessidade de regulamentar o acesso a tais documentos.

  24. Não se trata de um simples poder discricionário de “poder regulamentar”, mas sim de um dever de o fazer, sob pena de violação dos princípios da legalidade, imparcialidade, proteção dos direitos e interesses dos particulares, entre outros.

  25. “O dever de emitir o regulamento pode decorrer expressamente da lei ou pode decorrer “do facto de esta não poder pura e simplesmente ser executada sem um regulamento que densifique o seu conteúdo, que o concretize, desenvolva ou pormenoriza” – Mário Esteves de Oliveira e Rodrigo Esteves De Oliveira, CPTA anotado, I, Coimbra, 2004, anotação ao art.º 77.º do CPTA – sublinhado nosso.

  26. No caso concreto deste pleito, o dever – no sentido de ser obrigatório – de regulamentar o acesso aos documentos não está expressamente consagrado na lei, mas é uma necessidade que se impõe ao Requerente, em face da realidade com o qual se depara diariamente, seja porque as normas...

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